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CAPITULO 5 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E ANÁLISE DOS

5.5 OS SENTIDOS E SIGNIFICADOS: CONTRAPONTOS ENTRE INTÉRPRETES E

5.5.3 O código de ética neutralidade do intérprete:

Ser humilde, sem rancor, convencimento ou orgulho próprio. O intérprete precisa ser a voz do surdo e a voz do ouvinte. (...) O intérprete precisa interpretar em qualquer lugar, sem preconceito. Como: grupo de conscientização homossexual, repartições públicas, religiões diversas. O intérprete, respeitando cada religião,

131 deverá seguir a consciência e o coração. Mesmo que não seja de acordo. Deverá se manter em seu profissionalismo. Após chegar a casa sozinho, deverá explodir. (...) O intérprete sempre vestirá a camisa do intérprete: ser sempre sigiloso e modesto. (FENEIS, 2006 apud LACERDA, 2009, p. 29).

A citação indica o modo de compreensão remetido ao ILS, destaca uma visão equivocada quando prescreve o caráter e a índole do intérprete, algumas dessas questões estão presentes no código de ética e na própria lei 12.319/10.

A Lei discorre vagamente sobre o profissional, não permite identificar as responsabilidades do ILS para além da língua, tanto no código de ética quanto na legislação o intérprete precisa demonstrar benevolência e solidariedade. Em qualquer outra profissão destacam-se as responsabilidades do profissional, mas não lhes é solicitado legalmente ser solidário ou refletir as condições econômicas do contratante, é certo que existem órgãos responsáveis por serviços de assistência, mas não é necessário impor ao trabalhador que seja solidário mediante lei.

Art. 7º O intérprete deve exercer sua profissão com rigor técnico, zelando pelos valores éticos a ela inerentes, pelo respeito à pessoa humana e à cultura do surdo e, em especial:

I - pela honestidade e discrição, protegendo o direito de sigilo da informação recebida;

II - pela atuação livre de preconceito de origem, raça, credo religioso, idade, sexo ou orientação sexual ou gênero;

III - pela imparcialidade e fidelidade aos conteúdos que lhe couber traduzir; IV - pela postura e conduta adequadas aos ambientes que frequentar por causa do exercício profissional;

V - pela solidariedade e consciência de que o direito de expressão é um direito social, independentemente da condição social e econômica daqueles que dele necessitem;

VI - pelo conhecimento das especificidades da comunidade surda. (BRASIL, Lei 12.319/10, destaque nosso)

O intérprete como profissional deve conhecer as características surdas, sendo requisito básico para sua atuação manter postura e ética, bem como a máxima fidelidade ao conteúdo a interpretar. Todas as indicações contidas na lei são a regulamentação do próprio código de ética.

6- O intérprete deverá usar de discrição no caso de aceitar remuneração de serviços,

e ser voluntário onde fundos não estão disponíveis. (FENEIS, 1992)

A visão assistencialista e voluntária do ILS, ainda é muito presente na atividade profissional, mesmo como trabalhador lhe é solicitado que seja discreto ao aceitar

132 remuneração. Na educação, as competências do IE são citadas, mas não especificadas, gerando interpretações equivocadas sobre as atribuições do profissional:

Art. 6º São atribuições do tradutor e intérprete, no exercício de suas competências: I - efetuar comunicação entre surdos e ouvintes, surdos e surdos, surdos e surdo- cegos, surdo-cegos e ouvintes, por meio da Libras para a língua oral e vice-versa; II - interpretar, em Língua Brasileira de Sinais - Língua Portuguesa, as atividades didático-pedagógicas e culturais desenvolvidas nas instituições de ensino nos níveis fundamental, médio e superior, de forma a viabilizar o acesso aos conteúdos curriculares;

III - atuar nos processos seletivos para cursos na instituição de ensino e nos concursos públicos;

IV - atuar no apoio à acessibilidade aos serviços e às atividades- fim das instituições de ensino e repartições públicas; e

V - prestar seus serviços em depoimentos em juízo, em órgãos administrativos ou policiais. (BRASIL, Lei 12.319/10)

Nada relata sobre o tempo de atuação ou questões de contrato, vale citar que muitos dos artigos necessitam de especificação, não basta falar de formação, mas identificar critérios para a formação continuada, visto que o mesmo fará parte da área da educação; há necessidade de delegar responsabilidades também aos contratantes, para que o intérprete não passe a fazer parte da lista de funcionários e se acomode, pois a língua de sinais como qualquer língua tende a mudanças que precisam ser acompanhadas pelo profissional.

O código de ética elaborado data de 1992 e destaca o intérprete de modo geral, Quadros (2004, p.31), destaca o código de ética como um instrumento que orienta na atuação, sua existência justifica-se a partir do tipo de relação que o ILS estabelece com os envolvidos no contexto de interpretação e a essência da atividade deve ser “veracidade e fidelidade”.

