• Nenhum resultado encontrado

O Belo como Experiência Estética – O Discurso dos Estetas

2. DISCUSSÃO PRELIMINAR SOBRE A BELEZA

2.3. O Belo como Experiência Estética – O Discurso dos Estetas

O conceito de Belo de que estamos tratando neste tópico refere-se à experiência estética: a capacidade de avaliar uma obra literária, uma sinfonia, uma obra de arte, uma obra arquitetônica, etc. Escolas da estética filosófica e histórica, da estética psicológica, da estética matemática, da estética fisiológica, da estética experimental ou estatística, entre outras, pesquisaram o Belo através de fórmulas, experimentos, estatísticas e comparações.

Especula-se que Platão foi quem lançou os fundamentos da ciência do Belo, ciência que se encarregou de analisar e investigar a respeito da arte e da beleza. Objeto de estudo da Filosofia e Psicologia, essa ciência foi usada para significar conceitos ou idéias de natureza variada, concernentes à percepção de certos sentidos e da Razão. No mundo das coisas físicas, essa percepção é feita através dos sentidos da visão e da audição, agentes de captação do que existe no mundo físico; e no mundo das idéias, seu uso é mais liberal por comportar a extensão de seu significado a conceitos morais, intelectuais, artísticos.

De acordo com Ângelo Murgel, a apreciação do belo, quer seja para a percepção das coisas abstratas ou mesmo as sensações captadas pela visão e audição, sofrem interferência incontestável da Razão, entendida aqui como a capacidade intelectual de discriminar, apreender. “A interferência incontestável do Belo dá-nos a suspeita de que sua sensação não provém, como no caso do paladar, do tato e do olfato, de um instinto natural e autônomo, mas de um processo sensorial-intelectual, por ela presidido”.45

Diferentemente dos demais sentidos e órgãos do corpo, cujo desenvolvimento é semelhante e conhecido, o da Razão se dará pela influência de elementos externos, sendo estes imprevisíveis, de acordo com as varianças do percurso da vida de cada indivíduo. Assim, os conceitos individuais ou coletivos derivam da experiência externa de cada indivíduo ou grupo. A AD trata dessa questão usando os termos imaginário e memória. Os discursos de alguns estetas refletem essa direção de idéias. Os pensamentos desses autores foram reunidos na obra Teoria e Filosofia da Arquitetura, de Adolfo Morales de Los Rios Filho, citado por Murgel. Constitui-se um resumo das teorias de vários pensadores da estética. Citaremos apenas os pensamentos de alguns

45

MURGEL, Ângelo. Análise do Belo. Rio de Janeiro: Faculdade Nacional da Arquitetura da Universidade do Brasil, 1962, p. 47-48

dos que foram abordados por Murgel, a fim de obtermos uma clareza maior de sua concepção do Belo.

Vicente Licínio Cardoso sentencia: “A noção de belo é uma das mais relativas. O belo é resultado de um julgamento, e como tal, função do indivíduo e do meio a que ele pertence, sendo atributo, fruto, resultado de um julgamento, de uma aceitação ou de uma comparação, o belo não é por si nenhuma entidade”.

Mario Pilo segue o mesmo fio de pensamento de Cardoso: “E, com efeito, uma grande verdade se contém naquela democrática definição do belo: que este não é uma entidade substancial; que não é sequer uma qualidade metafísica, transcendental, das cousas; que não é um privilégio das obras de arte, um produto exclusivo e desejado do homem; mas, pura e simplesmente uma maneira nossa, subjetiva e pessoal de sentir as cousas, embora naturais”. Continua: “O belo não está nas cousas, mas no modo como as sentimos”.

Henri Bergson afirma: “Le sentiment du beau n’est pas un sentiment spécial, mais tout sentiment éprouvé par nous revêtira un caractére esthétique pourvu qu’il ait été non pas causé”.

Leon Tolstoi enfatiza: “Quelle est donc cette étrange notion de la beauté Qui paraît si simple à tous ceux Qui en parlent sans y penser, mais que personne n’arrive à définir la beauté absolue ou bien ne définissent rien du tout ou ne définissent que quelques traits de queleques productions artistiques... ill n’y a pas une seule définition objective de lá beauté”.

Winckelmann esclarece: “La belezza se capta com los sentidos, pero no se conoce y comprende merced al entendimiento”.

Adolfo Morales de Los Rios Filho diz: “A primeira condição caracteriza o belo relativo, o qual sendo de interpretação toda pessoal – e, portanto, influenciada por tendências, paixões ou preconceitos do observador – só pode afetar ou empolgar quem possuir certa dose de educação artística”.

“Lo bello, segundo Friedrich Kainz, no se percebe y capta, pura e simplesmente, como una cualidad inherent al object, que no hay más remedio que observar y registrar, quierase o no. La conciencia de quien capta lo estético interviene activa y esencialmente en la creación de este valor, el cual no llega a realizarse sino dentro de una adecuada vivencia.”

Miloutine Borissavliévitch, autor de “Tratado Estético de Arquitetura”, expôs resumidamente: “Belo é o que dá prazer aos sentidos”. Em résumé, si un object est beau ou laid, ce julgament esthétique dépend uniquement du sujet; le beau objectif n’existe donc pas.”

Felipe dos Santos Reis acrescenta: “O juízo humano sobre uma forma bela ou não é, pois, função dos homens em sua graduação, emotividade e percepção; transformadas as impressões que provocam em idéias, e estas em palavras, expressam juízos que são outras transformações, em linguagem de vocábulos e intuitos padronizados. Daí, as definições do Belo desde a Grécia. Como os cérebros dispõem, no mesmo espaço-tempo, de culturas bem diferenciadas, diversas devem ser as apreciações e os juízos dos Homens com seu transcurso”.

