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Sumário

ESTRANGEIRA EM SANTA CATARINA (1930 – 2012).

3.2 O BRASIL DA ERA VARGAS E OS ACONTECIMENTOS MUNDIAIS

O presidente Getúlio Vargas, em 1930, criou o Ministério da Educação e Saúde Pública56, aumentando assim a vigilância do Estadoe a normatização de leis, de onde foram emanadas as regulamentações educacionais, que eram seguidas “à risca” em todo o país.

Naquele contexto de modificações educacionais, foi organizado, em 1932, o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova57

”, que sugeria a organização de um plano para a educação por parte do Estado brasileiro, estabelecendo uma escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita (BRASIL. MEC, 2012).

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As medidas tomadas para o ensino da língua portuguesa nas escolas do Estado Novo demandadas para os descendentes de estrangeiros afetaram a sua vida privada. Os mais velhos que não conseguiam aprender, calaram-se; outros não saíam mais de casa. Ver mais em: A política da língua na era Vargas: proibição de falar alemão e resistências no Sul do Brasil, de Cyntia Machado Campos; Memórias de uma (outra) guerra: cotidiano e medo durante a Segunda Guerra em Santa Catarina, de Marlene de Fáveri; A Política de

Nacionalização e a Educação no Vale do Rio do Peixe (1937–1945), de

Maristela Fatima Fabro, e outros. 56

Durante os anos de 1937 a 1945, o Ministério da Educação ficou a cargo de Gustavo Capanema Filho, que promoveu diversas reformas no ensino, inclusive o processo de nacionalização nas escolas brasileiras. No ano de 1953, passou a ser chamado de Ministério da Educação e Cultura – MEC, sigla que permanece até os dias atuais (BRASIL. MEC, 2012; FABRO, 2010).

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O Manifesto foi redigido por Fernando de Azevedo e assinado por importantes educadores, tornando-se um marco para a educação brasileira.

Na sequência temporal, ocorreu a aprovação do texto da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934, quando a educação passou a ser um direito, e todos os Estados e os municípios deveriam estimular a educação eugênica no país (BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, 1934).

A educação durante o Estado Novo (1937-1945) ficou a cargo de Gustavo Capanema Filho, que promoveu diversas reformas no ensino, inclusive o processo de nacionalização nas escolas brasileiras. Portanto, para que ocorresse a nacionalização, diferentes decretos estaduais e nacionais intervieram na educação catarinense; entre eles, alguns cruciais:

 Decreto-Lei nº 88 (Estadual), de 31 de março de 1938: estabelece normas relativas ao ensino primário em escolas particulares do Estado, com o ensino em língua vernácula sendo obrigatório (SANTA CATARINA. Decreto-Lei n. 88, de 31 de março de 1938).

 Decreto-Lei nº. 124 (Estadual), 2 de setembro de 1938: cria a Inspetoria Geral de Escolas Particulares e Nacionalização de Ensino (SANTA CATARINA. Decreto-Lei n. 124 de 18 de junho de 1938).

 Decreto-Lei nº 868 (Nacional), de 18 de Novembro de 1938: regulamenta o ensino primário de todos os núcleos de população de origem estrangeira (BRASIL. Decreto-Lei nº 868 de 18 de Novembro de 1938).

 Decreto-Lei nº 406 (Nacional), de 4 de maio de 1938: normatiza a entrada de estrangeiros no país, conhecida como a “Lei da Nacionalização”; exige que, “Em todas as escolas rurais do país, o ensino de qualquer matéria será ministrado em português, sem prejuízo do eventual emprego do método direto no ensino das línguas vivas”. Destaca que “Nas zonas rurais do país não será permitida a publicação de livros, revistas ou jornais em línguas estrangeiras, sem permissão do Conselho de Imigração e Colonização” (BRASIL. Decreto-Lei nº 406 de 4 de maio de 1938).

Mesmo com a Lei de Nacionalização (1938), algumas regiões de difícil acesso permaneciam utilizando a língua de ascendência para o

ensino básico. Para solucionar o “problema da língua”, foram realizadas fiscalizações pelas inspetorias de ensino e o fechamento de escolas. O Interventor Nereu Ramos fez a língua nacional “triunfar” nas escolas de Santa Catarina sobre as línguas de imigração. A língua de origem ficou restrita ao espaço privado da casa e, com o tempo, a grande maioria parou de falar a sua língua materna; alguns aprenderam a língua portuguesa.

