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U M M UNDO F ECHADO E D ISCIPLINADOR

REPROVADOS NÃO FIZERAM EXAMES

2.3. O C ORPO D ISCENTE

De 1851, quando efetivamente começa a funcionar, até 1873, quando fecha as portas, diversos foram os alunos que tiveram a sua formação propiciada pelo Liceu Dom Afonso e posteriormente pelo seu sucessor o Ateneu Rio- Grandense. Esse período de tempo em que esteve aberto, ou seja, vinte e dois anos, um número razoável de meninos freqüentou os bancos escolares desse educandário. Tratando-se de uma instituição que funcionou no século XIX, e não restando mais o “arquivo morto”, as dificuldades de arrolar os dados relativos à totalidade, assim como ao perfil sócio-econômico dos seus alunos foram enormes. Frente à impossibilidade de “encontrar” registros de chamadas, ou documentos similares, partimos para a análise das fontes possíveis. Desse modo, o manuseio dos Relatórios dos Presidentes de Província, dos Inspetores da Instrução Pública e dos Diretores do Liceu, foram essenciais para construirmos uma idéia aproximada daquilo que buscávamos, isto é, qual o número de alunos e quem eram. Os dados fornecidos referem-se apenas ao contingente e ano da matrícula. Em apenas dois

relatórios, do Inspetor da Instrução Pública (1852) e do Diretor do Liceu (1853), constam o nome dos alunos, ainda assim, somente daqueles aprovados nas disciplinas. As crônicas de Aquiles Porto Alegre forneceram dados complementares sobre o contexto da época e nome de alguns alunos.

Embora possa aparentar não ser uma amostragem tão significativa, para a nossa análise do perfil sócio-econômico do corpo discente, ela é relevante no sentido de esclarecer de que meio social vieram esses alunos. Num quadro comparativo entre os alunos do Liceu e do Colégio Gomes, não apenas a disparidade de matrículas é gritante108, como também os números daqueles que ocuparam cargos dirigentes na sociedade é saliente. Por exemplo, formados pelo Colégio Gomes tivemos, entre outros: Júlio de Castilhos (Bacharel em Direito, Deputado, Líder Republicano, Presidente do Rio Grande do Sul), Graciano Alves de Azambuja (Bacharel em Direito, Inspetor da Instrução Pública, Organizador do Anuário do Rio Grande do Sul), Marechal Bibiano Sérgio de Macedo Costallat, General Olavo Ottoni Barreto Viana, Almirante Alexandrino de Alencar, Alcides Lima (Bacharel em Direito, Deputado, Juiz Municipal, Promotor Público, Jornalista), João Daudt (Farmacêutico, Professor, Industrialista), Assis Brasil (Deputado, Embaixador, Líder Político, Escritor), Protásio Alves ((Médico, Professor, Vice-Presidente do Rio Grande do Sul), Barros Cassal (Bacharel em Direito, Vice-Presidente do Rio Grande do Sul, Redator do jornal “A Federação”), Ulisses Cabral (Oficial do Exército, Professor no Rio de Janeiro, Vice-Diretor do Colégio Meneses Vieira, Diretor do Ateneu Brasileiro), Homero Batista, Dioclecio Pereira da Silva (Médico), Ataliba Valle (Engenheiro), Carlos Maximiliano (Ministro do Supremo Tribunal Federal), Ernesto de Oliveira Alves (Bacharel em Direito, Deputado, Diretor do jornal “A Federação”, Diretor da Instrução Pública) (MARTINS, 1978; AQUILES PORTO ALEGRE, 1917, 1920; TEIXEIRA, 1920).

Grande parte desses antigos alunos do Colégio Gomes, posteriormente, serão membros influentes da classe dirigente do Rio Grande do Sul, diversos deles ocupando os cargos mais altos, inclusive a Presidência do Estado. Ao contrário, poucos alunos do Liceu alcançaram tal notoriedade, e quando assim foi esse reconhecimento deu-se mais em outras áreas, tais como: do saber, do ensino, e não nos cargos políticos e/ou dirigentes. Entre eles

salientaram-se: Antônio de Azevedo Lima, caixeiro do comércio e depois negociante em Porto Alegre. Integrante da Junta Municipal publicou o excelente “Almanaque Administrativo, Comercial e Industrial Rio-Grandense”, com edição em 1873 e 1874. Além dessa obra, escreveu ainda a “Sinopse Geográfica, Histórica e Estatística do Município de Porto Alegre” (1890), e em parceria com Vasconcelos Ferreira editou uma “Seleta Nacional” (1869) (MARTINS, 1978, p.313).

