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U M M UNDO F ECHADO E D ISCIPLINADOR

2.1. O C ORPO D IRIGENTE

O “laço federativo”, que unia as Províncias e o Império, estava organizado em torno da nomeação dos Presidentes de Província. Distribuíam-se os poderes em duas ordens de atividades: o poder Legislativo, a cargo da Assembléia com a sanção dos presidentes; o poder Executivo, constituído pelo Presidente e as repartições que lhe eram subordinadas: a Secretaria do Governo, os órgãos e serviços de arrecadação, da instrução, de obras públicas e a polícia, não havendo poder Judiciário.

Interessa, para o presente trabalho, verificar como dentro dessa estrutura se organizavam as Províncias, como era “jogado” o jogo político. Quem

de fato detinha o poder? Quem nomeava quem? Quem eram os funcionários públicos vinculados à instrução pública?

Como primeira autoridade da Província, competia ao Presidente sancionar ou vetar as leis provinciais. Os Presidentes de Província são, pois, agentes subalternos do Imperador na hierarquia administrativa e obram debaixo das ordens dos ministros. A sanção se dava pela fórmula: “sanciono, e publique- se como lei”. Caso aprovada pela Assembléia, a fórmula de promulgação da lei era: “Fulano de tal”... Presidente da Província de... Faço saber a todos os seus habitantes que a Assembléia Legislativa Provincial decretou e eu sancionei a lei ou resolução seguinte [o texto da lei]. Mando, portanto, a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida lei ou resolução pertencer, que a cumpram e façam cumprir tão inteiramente como nela se contém. O secretário desta Província a faça imprimir, publicar e correr.

Esses trâmites eram rotineiros e faziam parte da burocracia administrativa. Quando da aprovação do Regulamento do Ateneu Rio-Grandense e da Escola Normal, tal prática também ocorria:

O Presidente da Província, de acordo com o disposto nos artigos 10 e 11 da lei n. 777 de maio passado, aprova os Regulamentos que lhe foram apresentados pelo Conselho Diretor da Instrução. [...]. Estes regulamentos serão desde já postos em execução, em quanto a Assembléia Legislativa Provincial, a cujo conhecimento vão ser submetidos na sua próxima reunião, os não modificar, como entender em sua sabedoria. Palácio do Governo em Porto Alegre, 19 de fevereiro de 1872, Jerônimo Martiniano Figueira de Mello.

Por sua vez, cabia às Assembléias Provinciais o poder de legislar dentro dos limites traçados pelo Ato Adicional. Assim, entre outras atribuições, podiam legislar sobre a divisão civil, judiciária e eclesiástica da Província; sobre finanças, polícia e economia dos municípios, mediante iniciativa destes; criação e supressão dos empregos provinciais e municipais, não atingindo o dispositivo os empregos locais criados por lei geral, nem os de Presidentes de Província; sobre instrução pública elementar, etc.

Para auxiliar nessa tarefa, existiam os órgãos administrativos. Tinha a secretaria do governo; a inspetoria geral da instrução pública, com as escolas

subordinadas; a força pública; a tesouraria provincial e as coletorias. Era a secretaria do governo o cerne da administração, dirigida pelo secretário do governo, dividia-se em duas diretorias: a primeira, ficaram ligados os negócios da administração geral; a segunda, negócios propriamente provinciais, que se compunha de duas seções. Na primeira delas cuidava-se de instrução pública, ofícios de justiça; a segunda seção cuidava de fazenda provincial, câmaras municipais, colonização, cadeia e prisões, loterias, estabelecimentos pios e beneficências, confrarias e seminários (TORRES, 1957, p.408).

A instrução pública ficava a cargo de uma Inspetoria Geral, de inspetores de comarcas e de escolas de vários tipos e graus. Era se observarmos os diversos relatórios, a grande rubrica do orçamento.

Inicialmente cabia às Câmaras Municipais o papel de exercer o controle e inspeção das escolas. Conforme rezava o artigo 70, da Carta de Lei do 1º de outubro de 1828: “Terão inspeção sobre as Escolas de primeiras letras, e educação [...]”53. Por diversas razões, e muitas vezes por questões financeiras, nem sempre as câmaras municipais estavam aptas a desempenhar esse papel. O Presidente da Província, Fernandes Braga, ao tratar da instrução pública, alertava: “[...] a maioria dos professores, ou por ineptos ou por omissos, não cumprem, como devem, as suas obrigações, e as Câmaras, as quais toca velar sobre a assuidade e comportamentos dos mestres, tem quase todas em abandono este importante parte de seus deveres” (RPP, 1835, apud ROCHE, 1961, p.109).

