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CAPITULO 5 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E ANÁLISE DOS

5.5 OS SENTIDOS E SIGNIFICADOS: CONTRAPONTOS ENTRE INTÉRPRETES E

5.5.2 O profissional e as competências no modo de observação dos surdos:

Ao questionar quem é o intérprete de modo geral, os ILS responderam que são mediadores, veículos de acessibilidade para a comunicação do surdo, maior parte dos profissionais não conhece a legislação que oficializa a profissão, ainda não há clareza das atribuições, aqueles que conhecem a lei 12319/10 que oficializa a profissão de intérprete destacam que há muito que acrescentar, visto que não especifica questões quanto ao intérprete educacional, principalmente ao que compete a ele no espaço de trabalho, como afirma L.38 “tento seguir atualizada nos aspectos relativos à profissão, mas ainda temos muito para regulamentar em termos práticos. Falta uma convenção coletiva de trabalho que defina todos os termos da atuação do intérprete” (E.7, 2011).

Maior parte das vezes, os profissionais são registrados em cargos administrativos, como intérpretes de Libras, mesmo sendo professores, realizam carga horária integral em sala de aula, ou seja, aproximadamente 20 h/a semanais, com excedente quando solicitados, sendo remunerados por trabalhos prestados.

126 A gestão e os professores não têm clareza das responsabilidades nesse espaço e muitas vezes são atribuídas ao profissional funções que não cabem a ele (QUADROS, 2004, LACERDA, 2009, LACERDA e POLETTI, 2011, LEITE, 2005, entre outros).

Os surdos descrevem a importância do intérprete no ambiente educacional, no entanto relatam a não dependência em relação à pessoa, descrevem que mesmo existindo a lei, essa deixa brechas, falhas, as quais refletem tanto na educação do surdo quanto no trabalho do intérprete. A necessidade de provar capacidade, manter uma postura aceitável frente aos desafios da inclusão, de serem seres perfeitos!

Na sociedade acredita-se que qualquer pessoa com conhecimento linguístico na Libras pode ser intérprete, por esse motivo, os relatos surdos destacam que há muitos alunos bolsistas no espaço universitário assumindo como profissionais intérpretes, por conhecerem a língua, com isso os surdos perdem qualidade nas informações, passam a desconfiar do processo de inclusão.

Os educandos surdos compreendem que o intérprete deve estar presente em todos os espaços frequentados por eles, destacam a importância do conhecimento básico da língua por todos os brasileiros para ao menos iniciar uma conversação e minimizar barreiras comunicativas e o uso com competência pelo intérprete enquanto profissional, como modo de derrubá-las efetivamente.

Observa-se que os surdos que tiveram experiências fora do país, destacam a importância de formação e certificação por área de atuação nos diferentes espaços: médico, educacional, jurídico e outros; tais experiências não são realidade no espaço brasileiro que recentemente deu início a formalização e profissionalização do ILS.

L.(2011) ressalta que se percebe a ineficiência do intérprete no contexto educacional, quando esse profissional realiza seu trabalho omitindo, simplificando ou restringindo informações, L., interrompe-o e questiona-o, no entanto questiona também a passividade dos surdos frente às limitações do profissional, visto que a manifestação do surdo é uma das maneiras de garantir que a língua de sinais não perca seu valor de uso.

Para B.31(2011), o ideal é que o intérprete esteja envolvido com outros ILS, que tenha formação prática e ética, compara com a realidade de outros países, fala da formação voltada para os diversos espaços de discussão e que tenha um intérprete de apoio para auxiliá–lo:

B.31: O intérprete, de modo geral, deve estar envolvido com grupos de intérpretes para discutir questões da profissão, formação prática, ética e postura profissional. Deveria ter vários níveis de formação e certificação para o intérprete, de acordo com sua experiência e formação profissional, por exemplo: o intérprete com certificação para atuar na área clínica ou hospitalar, o intérprete certificado para atuar na justiça, a

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formação para os diversos contextos sociais, e não um único certificado como temos, não é o ideal. Deveriam ter formação e certificação para atividades distintas e específicas. Nos Estados Unidos há esse modelo e os intérpretes têm formação diversificada e específica, hospitalar, jurídica, você sabe onde encontrar um intérprete especializado para aquela atividade, ele é conhecedor do que irá interpretar. Também há necessidade do intérprete de apoio, que deve auxiliar na interpretação quando falta vocabulário ou o intérprete se perde, precisa ter o apoio junto a ele.

Segundo Souza (2007), o intérprete é também um educador, pois viabiliza o acesso do surdo ao conhecimento na escola, mas aponta que 95% dos intérpretes em exercício não possuem formação minimamente necessária para serem considerados profissionais, conforme B.31 (2011): “Os interesses do intérprete devem ser próximos aos do aluno surdo, deve haver parceria”.