Os surdos compreendem que há necessidade de haver um código de ética para o intérprete educacional, mais aproximado do espaço de atuação, adequado a realidade e possibilidades de sala de aula, de modo que possam também compreender as responsabilidades do profissional nesse ambiente.

Nisso concordam os IE, pois para tais o código levanta questões necessárias, mas há considerações a serem feitas quando se trata do ambiente educacional, é preciso levar ao debate, necessidade de rever e adaptar as necessidades do contexto educacional.

Segundo Lacerda e Poletti (2001), o ambiente educacional se constitui num espaço diferenciado que requer formação e suporte técnico nem sempre desenvolvidos apenas com a prática, envolve conhecimento sobre o processo ensino/aprendizagem, formação de conteúdos e construção de conhecimentos, além de formação linguística implicadas no trabalho de interpretação, então não se pode apenas falar de postura adequada e modos de comportar-se.

133 A própria Lei 12.319/10, parece apenas regulamentar de modo restritivo o que diz o código de ética, acrescentando breve apontamento quanto à área da educação e formação geral, no Artigo 6º destaca as competências do ILS, formação, tarefas básicas como efetuar comunicação, interpretar conteúdos curriculares, atuar em processos seletivos, apoio e acessibilidade, exercer a profissão com rigor técnico, ética e respeito às culturas e à pessoa do surdo.

Podemos observar que o código de ética transformou-se em lei, pois repete aspectos no Artigo 7º como honestidade, sigilo, que o profissional deve ser uma pessoa sem preconceito de nenhuma espécie, imparcial e fiel, manter postura adequada ao ambiente, ser solidário, conhecer as especificidades da comunidade surda. A solidariedade está presente em todo texto que envolve o ILS, como se o mesmo estivesse fadado ao assistencialismo, portanto visto como aquele que deve abrir mão do financeiro em prol da caridade, compreensão que contradiz o profissionalismo e que necessita ser superada.

Quando trata da neutralidade, tanto surdos quanto intérpretes discordam que no ambiente educacional se possa fazer uso dela na palavra e ação, falam da diferença existente entre eventos (seminários, palestras, conferências), visto que nesses espaços a neutralidade e imparcialidade são possíveis, no entanto a educação é lócus diferenciado.

Mas, como pode o intérprete regular sua neutralidade no momento em que interpreta? Como pode, sendo humano, tornar sua participação isenta de interferências pessoais? Questões como essas e outras não são novas para a interpretação de uma forma geral, mas ainda continuam a influenciar o pensamento e a prática das pessoas que, também, atuam na área da interpretação em língua de sinais, é o que estudiosos têm constatado. Essa realidade parece não estar sendo diferente, aqui no Brasil, sendo necessárias pesquisas que mostrem aquilo que realmente acontece, entre todos os participantes, durante uma interpretação (LEITE, 2005, p. 51).

Os surdos não concordam com a neutralidade, pois esperam algo mais dele nesse ambiente dinâmico que caracteriza a educação, nem intérpretes acreditam que seja possível no ambiente educacional, no entanto há preocupação em buscá-la em meio a atuação profissional. Para Strobel (2011):

(...) profissionalmente, a neutralidade não existe, pelo menos não na totalidade, isso porque o envolvimento com as duas culturas é importante; no geral, a cultura ouvinte envolve a fala e a audição, portanto, o intérprete precisa conviver com os surdos para aprender essa outra cultura, é um aprendizado e uma convivência intercultural, onde eu ofereço o que tenho, e recebo o que ele tem para me oferecer em termos culturais; (...) ele (o intérprete) não consegue sozinho, mas através da convivência, das trocas, da interação e participação, vai adquirindo conhecimento,

134 compreendendo o pensamento surdo (...) no começo, o intérprete vai fazendo adaptações, mas, à medida que ele conhece ambas as culturas, recebe a informação por meio de sua língua e sua cultura e transforma de acordo com o conhecimento que tem da cultura surda e da língua de sinais, por isso é muito importante envolver-se com o povo surdo, realizar pesquisas e conhecer melhor disso, para auxiliar no aprimoramento de outros intérpretes. (STROBEL, 2011)

Strobel destaca a importância de conhecer a cultura e envolver-se com o povo e comunidade surda para o melhor desenvolvimento do trabalho, visto que há momentos, em sala de aula, em que o intérprete se hibridiza com o professor e até mesmo com o aluno, é o IE quem precisa conhecer as características e quem faz uso da língua do aluno.

Ainda surgem as questões que remetem ao vestuário e uso de acessórios. O surdo tem característica visual, portanto, necessita que o intérprete faça uso de roupas neutras, evite acessórios, estampas chamativas por uma questão mais de característica surda do que ética, alegam que podem acostumar com estilos, cores, estampas e acessórios, mas requer um tempo maior, portanto, quanto menos o IE chama atenção para si, mais rápido o surdo poderá compreender o que ele sinaliza. Tais indicações já estavam contidas nos princípios éticos das apostilas Feneis (1988 e 1995).

