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O Campo Científico

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2.1 A perspectiva analítica de Bourdieu

2.1.1 O Campo Científico

Para Bourdieu (2004, p.20) campo é “o universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem, reproduzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência”. Compreendendo a noção de campo para Bourdieu, é possível afirmar que se trata de um espaço com estruturas específicas, de atuação dos agentes na busca por recursos de poder, ou seja, a busca por capitais significativos para cada campo, regidas por seus habitus.

Nessa perspectiva as instituições de ensino superior com programas de pós- graduação, estão inseridas no campo científico, que possui suas próprias especificidades e “regras do jogo”. Dessa forma, Bourdieu (2004, p.21) afirma que o campo científico “é um mundo social, e como tal, faz imposições, solicitações e etc, que são, no entanto, relativamente independentes das pressões do mundo social global que o envolve”, e assim como todos os outros campos, é um campo de forças e lutas que visam manter ou modificar a lógica das forças dominantes (BOURDIEU, 2004).

Bourdieu aponta para a importância do agente dentro campo, tal espaço só é possível através da ação do agente, “os agentes criam o espaço, e o espaço só existe (de alguma maneira) pelos agentes e pelas relações objetivas entre os agentes que aí se encontram” (BOURDIEU, 2004, p. 23).

É pertinente ressaltar que apesar desse emponderamento do agente dentro do campo, e nesse caso, no campo científico o mesmo está sob o comando das “estruturas das relações objetivas”. Tais estruturas empregam o princípio do campo, determinam os “pontos de vista”, as “intervenções científicas”, os “lugares de publicações”, os “temas e objetos de estudo”, ou seja, é com a posição que um agente ocupa nessa estrutura, que é orientada sua tomada de posição no campo (BOURDIEU, 2004, p. 23). Nesse sentido o campo científico também é estruturado e estruturante, ou seja, “essa estrutura, é grosso modo, determinada pela distribuição do capital científico num dado momento” (BOURDIEU, 2004, p. 24).

Sendo assim o autor aborda que assim como nos outros campos, uma subversão da ordem vigente altera o panorama de dominantes e dominados, “os pesquisadores ou pesquisas dominantes definem o que é, num dado momento do tempo, o conjunto de objetos importantes” (BOURDIEU, 2004, p. 25), “aquilo que define a estrutura de um

33 campo num dado momento é a estrutura da distribuição do capital científico entre os diferentes agentes engajados nesse campo” (BOURDIEU, 2004, p. 26).

Todo campo possui uma determinada estrutura que orienta seu modo de funcionamento, e dessa forma, “cada campo é o lugar de constituição de uma forma específica de capital” (BOURDIEU, 2004, p. 26). O campo científico por sua vez, possui seu próprio capital, denominado capital científico que é “uma espécie particular de capital simbólico que consiste no reconhecimento atribuído pelo conjunto de pares- concorrentes no interior do campo cientifico” (BOURDIEU, 2004, p. 26).

Segundo o autor esse tipo específico de capital pode assumir diferentes formas como o número de citações por um determinado trabalho, sinais de reconhecimento e consagração como prêmios científicos nacionais ou internacionais, traduções de livros para língua estrangeira, entre outros. O capital científico se sustenta sobre o “reconhecimento de uma competência” que fornece uma autoridade contributiva para a definição das “regras do jogo”, assim como suas “regularidades”, definição de leis que abordam sobre a distribuição de lucros no campo, tais leis orientam o tema que deve ou não ser pesquisado, em quais revistas a produção deve ser publicada, ou seja, os capitais simbólicos determinam o funcionamento e a estrutura do campo (BOURDIEU, 2004, p.26).

O autor afirma que nesse campo existem estruturas objetivas, porém os agentes não são conduzidos por essas estruturas de forma automática, ocorrem lutas de oposição e resistência que são orientadas de acordo com o habitus. Bourdieu aponta que os agentes podem “lutar contra as forças do campo, resistir-lhes e, em vez de submeter suas disposições às estruturas, tentar modificar as estruturas em razão de suas disposições, para conformá-las às suas disposições” (BOURDIEU, 2004, p. 29).