Para Santos (2006, p. 35 – 36), o ILS transita intimamente entre os dois espaços, entre surdos e ouvintes, uma e outra cultura e línguas, ressalta que o trabalho no espaço universitário deve contar com mais de um profissional, pois há uma tensão cognitiva e muscular o qual gera cansaço e dificulta o processamento das informações tanto na língua de partida (português) quanto na língua de chegada (língua de sinais).

Conforme B2 (2011), o intérprete deve ser profundo conhecedor das características e identidade surda, no entanto deixa claro que compreende que cada ILS tem um modo único de interpretar e agir e é necessário que surdo e intérprete se identifiquem para que o trabalho se efetive:

Pergunta da pesquisadora: Quem é o intérprete?

B2.: [...] é um conhecedor da cultura e identidade surda, profundo conhecedor do mundo surdo, emoções sentimentos, características, a própria consciência, pois no meio surdo não há um modo único de ser surdo [...] Há diversos grupos surdos e diferentes modos de pensar e agir. O intérprete precisa se identificar com o surdo e o surdo percebê-lo e se identificar com ele também, por exemplo, há intérpretes sinalizadores rápidos, fluentes e alguns surdos o compreendem bem, outros intérpretes são detalhistas, explicam quando o surdo não conhece algumas palavras, outros falam e sinalizam ao mesmo tempo, são diferentes, o que precisamos compreender que não se trará de um modo único, mas dentro de cada intérprete há “uma pessoa”.

B2 (2011) destaca a importância da formação do intérprete para diferentes espaços, e sugere que cada disciplina na faculdade deveria ter profissionais de área que compreenda termos, a complexidade de conteúdos clínicos, por exemplo, adaptações que facilitariam o trabalho do ILS e a aprendizagem dos surdos, embora os intérpretes não considerem importante formação na área. Para B2, o ILS dá credibilidade à educação, escrita e leitura dos surdos, porque ele pode ‘ouvir’ esta língua e pode ser ouvido pelo surdo, justifica que na

128 realidade acadêmica, o surdo e o intérprete aprendem juntos, já que intérpretes nem sempre atuam na sua área de formação.

C.24 (2011) ressalta que o intérprete precisa ter um comportamento adequado, usando a língua de sinais não simplificada, mas de modo que o surdo também se desenvolva na língua de sinais e precisa demonstrar um comportamento ético; se o intérprete se limitar a frases simples, os surdos também perdem informações.

D. (2011), destaca um outro perfil profissional que marcou sua história escolar:

D.: [...] O intérprete queria me passar “cola” nas avaliações, então eu lhe disse: “Não! Eu não preciso disso.” Solicitei que trocassem de intérprete, foi quando veio outro com uma postura ética, profissional, firme, foi um alívio para mim, era o que precisava. O intérprete precisa ouvir o professor e depois interpretar para o surdo com ética, mas o professor é o profissional responsável é preciso separar bem as responsabilidades.

D. traz uma importante discussão, o intérprete enquanto assistencialista e superprotetor, apresenta compreensão de que o surdo não tem potencial para a aprendizagem, o percebe como um deficiente, um coitado, o que pode se transformar em um problema, pois não se identifica com a função a exercer. Strobel (2011) destaca:

(...) até hoje há intérpretes que têm pena, querem ajudar os surdos (...) há os que querem ajudar no momento do vestibular, de provas (...) demonstram uma penalização muito grande, pensam que estão ajudando, no entanto, há um grande prejuízo para ambos, isto porque os surdos ficam acomodados, mal acostumados, não querendo fazer o que é de sua responsabilidade, acabam por assumir uma postura que os torna realmente deficientes e sem haver necessidade disso. (STROBEL, 2011)

Quando o IE não assume uma postura de profissional, de educador, acaba por privar o surdo da aprendizagem, pois o mesmo fica limitado, acomodado e dependente e o IE levará sobre si as responsabilidades e os insucessos do educando.

Se o surdo não sabe, ou não compreendeu o conteúdo, é um trabalho em conjunto, entre a gestão, a equipe pedagógica, o educando, o professor e o intérprete. O IE é o terceiro elemento na sala de aula, ele não é professor como afirma L.33, não pode se cobrar pelos fracassos do surdo, mas pode discutir no ambiente escolar as adaptações necessárias para o ensino, visto que deve ser conhecedor das características dos surdos.

129 D. (2011), não considera a educação um espaço para atuação do ILS, pois compreende que a educação inclusiva deva garantir um professor responsável para ensinar e comunicar-se com seu aluno, os surdos segundo consta no Capítulo VI do Decreto 5626/05 (BRASIL, 2005), têm direito a uma educação bilíngue.