Os surdos esperam que o IE possa buscar meios de explicar o conteúdo, detalhá-lo, visto que as modalidades linguísticas são diferentes, muitas das palavras na Língua Portuguesa não remetem ao mesmo sinal, se o intérprete sinalizar de modo literal, não produzirá sentido, por isso a neutralidade remete a um mito.

No espaço educacional o intérprete é um mediador, nas interações o profissional é defrontado por situações que não lhe permitem neutralidade efetiva, necessita se expor: “(...) uma mediação nunca é neutra” (E.2, 2011), E.3 descreve sua compreensão da neutralidade:

[...] é uma situação robótica, mecânica: ouvi, passei, ouvi, passei. Mas durante uma aula rola sentimentos, conflitos, tem muitos acontecimentos durante uma aula e a palavra neutralidade não cabe à pessoa do intérprete em sala de aula. Há diferenças entre intérprete de eventos, palestras, por exemplo, o intérprete é contratado para interpretar uma palestra de um professor psicólogo famoso; primeiro, ele não tem acesso à fala dele antecipadamente e ali será algo mecânico, ele não tem nenhum contato com o palestrante, fica ali em pé, se interpretando; diferente do professor com quem se discutir opinião, perguntar alguma coisa, porque dentro da sala de aula cria-se vínculo tanto com aluno quanto com o professor, esse código de ‘neutralidade’ para aplicar à educação, é muito complicado, precisa mudar a educação primeiro. (E.3, 2011)

Há diferença entre o trabalho na educação e nos eventos. Em sala há vínculos estabelecidos no cotidiano e para modificar, segundo E.3 (2011), para aplicar a neutralidade

135 na educação, é preciso mudar a educação primeiro. A educação por si não é ambiente neutro, mas é ativo. E.7 (2011), relata a neutralidade como subjetiva, destaca que nenhum discurso é neutro, pois cada intérprete faz a interpretação a seu modo.

Para T.25 (2011), quando o intérprete busca agir com total neutralidade, mostra-se orgulhoso, pouco confiável, não se preocupa com o surdo, apenas sinaliza. No entanto não há compreensão por parte do surdo, pois o IE preocupado em acompanhar o ritmo do professor, tende a não observar a expressão do surdo, não estabelece contato visual, esquece que o principal objetivo é que haja aprendizagem; “ele é um aprendiz e não mero transferente de língua deve interagir com os surdos” (T.25, 2011). Quadros (2004, p.79), ressalta que o ILS não é reprodutor de texto, mas permite que a comunicação aconteça entre pessoas que usam línguas diferentes, o intérprete intermedia a comunicação.

Para Quadros (2004, p.80), a fala é processo dinâmico e percepção do ILS como passivo e neutro é um problema; a perspectiva da interpretação é de uma atividade interativa e dinâmica.

Os surdos solicitam o apoio do IE, para que não percam informações, há um questionamento tanto dos surdos quanto dos intérpretes: Como ignorar dificuldades em momentos em que o professor não vai parar e por vezes é algo simples de esclarecer? “(...) Como você vai ignorar as dificuldades do surdo, ainda mais se o professor não vai parar naquele momento por algo que às vezes é simples, é só dizer “isso quer dizer... “Isso”? (E.5, 2011). Com a tentativa de manter-se neutro, surge o problema da qualidade, Leite (2005), pesquisou a respeito e cita:

(...) pessoas que têm desempenhado a função de intérprete de Libras, (...) de acordo com suas crenças, demonstram entender como sendo características próprias de sua função, ser: um elemento neutro na interação, invisível e imparcial quando interpreta; e que para ser fiel ao texto original, deve funcionar como máquina (transferir o produto de uma língua para outra), deve ser um mediador, facilitador e condutor da comunicação. (LEITE, 2005, p. 49)

Leite (2005), fala da impossibilidade do intérprete manter-se neutro, onde o problema concentra-se na qualidade da produção de sentidos no discurso, o significado é subjetivo, estando o intérprete em processo de constante negociação, e onde uma tradução literal levaria a constantes mal entendidos, contrariando a tentativa dos intérpretes em transmitir o sentido desejado, colocando-os, frequentemente, em situações difíceis e pressão constante.

136 Apenas quanto ao vestuário a neutralidade é de fato, essencial, como cita B.2 (2011): “neutro, apenas no modo de se vestir, profissionalismo em qualquer espaço”, C.24 (2011), reforça que o estilo do intérprete pode chamar tanto atenção para si, pois o surdo sendo visual, um vestuário adequado demonstra respeito às características do sujeito. “Na roupa é essencial a neutralidade, cores fortes chamam muita atenção, é preciso postura e ética, o surdo é visual e a responsabilidade do ILS é prezar pelas características do surdo” (T.25, 2011).

O ser humano não é neutro, o conhecimento não é neutro, mas carrega posicionamentos políticos e ideológicos, portanto, qualquer resposta exige domínio teórico.

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