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3. HISTÓRICO–DISCURSIVO

3.7. Século XIX – Romantismo

Com o incremento da industrialização e do comércio, notadamente a partir da Revolução Industrial do século XVIII, a burguesia da Europa vai ocupando espaço ideológico maior. As idéias do emergente Liberalismo incentivam a busca da realização individual por parte do cidadão comum. Nas últimas décadas daquele século, o processo levou ao surgimento, na Inglaterra e na Alemanha, de autores que caminhavam em sentido contrário ao da racionalidade clássica e da valorização do campo, conforme normas da arte vigente até então.

Esses autores tendiam a enfatizar o nacionalismo e identificavam-se com a sentimentalidade popular. Essas idéias foram o germe do que se denominou Romantismo. Em 1774 surgiu na Alemanha a publicação do romance Werther, de Goethe. Na obra o autor lançou as bases definitivas do sentimentalismo romântico e sugeriu a fuga pelo escapismo do suicídio. Na Inglaterra o Romantismo surgiu nos primeiros anos do século XIX, através da poesia de Lord Byron (pregava tristeza e morte) e dos romances históricos de Walter Scott. Tais atitudes e outras conseqüentes delas foram se consolidando e, ao chegarem à França, receberam um vigoroso impulso graças à Revolução Francesa de 1789. Afinal, essas tendências literárias individualistas identificavam-se amplamente com os princípios revolucionários franceses da derrubada do Absolutismo e da ascensão da burguesia ao poder, através de aliança com as camadas populares.

A partir desse momento, o ideário romântico espalhou-se por todo o mundo ocidental, levando consigo o caráter de agitação e transgressão que acompanhava os ideais revolucionários franceses que atemorizavam as aristocracias européias. A desilusão com tais ideais lançaria muitos românticos em uma situação de marginalidade em relação à própria burguesia.

Num movimento de escapismo, o artista romântico evade-se para os universos criados em sua imaginação, ambientados no passado ou no futuro idealizados, em terras distantes envoltas na magia e no exotismo, nos ideais libertários alimentados nas figuras dos heróis. A fantasia levou os românticos a criar tanto mundos de beleza que fascinam a sensibilidade como universos em que a extrema emoção se realiza no belo associado ao terrificante.

Entre outros temas, a mulher é o preferido dos românticos. A figura feminina aparece convertida em anjo ou santa. Não importa a temática (escravidão, indianismo, sociedade urbana ou rural): as mulheres são virgens, pálidas, belas, fiéis.

3.7.1. A Palavra Alcança o Corpo.

Inspirando emoções contraditórias e inebriantes o romantismo criou protótipos de mulheres de olhares perdidos pelo tédio, e de faces lívidas, “inebriadas de poesia e de amor”. Para alcançarem a lividez das damas românticas descritas pelos poetas, as mulheres tingiam seus rostos com um preparado feito de açafrão ou de tinta azul e bebiam vinagre e muito suco de limão fazendo regimes até o ponto de desmaiarem, tudo para ficarem com um aspecto espectral.

Seus olhos, melancólicos, mal se mexiam, as finas sobrancelhas apenas delineadas emolduravam um rosto apático, desprovido de emoção, com um ar sonhador e inconsolável. Mal alimentadas, complementavam esse quadro ingerindo doses de beladona, atropina e outras drogas venenosas para obterem uma fixidez estranha, uma pupila profunda que lhes conferia um ar místico e um brilho que revelaria uma alma ardente e apaixonada.

Donas de uma cintura delgada, um corpo maleável e solto em forma de fuso, não andavam, quase que levitavam, atravessando o espaço como se fossem uma sombra. Tecidos vaporosos cobriam seus corpos que não se mexiam, tremiam de um tormento sempre contido. O Romantismo traria de volta a Idade Média, unindo na mesma mulher a figura de anjo e demônio. Mulheres que uniam ingenuidade, atratividade, mas também, fatalidade e perigo. É o aspecto melancólico, de desespero que lhes cai bem!

Seus cabelos eram frisados, encaracolados e presos num coque deixando alguns cachos emoldurarem o rosto, cabelos lavados a cada dois meses, segundo recomendação dos ingleses. No inverno eram cobertos por chapéus, preferencialmente com abas largas, ornamentado por fitas e rendas. Logo mais tarde adotou-se o uso de uma faixa larga que encobriam as orelhas e deixava à mostra todo o rosto emoldurado por sobrancelhas bem espessas.

Meio deusas, meio anjos, meio mulheres-flores, meio flores do mal, essas mulheres pertencem mais ao imaginário de artistas do que à realidade cotidiana.

Porém, não podemos desmerecer a influência do movimento na vida das mulheres européias, pois a palavra é o signo ideológico por natureza. Mesmo fazendo parte de um movimento literário (romance, poema), a palavra reflete ações, emoções, vivências, imaginários pelos quais somos tomados enquanto sujeitos concretos. Pois,

“não há enunciado livre, neutro e independente; mas sempre um enunciado fazendo parte de uma série ou de um conjunto, desempenhando um papel no meio dos outros, neles se apoiando e deles se distinguindo: ele se integra sempre em um jogo enunciativo, onde tem sua participação, por ligeira e ínfima que seja. [...] Não há enunciado que não suponha outros; não há nenhum que não tenha, em torno de si, um campo de coexistências.”130

Reagindo aos excessos do século XVIII, o século XIX utiliza menos cosméticos. A beleza, atendendo aos valores da burguesia bem alimentada, é flácida. As caricaturas de Daumier revelam mulheres de costas largas, ombros caídos, braços cheios de celulite e seios generosos, pintados por pó branco feitos pela dissolução de pérolas finas.

Tanto na França, Inglaterra quanto nos Estados Unidos, o mais importante eram os cuidados com a higiene. A maquiagem deveria ser usada evitando-se todo o excesso. Toda maquiagem que não fosse o mais natural possível era criticada por especialistas que recomendavam o aborto das fórmulas industriais que diziam serem maléficas por conterem elementos tóxicos prejudiciais à pele. Mesmo sendo combatidos, muitas ainda se aventuravam a usar preparados que rachavam e escorriam sob os efeitos climáticos, além do que provocavam danos irreversíveis à pele.

Mas, a indústria cosmética cresceria. Instigadas pelo desejo das mulheres de pareceram-se com as cortesãs que faziam uso livre da maquiagem, Baudelaire publicou no Le Figaro um Elogio da Maquiagem, em que defendia o seu uso, dizendo que a mulher tinha todo o direito de mostrar-se mágica e sobrenatural, pouco importando se o ardil e o artifício fossem conhecidos de todos, quando o sucesso é certo e seu efeito sempre irresistível”, discursou em 1863.131

130

FOUCAULT, Michel. (org.) Foucault: a critical reader. New York: Basil Blackwell, 1986, p. 114 131

ROUSSO, Fabienne. O Romantismo. Em FAUX, Dorothy Schefer (et al). Beleza do Século. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2000, p. 75

Os naturalistas, os realistas, os impressionistas, os escritores ou pintores estimularam a coqueteria e fizeram com que pouco a pouco o mundo das “criaturas difamadas” (cortesãs, cocottes, mundanas, dançarinas) entrasse no mundo das mulheres excepcionais.

Vindo unir-se à volta da maquiagem, o corpo é envolto novamente pelos espartilhos, anquinhas e próteses para os seios (seios de borracha), agora não mais para esconder, mas para valorizar as formas. Tal corpo assim vestido foi considerado um “falso corpo”, sem beleza, pois estava destituído do álibi mitológico que caracterizou a mulher romântica.