O Regulamento de 1º de junho de 185754, que reformava o Ensino Primário e Secundário, em linhas gerais estabelecia: criação de dois graus no ensino primário, habilitação dos professores e seus vencimentos; criação da classe de adjuntos; inspeção das escolas públicas e particulares; regras para o exercício da liberdade de ensino particular e instituição de um internato para a instrução secundária no Liceu D. Afonso (RPP de 11.10.1857, p.16).

Quanto às questões relativas ao controle e disciplina dos estabelecimentos primários e secundários, o Regulamento de 1857, nas suas diretrizes gerais, seguia o que propugnava o Regulamento de 1854, conhecido

53

Regimento das Câmaras Municipais das cidades e villas do Império do Brasil. Rio de Janeiro: Typ. de Lessa e Pereira, 1830, p.36.

54 Regulamento da Instrução Primária e Secundária da Província de S. Pedro do Rio Grande do

como Reforma Couto Ferraz. De acordo com o artigo 1º do Regulamento de 1854: “A inspeção dos estabelecimentos públicos e particulares de instrução primária e secundária do município da Corte será exercida pelo Ministro e Secretário do Estado dos Negócios do Império; por um Inspetor Geral; por um Conselho Diretor; por Delegados de distrito”.

Por sua vez, o Regulamento de 1857, relativo à Província de São Pedro, nas suas linhas gerais, copiava quase ipsis litteris a Lei Geral de 1854. O artigo 155 determinava: “a inspeção dos estabelecimentos públicos e particulares de instrução primária e secundária da Província será exercida: pelo Presidente da Província, por um Inspetor Geral; por um Conselho Diretor; por Delegados de Paróquia”.

Essa reforma criou o cargo de Inspetor Geral e um Conselho Diretor, além de nomear um Inspetor Delegado em cada paróquia. O Inspetor Geral da Instrução Pública seria nomeado pelo Presidente da Província, tendo como responsabilidade a inspeção de todas as escolas, primárias e secundárias, tanto públicas como particulares. O Conselho Diretor por sua vez, constituído pelo Inspetor Geral, pelo Diretor do Liceu e por dois professores públicos e um particular, funcionaria como órgão consultivo.

Não sendo possível que subsista o sistema de inspeção em vigor, pois que a experiência o tem condenado por ineficaz; cria-se um Inspetor geral, e altera-se o sistema atual de Inspetores parciais, criando-se um em cada paróquia; ampliando-se e definindo-se melhor as atribuições daqueles e destes. Isto além da instituição de um Conselho Diretor, cujas funções são todas garantidoras da moralidade e progresso do ensino. Seria o maior dos contra- sensos confiar dos caprichos da indústria a nobre tarefa de dirigir o espírito e formar o coração da mocidade. Não proscrevendo pois as escolas particulares, poem-se-lhe condições para seu estabelecimento, e dão-se preceitos que nelas se devem religiosamente guardar. (RPP de 11.10.1857, p.17).

Temos ainda uma reformulação com algumas alterações feitas pelo Regulamento de 24 de janeiro de 185955, que em seu capítulo V, artigo 89 e incisos, estabelece as atribuições do Inspetor Geral da Instrução Pública.

55 Regulamento de 24 de janeiro de 1859. In: Coleção dos Atos, Regulamentos e Instruções

expedidos pela Presidência da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul em 1859. Tomo XV. Porto Alegre: Typ. do Correio do Sul, 1860.

Finalmente dentro do período analisado por este trabalho, em 1873, a Inspeção Geral da Instrução Pública, estrutura-se em três instâncias: um Diretor Geral; um Conselho de Instrução, constituído por seis membros; e os Delegados Paroquiais56.