No ano seguinte, com a queda de Getúlio Vargas, foi realizada nova Constituição (1946) que estabeleceu: “o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional” (BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, 1946).

No contexto mundial do pós-guerra, na mesma época foi firmada a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), entre outros movimentos que percorreram o mundo. Esses movimentos objetivavam a proteção do homem e a garantia de seus direitos básicos. Em 1982, por exemplo, ocorreu A Conferência Mundial de Políticas Culturais no México e, em 1995, e foi divulgada a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural58 (DUDC), composta por 12 artigos, subdivididos em quatro grupos: o primeiro, que tratou da identidade, diversidade e pluralismo59; o segundo: diversidade cultural e direitos humanos60; o

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Com um plano de ação para a aplicação da declaração universal da UNESCO, assinado na conferência Geral em Paris, no ano de 2001, sobre a diversidade cultural para os anos de 2001 a 2010, objetivava: aprofundar o debate internacional sobre os problemas relativos à diversidade cultural, intercâmbio de conhecimentos e de práticas recomendáveis em matéria de pluralismo cultural; salvaguardar o patrimônio linguístico; promover, por meio da educação, a tomada de consciência do valor positivo da diversidade cultural; promover a diversidade linguística no ciberespaço e fomentar o acesso gratuito e universal; elaborar políticas e estratégias de preservação e valorização do patrimônio cultural e natural; apoiar a mobilidade de criadores, artistas, pesquisadores, cientistas e intelectuais e o desenvolvimento de programas e associações internacionais de pesquisa; elaborar políticas culturais que promovam os princípios inscritos na presente Declaração entre outros. Publicado em 2002 pela UNESCO.

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Subdivido em: Artigo 1º – A diversidade cultural, patrimônio comum da humanidade; Artigo 2º – Da diversidade cultural ao pluralismo cultural e Artigo 3º – A diversidade cultural, fator de desenvolvimento.

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Artigo 4º – Os direitos humanos, garantias da diversidade cultural; Artigo 5º – Os direitos culturais, marco propício da diversidade cultural; Artigo 6º – Rumo a uma diversidade cultural accessível a todos.

terceiro: diversidade cultural e criatividade61, e o quarto: diversidade cultural e solidariedade internacional62.

No ano de 1996, em Barcelona, Espanha, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, baseada na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948)63. A declaração também levou em consideração o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 16 de Dezembro de 1966 (artigo 27), o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais64, a Declaração sobre os direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais ou étnicas religiosas e linguísticas65 e a Declaração Universal dos Direitos Coletivos dos Povos (1990) a qual indica que os povos têm a sua língua e sua cultura66. Assim, para que haja uma garantia de convivência entre as comunidades linguísticas, faz-se necessário encontrar princípios universalizantes que assegurem a promoção, o respeito e o uso social público e privado de todas as línguas. Ressaltaram-se fatores extralinguísticos (políticos, territoriais, históricos, socioculturais, sociolinguísticos, entre outros, relacionando-os com comportamentos coletivos), que resultaram em problemas como o desaparecimento, a marginalização e a degradação de numerosas línguas. (PORTUGAL. PEN, 2012).

Na verdade, o desenvolvimento da Declaração Universal dos Direitos Linguísticos (DUDL) teve por finalidade:

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Artigo 7º – O patrimônio cultural, fonte da criatividade; Artigo 8º – Os bens e serviços culturais, mercadorias distintas das demais; Artigo 9º – As políticas culturais, catalisadoras da criatividade.

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Artigo 10 – Reforçar as capacidades de criação e de difusão em escala mundial; Artigo 11 – Estabelecer parcerias entre o setor público, o setor privado e a sociedade civil, Artigo 12 – A função da UNESCO.

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Frisando a questão da igualdade dos direitos dos homens e das mulheres, sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra.

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Reforça a liberdade do ser humano, e respeito aos seus direitos civis e políticos, como dos seus direitos econômicos, sociais e culturais.

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Aprovada pela Resolução 47/135 de 18 de Dezembro de 1992 na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas.

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Em casos de invasão, colonização ou ocupação, há uma imposição efetiva de uma língua estrangeira, ou pode ocorrer a distorção da importância das línguas, causando a fidelidade linguística dos falantes. Algumas línguas que passaram a ser soberanas sofreram um processo de substituição linguística causada por políticas que tentaram valorizar a língua das antigas colônias ou dos colonizadores. Observando-se sob uma perspectiva universalista, deve-se atentar para uma diversidade linguística e cultural que se sobrepunha às tendências homogeneizadoras ou de isolamento que resultam em exclusão.