É importante esclarecer que assim como o campo econômico, o campo da ciência também possui “relações de força”, disputas de poder, busca por concentração de capital, relações sociais que buscam a “dominação” através da “apropriação dos meios de produção e reprodução”, além de reconhecer a existência de lutas para manter ou subverter a lógica específica do próprio campo (BOURDIEU, 2004, p. 34). Cada campo possui uma determinada espécie de capital simbólico que é perseguido pelos agentes para o alcance do poder. Dessa forma, no campo científico existem duas espécies de

34 capital científico: o capital científico institucionalizado e o capital científico puro (BOURDIEU, 2004).

O capital científico institucionalizado corresponde a um poder que se configura na “ocupação de posições importantes nas instituições científicas, direção de laboratórios ou departamentos, pertencimento a comissões, comitês de avaliação” (BOURDIEU, 2004, p. 35). Refere-se também sobre os “meios de produção (contratos, créditos, postos) e de reprodução (poder de nomear e de fazer as carreiras)” (BOURDIEU, 2004, p. 35). Já o capital científico puro está ligado a um poder de “prestígio pessoal” que se revela no “reconhecimento, pouco ou mal objetivado e institucionalizado, do conjunto de pares ou da fração mais consagrada dentre eles” (BOURDIEU, 2004, p. 35).

As duas espécies de capital científico possuem leis de acumulações específicas. O capital científico puro é adquirido através das “contribuições reconhecidas ao progresso da ciência, as invenções ou as descobertas (as publicações, [...] nos órgãos [...] mais prestigiosos, aptos a conferir prestígio à moda de bancos de crédito simbólico)” (BOURDIEU, 2004, p. 36). Ou seja, o capital científico puro é conquistado através do trabalho reconhecido pelos pares. O capital científico da instituição se conquista por estratégicas políticas. Todas elas demandam tempo, como participação em comissões, bancas, palestras, reuniões, entre outras. (BOURDIEU, 2004).

Tanto o capital científico puro, como o institucionalizado não é de fácil acumulação. Porém, a forma como são transmitidos difere de um para o outro. O capital científico puro está estritamente ligado ao carisma pessoal, “a percepção comum ligada à pessoa, aos seus dons pessoais”. (BOURDIEU, 2004, p.36). Sendo assim, essa forma de capital é de difícil transmissão por meio da prática.

Por mais, que seja possível transmitir a formalização do trabalho e da competência científica, isso leva tempo (BOURDIEU, 2004). Ainda assim, pode-se “consagrar os pesquisadores, formados ou não pelo detentor do capital, fazendo sua reputação, assinando com ele, publicando e o recomendando para instâncias de consagração” (BOURDIEU, 2004, p. 37).

Por isso, Bourdieu (2013) afirma que o sucesso de uma carreira acadêmica perpassa a escolha de um orientador poderoso, o que não significa que o mesmo seja o mais famoso nem o mais competente. Segundo o autor, o que se espera do orientador,

35 excluindo as exceções, não é meramente ensinamentos sobre os métodos ou técnicas de pesquisa, mas sim, um reconhecimento de qualidade, um encaminhamento sobre a carreira. Conforme Bourdieu (2013, p.129) “a escolha do orientador também é em parte uma relação de capital a capital: pela condição do orientador e do tema escolhidos, o candidato afirma o sentido que ele tem de sua própria condição [...]”.

Então, é possível perceber que a escolha do orientador pode significar uma estratégia de transmissão de capital científico puro, buscando usufruir do prestígio do mesmo para alcançar o seu próprio capital. Por outro lado o capital científico institucionalizado segue, basicamente, as mesmas regras de outra espécie de capital burocrático para transmissão. Bourdieu (2004, p.37) aborda o exemplo dos concursos, que por mais, que muitas vezes aparentam ser uma “eleição pura”, muitos se aproximam dos “concursos de recrutamento burocrático”, onde a definição do posto já esta “pré- ajustada à medida do candidato desejado”.

Nessa ocasião que surge o conflito entre as duas formas de capital: “os detentores do capital científico institucionalizado, que organizam os concursos, seguindo a lógica de nomeação burocrática, e os detentores do capital científico puro que se situam na lógica carismática” (BOURDIEU, 2004, p. 37). Sendo assim, percebe-se que enquanto campo de poder, o campo universitário possui uma lógica própria (BOURDIEU, 2013).

Dessa forma, percebe-se que assim como qualquer outro campo, o campo científico e acadêmico, possuem suas especificidades de capitais particulares que auxiliam a conquista do poder. Além disso, também é possível afirmar que existem agentes que lutam para manter a estrutura e outros que buscam subverter a ordem. A disputa de poder, como em qualquer outro campo é presente.

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