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Capítulo 1. Introdução ao estudo da Educação Comparada

1.4 As diferentes concepções dos métodos comparativos

1.4.2 O campo teórico da Educação Comparada hoje

Como já foi observado, ao longo de sua história, a Educação Comparada não obteve uniformidade de abordagens e nem obedeceu a uma só gama de interesses. Trata-se de um campo onde imperam diversas e divergentes correntes teórico-metodológicas e um amplo espectro de interesses. Assim, diferentes perspectivas convivem no campo de estudos da Educação Comparada e também teóricos e pesquisadores filiados a diferentes linhas de pensamento.

Neste item apresentamos algumas das principais tendências que identificamos atualmente na Educação Comparada. As referências teóricas aqui apresentadas não têm a pretensão de esgotar o assunto e muito menos significam que sejam as únicas. Elas são o resultado de escolhas, motivadas pelo intuito de construir um referencial teórico mínimo para que os objetivos do trabalho fossem atingidos. Para este fim, seguiremos, principalmente, as idéias de Ferrer (2002) por acreditarmos que elas abarcam os principais aspectos a serem tratados nos estudos em Educação Comparada.

Ferrer (2002) num estudo histórico apresenta uma discussão abrangente sobre as teorias e metodologias que fizeram parte da trajetória do campo da Educação Comparada e quais debates e reflexões têm ocupado e preocupado os comparatistas desde a década de noventa, do século XX, até os dias atuais, época prolífica para a Educação Comparada.

O autor, acompanhando o pensamento de E. H. Epstein (1992), parte do princípio que existem dois enfoques básicos na investigação em Educação Comparada. O primeiro concebe a sociedade como única em relação ao restante. O segundo entende que existem determinadas características que se dão de forma similar em todas as sociedades. Ferrer entende que o princípio da comparabilidade se fundamenta na diversidade de situações que se pode comparar e também na crença de que existe algo em comum. “Assim, esta parte em comum seriam aqueles elementos dos sistemas educativos que os tornam similares à margem do contexto no qual se desenvolvem” (FERRER, 2002, p.94-95).

Para Ferrer há uma dualidade de enfoques metodológicos que podem ser considerados presentes nos debates do campo até os dias de hoje. De um

lado estaria a concepção de Jullien, o fundador da Educação Comparada, que teria um enfoque nomotético, próprio da concepção positivista do século XIX e que pretendia estabelecer certas explicações gerais ou leis que regeriam os fatos educativos. De outro, estariam os estudos de Sadler, estudioso contemporâneo, que possui um enfoque mais ideográfico, que pretende estabelecer o porquê das diferenças de escolarização entre uma sociedade e outra. Ambos os autores, porém, se opõem a uma caracterização simplista dos sistemas educativos e concordam que é preciso tratar de fatores que estão para além da escola, se quisermos entender a educação. Para além destas duas vertentes, a década de 90 não teria apresentado novidades metodológicas concretas, mas “novas teorias explicativas dos fenômenos educativos a partir de uma perspectiva internacional” (FERRER, 2002, p.104).

De acordo com Ferrer (2002) os seguintes autores podem ser considerados como autores de estudos significativos no período: E.H.Epstein (1983) que classifica as metodologias a partir de três grandes modelos: (o neopositivista, o neomarxista e o neorelativista) e García Garrido (1986) que estabelece que os comparatistas e seus enfoques poderiam ser classificados de acordo com quatro predomínios (predomínio da descrição, da explicação, da aplicação e da valoração). Na década de 90, as contribuições mais interessantes, para o autor são as de W.D. Halls (1990), R.G. Paulston (1993) e Nóvoa (1995).

Ao tratar das reflexões teóricas e metodológicas mais recentes, Ferrer (2002) as agrupa de maneira cronológica. Em relação aos anos 80, considera fundamentais as críticas à Teoria da Dependência de H. J. Noah e M. A. Eckstein, as críticas ao modelo relativista de E.H. Epstein e o debate com Psacharopoulos ocorrido na revista Comparative Education Review, volume 34, número 3 do ano de 1990, entre outros.