[...] corrigir os desequilíbrios linguísticos com vista a assegurar o respeito e o pleno desenvolvimento de todas as línguas e estabelecer os princípios de uma paz linguística planetária justa e equitativa, como fator fundamental da convivência social. (PORTUGAL. PEN, 2012, s/p).

O artigo 1º da DUDL define a comunidade linguística como um espaço territorial que pode ser ou não reconhecido, desde que tenha uma língua comum de coesão entre seus membros, e que a língua de um território seja o idioma que a ela pertence. O artigo 3.º destaca os direitos individuais inalienáveis, reconhecidos no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos67 de 16 de Dezembro de 1966 e no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da mesma data:

o direito a ser reconhecido como membro de uma comunidade linguística;

o direito ao uso da língua em privado e em público;

o direito ao uso do próprio nome;

o direito a relacionar-se e a associar-se com outros membros da comunidade linguística de origem; o direito a manter e desenvolver a própria cultura; e todos os outros direitos de carácter linguístico . (PORTUGAL. PEN, 2012).

No artigo 4.º a DUDL discorre sobre o direito e o dever de manter uma relação de integração das pessoas que se deslocam e fixam residência no território de uma comunidade linguística diferente da sua, podendo conservar as suas características culturais de origem, ao mesmo

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Destaque para o artigo 1 “Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.” No artigo 27, “Nos Estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de ter, conjuntamente com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua”. O Estado Brasileiro através do DECRETO Nᵒ 592, de 6 de julho de 1992, se compromete a executar e a cumprir o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

tempo em que a compartilham com a sociedade que as acolhe. Na secção II, a DUDL definiu que todos têm o direito a aprender uma língua ligada à sua própria tradição cultural, que seu ensino deve promover a capacidade de autoexpressão e de cultura. Deve estar a serviço da diversidade linguística e das relações harmoniosas entre as diferentes comunidades linguísticas (PORTUGAL. PEN, 2012; BRASIL. PEN, 2012).

Por outro lado, no contexto nacional, em 2010, criou-se o Inventário Nacional da Diversidade Linguística, do Ministerio da Cultura, sob o Decreto nº 7.387, um “[...] instrumento de identificação, documentação, reconhecimento e valorização das línguas portadoras de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Essas línguas, ao serem incluídas nesse inventário, receberão o título de “Referência Cultural Brasileira”, mapeando situações da pluralidade linguística brasileira (BRASIL. PLANALTO, 2012).

No cenário mundial, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO trabalha na promoção de educação de qualidade como direito fundamental para todos. Concentrada na promoção de valores universais e na diversificação cultural, incentivando a diversidade linguística, respeitando a língua materna em todos os níveis da educação. Também proclamou o Dia Internacional da Língua Materna68.

Assim, a UNESCO proporciona o seu apoio aos Estados- membros, no dia 23 novembro de 2011, num total de 195 países membros e 8 membros associados. O Brasil é membro participante desde o dia 4 de novembro de 1946, período posterior ao Estado Novo (1937-1945) em que ocorreriam diferentes mudanças com o novo governo que assumiu o país após o fim da era Vargas (UNESCO. PORTUGAL, 2012; UNESCO, 2012).

Em Santa Catarina o “estrangeiro” foi no passado privado do seu direito civil, representado pela expressão da língua falada e que, agora, via LDB, tem esse direito respeitado. A cidadania se desenvolveu dentro do fenômeno denominado Estado-nação resultante da Revolução Francesa, na luta pelos direitos dentro das fronteiras geográficas e

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Foi proclamado pela UNESCO, em 17 de novembro de 1999. Tem sua origem num confronto ocorrido no Paquistão onde uma língua falada por uma classe considerada dominante sobre outra, vários conflitos e mortes ocorreram. Ver foto do Dia Internacional da Língua Materna, comemorado em 2014 pela Organização das Nações Unidas no Brasil (ONU. BR) no Anexo A, na p. 459.

políticas do Estado-nação. O indivíduo se torna um cidadão quando se sente parte da nação e do Estado (CARVALHO, 2001; FABRO, 2010).

Assim, as transformações descritas e a valorização ao indivíduo, como cidadão69, juntamente com a Lei n° 9.394 de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases – LDB e os Parâmetros Curriculares proporcionaram uma nova faceta para a educação brasileira, ou seja, uma educação voltada a uma prática social, para a formação de um cidadão policêntrico, agora com a possiblidade da educação plurilíngue nas escolas públicas de Santa Catarina.