Outro aluno do Liceu que alcançou certa notoriedade foi Procópio Barreto Meireles. Nasceu em Porto Alegre em 1848, cadete no 33° batalhão de voluntários, serviu na Guerra do Paraguai, atingindo o cargo de Alferes. Por meio de diversas promoções chegou a Coronel (REIS, 1905, p.27). Temos também, Tomé Gonçalves Ferreira Mendes, natural de Porto Alegre, nasceu em 1844(?). “Era inteligente e dado à leitura dos clássicos portugueses”. Cursou os preparatórios no Liceu Dom Afonso, ainda no prédio “que funcionava à Rua do General Câmara”. Posteriormente cursou a Escola Normal, concluindo esta, “foi nomeado para reger uma cadeira da roça, se não me falha a memória, para as bandas da Feitoria Velha”. Colaborador do “Almanaque Luso-Brasileiro”109, escrevia “em revistas literárias e em outras publicações” (AQUILES PORTO ALEGRE, 1920, p.111).

Poderíamos ainda acrescentar, Afonso Luiz Marques, que de acordo com Aquiles Porto Alegre, “vivia agarrado aos livros”. Depois de cursar o Liceu Dom Afonso, continuou estudando sob a supervisão do Padre Santa Bárbara. Após adquirir uma boa formação, começa a ensinar “português, francês, história e geografia”. Aprovado em concurso para a Escola Normal, assume a cadeira de história e geografia (AQUILES PORTO ALEGRE, 1922, p.160).

109 Segundo Aquiles Porto Alegre (1923b, p.45), nesse “Almanaque”, seguidamente Tomé

Gonçalves Ferreira Mendes, assinava os textos com o pseudônimo “João de Barro”.

Figura 28: Procópio Barreto Meireles

De acordo com Aquiles Porto Alegre (1921, p.194), outro aluno foi Candido Malater, filho do engenheiro hidráulico francês Adriano Malater, nasceu na Vila de S. Jerônimo a 6 de janeiro de 1849. Com 18 anos vindo para Porto Alegre, fez-se aprendiz de tipógrafo, matriculando-se ao mesmo tempo no Liceu Dom Afonso, o qual cursou durante dois anos. Trabalhou no jornal “Rio- Grandense” de propriedade e direção de Eudoro Berlinck. Colaborou no “Jornal do Comércio” e no “Petit-Jornal”, com o pseudônimo de Juca Malcriado. Esses dados nos apontam que os alunos que freqüentavam o Liceu, não eram filhos da elite Sul-Rio-Grandense, ao contrário, estavam vinculados a uma classe médio- baixa, em geral filhos de pequenos comerciantes ou funcionários públicos.

O domínio do ensino particular em relação ao ensino público, no que tange ao secundário, era uma realidade de todo o país. Excetuando o Colégio Dom Pedro II, era inconteste a procura por parte dos alunos dos grandes educandários particulares. Mesmo alguns Colégios, reconhecidos como de alto nível, caso do Colégio Abílio, do Caraça e do Colégio Aquino, e com um número representativo de alunos, sofriam os efeitos de uma dura disputa, onde uma grande maioria buscava de forma rápida e ligeira ingressar nos cursos superiores, não querendo muitas vezes cursar um ensino secundário de seis ou mais anos. Desse modo, muitos acabavam procurando os Colégios que ministravam apenas as disciplinas exigidas para os preparatórios.

Em 1851, Justiniano José da Rocha, elabora um minucioso relatório onde analisa a situação do ensino secundário público e particular na cidade do Rio de Janeiro. Entre outras questões, aponta que os estabelecimentos particulares “multiplicam-se por quase todas as ruas”; a maior parte limita-se a ministrar as disciplinas exigidas para os preparatórios (MOACYR, 1936, p.315). Mas a grande questão percebida por Justiniano, é que a maior parte dos pais quer “que seus filhos estudem, não para ficarem sabendo, mas para entrarem nos Cursos de Direito, nas Escolas de Medicina, nas Academias Militares, de Marinha, ou de Comércio. Saber, para que? Basta que sejam aprovados” (MOACYR, 1936, p.310).