E. 54 (2011) ressalta que o intérprete tem que ser responsável, ter consciência de quem ele é enquanto profissional, diferenciar ambiente de trabalho e ambiente pessoal, respeitar o surdo e ser respeitado por ele. E. 54 fala da importância do profissional ter clareza de suas atribuições, pois percebe que falta respeito mútuo e formação profissional que garanta o respeito ao ILS:

E. 54: [...] faz um cursinho mínimo, básico e já vai ser intérprete? Não! Eu quero um profissional intérprete, que saiba que o surdo precisa muito dele para comunicação na sociedade. Se tiver intérprete em todos os lugares na sociedade, será muito melhor. [...] a sociedade é inclusiva, se ela é inclusiva, o que isso significa? Tem cegos, deficientes intelectuais, deficientes físicos e não tem surdos? Sim. E é necessário que a inclusão também alcance os surdos. É muito importante que a sociedade conheça cada sujeito e suas características e direitos a inclusão.

Para E. 54, a presença do ILS deve superar o que hoje é ofertado, cursos de curta duração, e exames de proficiência. No ensino superior, os intérpretes se sentem desafiados pela densidade dos conteúdos apresentados e intimidados, pois mesmo sem condições para atuar são confrontados. Se mantém a ideia de que mesmo sem as habilidades necessárias é preciso atuar para que os surdos tenham acesso às informações; no entanto os surdos vêm divulgando a inversão dessa ideia, afirmando que querem e reivindicam por ILS qualificados, como destaca Santos (2006, p. 84 – 85), a formação profissional para atuação dos ILS é fundamental, pois implica nas representações que esses terão a respeito da surdez, das línguas envolvidas, das culturas e do próprio contexto de tradução e interpretação.

Retomando as palavras de L. (2011), no ILS há muitas falhas, nem sempre é profissional, conhecedor da língua, mas vai se desenvolvendo no e para o trabalho, entra na profissão pelo contato com a comunidade surda, preocupado e alegando amor ao surdo, “Mas só isso não basta. É preciso compreender algumas coisas, ter certos cuidados, por exemplo, o espaço a ocupar para a interpretação” (L. 2011).

Embora parte dos surdos aceite passivamente o modelo de profissional que vem adentrando os espaços educacionais e desconhecendo a formação do intérprete que presta serviço a eles, é importante destacar que a profissionalização e a aprovação das leis que envolvem a surdez estão fortemente atreladas aos surdos politizados (portanto não passivos),

130 por meio da Feneis e a força política dos surdos enquanto sujeitos usuários da língua de sinais.

As instituições cumprem a lei, mas assim como o Estado, eximem-se da responsabilidade de subsidiar a formação e o trabalho do intérprete, Quadros (2004b), destaca que o poder público cria estratégias para inserção do intérprete, mas não dá conta da formação, as iniciativas são tímidas diante da demanda, importa também refletir que os surdos não são convidados a pensar o ILS profissional, mas a aceitar o modelo que lhes é oferecido.

[...] Esses profissionais necessitaram negociar espaços, posições, diferenças culturais e linguísticas que permeiam as relações entre ouvintes e surdos. [...] Aprendem na prática como se tornar ILS, como negociar a presença nos espaços surdos, como se portar como profissional, como pensar o ofício desse profissional sem acesso à formação adequada para realizar essa tarefa. Ser ILS significa passar por processos de redefinição das identidades, significa perturbar, deslocar as concepções que estão centradas, fixas e não permanentes. (SANTOS, 2006, p. 100 - 102)

No ambiente educacional os ILS precisam desenvolver-se por meio de formação continuada, segundo os entrevistados intérpretes, os cursos de formação quando são organizados não consideram as necessidades dos ILS, mas são pensados de acordo com os interesses políticos em garantir demandas e cumprir as leis. E quando oferecidos, são desenvolvidos por eles mesmos, não trazem novidades, acabam por repetir práticas anteriores.

Segundo Martins (2011), o intérprete emerge nas tensões de uma inclusão posta que não atende às especificidades dos surdos, por isso há um imaginário, um ideal de IE o qual na sala de aula “há um modo de atuar muitas vezes não compartilhado em que o profissional é convocado a produzir ensino, ele é chamado para esse espaço como instrumento de comunicação, mas subverte a ação ao potencializar uma relação ativa com o aluno surdo, na relação de ensino – aprendizagem” (MARTINS, 2011, p.7 - 8).

Para discutir essa questão do intérprete como terceiro elemento, vale levar ao debate o código de ética e a neutralidade do IE.

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