Toda essa estrutura burocrática e de controle vigorou durante o Império, desde as Falas do Trono, dos Relatórios do Ministro da Justiça, perpassando pelos Relatórios dos Presidentes de Província, bem com os Relatórios da Instrução Pública. Em diferentes graus da esfera pública, todos são unânimes em ressaltar a importância do papel da educação, o Presidente da Província Joaquim Antão Fernandes Leão manifestava a sua preocupação:

A escola, como base de uma sociedade convenientemente organizada, é a primeira responsável pela sorte de um país. Sem bons instituidores, não há instrução possível. Em quanto o empirismo dominar a escola, a instrução e educação de um povo será um belo sonho e uma triste realidade. (RPP de 1859, p.23). No Relatório de José Fernandes da Costa Pereira Júnior, ao passar a administração, deixa estampada está afirmação:

Instruir o povo, iluminá-lo para que se de a prática inteligente das virtudes que nobilitam o indivíduo e o cidadão, promovendo ao mesmo tempo o seu bem-estar e a grandeza e prosperidade do Estado, é cuidado a que se não tem eximido, quer os legisladores, quer os Presidentes desta Província. (RPP de 1872, p.11).

Ou ainda a manifestação carregada de preocupação de João Pedro Carvalho de Moraes ao assumir a Presidência:

Ninguém também desconhece as vantagens da instrução pública, nem a sua benéfica influência, mas a harmonia de vistas e acordo entre as idéias desaparecem logo que se entra no domínio dos fatos e se trata de realizar qualquer sistema de educação. (FALA de 1873, p.9).

Acompanhando os debates travados na Assembléia Provincial, podemos verificar que um dos problemas mais agudos estava centrado na instrução pública.

56 Cabe este serviço (à inspeção do ensino), a um diretor geral, a um conselho composto de 6

membros, de entre os quais é designado aquele funcionário e delegados de paróquias ou distritos nomeados pelo inspetor geral da instrução pública (RPP, 11.07.1872, p.18; RIP,1873).

Além das questões discutidas como ser a instrução considerada vital para reformar a sociedade, afloravam também o papel da educação como capaz de superar o nosso atraso, bem como contribuir com o progresso da Província. Percebiam os parlamentares que muito ainda tinha que ser feito para superarmos nossas mazelas, uma delas era a falta de professores. Como boa parte do ensino, estava na mão de ordens religiosas, muitos se preocupavam com essa influência no espírito dos jovens. Nos diversos debates travados na Assembléia nota-se um forte tom de anti-clericalismo, normal num contexto histórico onde as idéias laicas preponderavam. A defesa de uma instrução desvinculada do poder religioso, ligava-se ao principio do liberalismo que pregava a separação entre Igreja e Estado.

Durante a existência do Liceu D. Afonso e do Ateneu Rio-Grandense, tivemos como representantes da instrução pública na Província de São Pedro os seguintes funcionários (Quadro 5). No período compreendido por este estudo, inicialmente tinham a denominação de Inspetores Gerais da Instrução, à partir de 1877, a denominação passa a ser Diretor Geral da Instrução Pública.

A figura do Inspetor aparece quando da aprovação do Regulamento de 1º de junho de 1857, a nomeação dos mesmos cabia ao Presidente da Província, sob proposta do Diretor. Deveriam ser pessoas de “bons costumes”, maiores de 18 anos, professarem a religião do Estado, ter conhecimento pelo menos da língua nacional, latina e francesa, e seu número seria proporcional ao número de salas de aula existente com 30 alunos. Tinham a competência para inspecionar “constantemente” não apenas as aulas, mas a entrada, saída, as salas de estudo, o recreio, refeitórios. Deviam manter a ordem e harmonia entre os alunos. Além de organizar um relatório diário e semanal sobre o comportamento e aplicação dos alunos, o qual era enviado ao Diretor. Pelo Regulamento de 1872, além dessas obrigações, deveriam “lecionar ou substituir os professores no caso de ausência”.

No entendimento das autoridades, como os serviços de inspeção não funcionavam a contento (esse serviço anteriormente cabia as Câmaras), a reforma de 185757, criou o cargo de Inspetor Geral, cuja função primordial (com a ajuda dos demais inspetores), era a fiscalização e inspeção de todas as escolas primárias e secundárias, tanto públicas como particulares. Na opinião do Inspetor

57 O Regulamento de 1857 em grande parte baseou-se na Reforma Couto Ferraz, Decreto n° 1331ª

Geral, Luiz da Silva Flores, somente com o Regulamento de 1857, a Província ganha uma organicidade, “posto que antes de 1856, alguns ensaios de reforma se tentassem, a verdadeira organização da instrução primária e secundária data do Regulamento de 1º de junho de 1857” (RIGIP, anexo ao RPP de 1859, p.1).

Quadro 5