No Rio Grande do Sul, eram constantes os debates na Assembléia Legislativa, sobre o papel desempenhado pela instrução secundária, e em que medida onerava os cofres públicos. No capítulo sobre Porto Alegre no século XIX, vimos a situação crítica que se encontrava o Liceu, sendo uma das causas

apontadas por diversos Deputados a impossibilidade de se aproveitarem as disciplinas ministradas, o que obrigava os alunos fazerem os preparatórios. Quanto ao perfil do aluno que freqüenta o Liceu, o comentário do Deputado Cândido Gomes, vem corroborar a nossa afirmativa de que era uma classe médio-baixa que efetivamente matriculava-se no Liceu.

De fato, Srs., não são as famílias abastadas que procuram para seus filhos as aulas públicas [refere-se ao Liceu] com preferência às particulares: com razão, ou sem ela, a opinião de que nas aulas particulares, os estudos são mais metódicos, os professores mais assíduos, enfim há mais aproveitamento. Assim, pois, quando um pai pode pagar a educação de seu filho, nunca o manda para uma aula pública. São as famílias menos abastadas, é a pobreza mesmo, que aí envia seus filhos. Mas, qual é o resultado que tira um jovem da freqüência de nossas aulas? De que pode servir nas carreiras industriais, ou semelhantes, que são as únicas abertas à juventude pobre, o estudo do Latim, do Francês e Inglês. Estas e as mais que são preparatórias para os cursos superiores, que são degraus para as mais elevadas carreiras sociais, às vezes, apenas de embaraço lhes servem, por que abrem a inteligência à aspirações que depois não se podem realizar. (SESSÃO DE 10.11.1858. In: PICCOLO. 1º Vol. 1998, p.341).

Na perspectiva dessa afirmação, o depoimento de Aquiles Porto Alegre (1923a, p.31), ainda mais fortalece essa idéia. Ao comentar aspectos da vida cotidiana de Porto Alegre, nas últimas décadas do século XIX, emite informações que esclarecem o meio social desses alunos. Quando comenta sobre Antônio Ferreira Neves, ficamos sabendo que seu pai “era comerciante na Doca”, “tinha um armazém de secos e molhados”, e concluí “não era homem de fortuna, mas vivia folgado”. Ou ainda quando fala de Afonso Marques: “Bem criança, viu-se privado dos carinhos paternos. Sua mãe, apesar de pobre, fez tudo quanto estava nas suas forças pela educação de seu único e querido filho” (1916, p.53). Ao descrever o Liceu D. Afonso, Aquiles Porto Alegre (1923, p.127-128), com uma memória voltada para fatos “simples”, narra que quando escurecia a velha Salomé, dona de uma padaria: “sentava-se a porta da rua, na sua banquinha, para descansar e tomar fresco, como era costume naqueles tempos, em que isto tinha ainda uns ares de roça”. Essa Salomé adotara o menino Eduardo Salomé, que freqüentou o Liceu.

Entre os alunos do Liceu, conseguimos localizar os seguintes que em algum momento freqüentaram esse estabelecimento. Arrolamos na tabela abaixo,[Quadro 14], o nome dos alunos em ordem alfabética, indicando quando possível o ano em que freqüentou o Liceu. Assinalamos os anos [Quadro 15] em que foi possível coletar dados. Infelizmente não temos para os anos de 1864 e 1871. Diversas vezes nos deparamos com dados divergentes, em geral, de pouca monta, nesses casos, optamos pela fonte considerada mais fidedigna110. O quadro permite perceber em quais disciplinas havia maior incidência, ou seja, quais disciplinas preferencialmente os alunos cursavam. Num rápido olhar, nota- se que, latim, francês, história, geografia, inglês e geometria, preponderam. A disciplina de alemão está bem representada, talvez pelo interesse de estudar a língua numa região onde o coeficiente germânico era significativo. Chama atenção a procura por desenho, à partir do ano de 1861, embora não tenhamos uma explicação para esse fato.

110 Por exemplo, entre dados fornecidos pelos Inspetores ou Diretores, mesmo correndo o risco,

Quadro 14

Nome de alguns alunos do Liceu111