Podemos concluir dessas afirmações que o Belo não é qualidade inerente ao objeto, nem tampouco imutável. “Se fosse uma característica própria do objeto, seu conceito e percepção independeriam de qualquer julgamento da Razão”, sentencia Murgel.46 Se fosse uma característica inerente ao objeto, poderia causar a mesma impressão em diversos observadores. O que belo nos parece hoje, necessariamente não o precisa ser amanhã. Isso significa que a noção do Belo depende parcialmente da Razão humana.

Na perspectiva de alguns autores, o belo não existe; é pura convenção de ordem estritamente intelectual, em cujos domínios se entra pela educação. É apreendido por cada indivíduo, de acordo com seu meio, educação e experiências. Ou seja, o homem “sente” segundo os ensinamentos que seu meio terreno lhe incute. Isso varia de cultura para cultura, de povo para povo, de época para época, de classe social ou cultural e até mesmo no próprio indivíduo, de acordo com a idade. Assim, a capacidade de atribuir beleza às coisas varia de indivíduo para indivíduo, de grupo para grupo, e a iniciação aos padrões de beleza se processam desde a infância.

João Duarte Francisco Júnior defende que as coisas não têm somente utilidade, mas estilo. “Mesmo as atividades mais racionais que desempenhamos são perpassadas pelo sentimento estético. Perceba como é comum esta afirmação na boca de profissionais de saúde: estou atendendo um caso muito bonito”. Ora, “será que o médico é tão mórbido que vê beleza nas deformidades e distorções patológicas do

46

MURGEL, Ângelo. Análise do Belo. Rio de Janeiro: Faculdade Nacional da Arquitetura da Universidade do Brasil,1962, p. 47-48

organismo humano”? Esclarece: “o sentimento do belo expressado pelo médico provém da própria ciência que exerce, provém da articulação de conceitos, da construção de um saber que lhe permite atuar sobre a enfermidade. Esse ato de compreensão da ciência médica e sua atuação na vida de doentes configuram um todo harmônico, percebido como belo”.47

Baseado nessas premissas, ele chega à conclusão de que mantemos com o mundo dois tipos de relacionamento: prático e estético. Na experiência prática, interessa-nos a função das coisas; e no relacionamento estético, a sua forma. Beleza, assim, é a relação entre sujeito e objeto. Essa relação se dá de maneira mais intensa ou não, de acordo com nosso interesse.

A compreensão que temos das coisas deriva então, dos sentimentos, da maneira como as sentimos. Não existe compreensão apenas racional, objetiva. Segundo o autor, cada palavra, expressão carrega em si além de seu significado simbólico, racional, toda uma carga de sentimentos, de emoções. Isso leva à conclusão de que não existe uma atividade puramente racional, abstrata.

O psicólogo francês Paul Guillaume identifica uma certa semelhança entre a percepção sincrética e os sentimentos, enquanto apreensões globais da situação em que vivemos. Na percepção sincrética, diz ele, o objeto percebido é um todo que não se decompõe em partes distintas e individualizadas, e a percepção é justamente aquilo que se costuma chamar de “impressão primeira” ou de “sentimento”. Para ele “o sentimento é a forma primitiva do conhecimento, a primeira maneira de se conhecer o mundo”.48

Na arte, não importa “o quê”, mas sim o “como”. As flores pintadas por um renomado pintor e as pintadas por uma criança em fase escolar são flores, mas apresentam diferenças, e a diferença está no potencial criativo de cada um, de acordo com suas experiências, vivências, idade, etc. Um mesmo artista poderia reproduzir a mesma obra em momentos diferentes e não teria a mesma obra. O momento, o local e as emoções (estado de espírito) interferem no processo. O como a obra foi produzida tem relevância.

Da mesma forma, o como um discurso foi formulado tem relevância, pois quem o produziu, em que momento o produziu e em que circunstância foi produzido interferem

47

DUARTE JUNIOR, João Francisco. O que é Beleza. São Paulo, Editora Brasiliense, 1986, p. 32 48

no processo de produção desse discurso. Entre muitas opções de se dizer algo, são essas e outras condições que estabelecem a forma como sujeito e linguagem se articulam, afetados por um já dito. “A maneira como a memória aciona, faz valer as condições de produção”,49 enfatiza Orlandi.

O sentido expresso pela arte passa necessariamente pelo observador. A obra de arte, conforme Umberto Eco,50 é aberta, cabendo a cada sujeito completar seu sentido. Da mesma maneira, em qualquer forma de expressar linguagem, os sentidos nunca se esgotam, havendo possibilidades infinitas de se dizer essas e muitas outras coisas sobre determinado fato, sem que o dito sobre se exaure. Esse é ponto chave da AD: um sistema sujeito a falhas. E porque falha, permite a continuidade.

Os discursos que apresentamos nesses tópicos são exemplos das variadas textualizações sobre o assunto que estamos discutindo. Em face de um objeto simbólico, o sujeito sente-se impelido a significar, a dar sentidos. Podemos observar que a fala de outros teóricos, que não os da língua, também serve para reforçar a idéia de que a forma como somos afetados sobre a enquanto sujeitos de linguagem depende de um imaginário pelo qual somos inconscientemente afetados e que nos fazem formular desta ou daquela maneira.

49

ORLANDI, Eni. Análise do Discurso. Princípios e Procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 2000, p. 30 50