Dentre as contribuições dos nem tão prolíficos anos 90, o autor destaca a pós-modernidade e a cartografia social. Ambas as metodologias também foram motivo de controvérsia e críticas de diferentes comparatistas.

As contribuições dos anos 2000 trazem teóricos como Nóvoa, que defendem um re-ordenamento do campo das teorias e metodologias existentes e acadêmicos como W. Halls que defendem a diversidade metodológica como sendo a riqueza da disciplina da Educação Comparada. Este enfoque sócio-

histórico correponderia aquele que Malet denominou de hermenêutico e seria representado por autores como J. Schriewer, A. Novoa e M. A. Pereyra. Aos autores citados por Ferrer acrescentamos T. S. Popkewitz, cujos trabalhos sobre os currículos escolares constituem um esforço do autor por instituir uma "epistemologia social da escola" (MALET, 2004, 131). O enfoque destes autores é explicado por Nóvoa da seguinte maneira:

Esta corrente que segue o projeto de considerar o mundo como um texto, procura compreender como os discursos formam parte dos poderes que separam e dividem os homens e as sociedades, que confirmam situações de dependência e lógicas de discriminação [...]. Estes discursos também funcionam como práticas de regulação política e é, por este motivo, que são essenciais para o estudo comparado dos sistemas educativos europeus (NOVOA, 2000, p.116 apud FERRER, 2002, p.136).

Dentre outros autores citados por Ferrer (2002), destacamos J. Schriewer, que parte do princípio de que toda comparação supõe um pensamento relacional. O autor discute a existência de dois tipos de aproximações no procedimento comparativo:

(...) em primeiro lugar as que pretendem “estudar as relações entre feitos observáveis” (comparação simples), e em segundo lugar as que estudam “a relação entre relações” (comparação complexa) (SCHRIEWER, 2000, p.9 apud FERRER, 2002, p.137).

Segundo Ferrer (2002), Schriewer defenderia o segundo enfoque, e exemplifica as críticas que faz às “comparações simples” dizendo que:

As conexões entre “educação, crescimento econômico e emprego”, “educação, modernização e qualidade de vida”, e entre “educação, modernização política e desenvolvimento” não são nem diretas, nem lineares, nem produzem o mesmo efeito em sociedades diferentes (SCHRIEWER, 2000, p.16 apud FERRER, 2002, p.137).

Ainda como contribuição dos anos de 2000, temos a teoria do pós- colonialismo. Praticamente inexistente nas revistas mais importantes da área da Educação Comparada, esta teoria questiona a visão que se tem da

globalização a partir do ponto de vista ocidental. Ferrer (2002) observa que se trata de uma disciplina nova e que, portanto, faz-se necessário que observemos sua evolução nos próximos anos.

Para finalizar, gostaríamos de apresentar um trabalho recente, que consideramos significativo no campo da Educação Comparada. Trata-se do estudo de Bray & Thomas (1995), que usam a figura de um cubo (figura 1) para explicitarem as análises em diferentes níveis que os bons trabalhos em Educação Comparada devem apresentar. Os autores destacam que a maioria das pesquisas em Educação Comparada parecem incompletas por não levarem em conta diferentes dimensões micro e macro de análise. Propõem uma análise tridimensional representada pela figura de um cubo e encorajam os pesquisadores a considerarem os vários níveis de análise, pois cada um deles gera diferentes enfoques a respeito de semelhanças e diferenças dos fenômenos estudados.

Figura 1. Uma Estrutura de Análise para a Educação Comparada (BRAY & THOMAS 1995)

Entendendo que esta proposta, pela sua complexidade e quantidade de trabalho, acaba sendo limitante para os pesquisadores trabalhando

individualmente, os autores sugerem a formação de grupos de pesquisa, entendendo que o design da pesquisa em níveis múltiplos é muito mais uma questão de paradigma e filosofia do que propriamente de escala. No caso da pesquisa realizada por grupos de pesquisadores, a figura do cubo iria requerer o sombreamento de várias células dentro do cubo.

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