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O Canto Orfeônico, a Iniciação Musical e a Formação de Professores de

1.3. A Pedagogia Nova na Educação Brasileira e no Ensino da Música

1.3.2 O Canto Orfeônico, a Iniciação Musical e a Formação de Professores de

No mesmo ano em que os escolanovistas estavam publicando o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, Villa Lobos assume a direção da Superintendência da Educação Musical e Artística das escolas públicas do Rio de Janeiro, SEMA, fundada por Anísio Teixeira. Essa indicação ocorre após a promulgação do Decreto nº. 19.890 de 18 de abril de 1931, que torna obrigatório o ensino do canto orfeônico nas escolas. A atividade do canto escolar nos anos 30 se intensifica, e no Rio de Janeiro o canto orfeônico preenche todos os espaços escolares.

A escola pública ensaiava determinado repertório musical que seria executado em ocasiões especiais - as Concentrações Orfeônicas - que aconteciam no Dia da Pátria, em estádios de futebol. Nessas ocasiões, reuniam-se os escolares do Rio de Janeiro (10.000, 15.000, e até mesmo 41.000 vozes) e eles cantavam o repertório ensaiado durante todo ano. Este fazer cívico – musical pautava o dia- a dia – nas escolas. (FUKS, 2007, p. 19)

O repertório utilizado era o folclore nacional e músicas de exaltação à pátria. Segundo Fonterrada (1993, p.75) :

Villa Lobos acreditava através do canto em conjunto, poder-se ia despertar o gosto e a sensibilidade, chegando-se à compreensão e ao domínio da linguagem musical. Ressaltava também a função social da música, capaz de estimular a convivência entre as pessoas.

Embora seja com Villa Lobos que o ensino do Canto Orfeônico ganhe projeção a partir da década de 1930, a prática do canto coletivo já estava presente nas escolas públicas brasileiras desde o século XIX. Conforme Goldemberg (1997, p. 3, tradução nossa)2

Antes de Villa-Lobos o movimento do canto orfeônico no Brasil já havia sido deflagrado no início do século por João Gomes Júnior com orfeões compostos de normalistas na Escola Normal de São Paulo, futuro "Instituto Caetano de Campos". Foi seguido por Fabiano Lozano, com as normalistas na cidade de Piracicaba, e por João Batista Julião, que teve um papel expressivo no movimento com a criação do Orfeão dos Presidiários na Penitenciária Modelo de São Paulo.

Como o canto orfeônico, outra metodologia de ensino da música que também teve importância nos anos 30, foi o movimento de “Iniciação Musical”, promovida por educadores como Anita Guarnieri, Isolda Bacci Bruch, Antonio de Sá Pereira, Liddy Mignone, Gazzi de Sá, Lorenzo Fernandes, Ernest Mahle e Maria Aparecida Mahle.

Esses professores eram herdeiros diretos dos educadores musicais que revolucionavam, desde o início do século XX, a educação musical européia: Edgar Willems, Jaques Dalcroze, Carl Orff e Zoltan Kodaly, que não obstante as diferenças existentes entre as propostas, objetivos e procedimentos metodológicos de cada abordagem, tinham em comum a desvinculação da aula de música do ensino do instrumento, o incentivo à pratica musical, o uso do corpo e a ênfase no desenvolvimento da percepção auditiva. (FONTERRADA, 2005, p. 198)

A iniciação musical, assim como o canto orfeônico, estava ligada ao canto, pois utilizava em seu repertório cantigas do folclore nacional. Essas duas metodologias caminhariam ao longo da década de 30 com o Estado Novo. O canto orfeônico trabalhando com grupos numerosos de caráter cívico-disciplinador adotado, nas escolas públicas e tendo à frente Villa-Lobos. A iniciação musical, por

2 Before Villa-Lôbos, however, the movement of orpheonic singing in Brazil had already been started by João

Gomes Junior, at the beginning of the century, with orpheons composed of students from the Preparatory Teaching School of Sao Paulo, later Institute Caetano de Campos. He was followed by Fabiano Lozano, with girl- students from the Preparatory Teaching School in the town of Piracicaba, and by João Batista Julião, who played an important role in the movement with the creation of the Orpheon of the Model Prison of São Paulo.

sua vez, trabalhando com um número menor de alunos, presente nas escolas da rede particular e em conservatórios de música, tendo como líderes Antonio de Sá Pereira e Liddy Mignone. (FUKS, 2007)

Quanto à formação dos professores de música, na década de 1940, os dois métodos se voltaram para essa finalidade. As atividades da SEMA resultaram na criação do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, em 1942. Foram criados cursos para orientação de professores da educação básica e para professores especializados. Para os professores das escolas primárias eram ministrados os cursos de Declamação Rítmica e de Preparação ao Ensino do Canto Orfeônico. Para a formação de professores especializados foram criados o Curso Especializado de Canto Orfeônico e de Prática de Canto Orfeônico.

O Curso Especializado de Música e Canto Orfeônico tinha por objetivo estudar a música nos seus aspectos técnicos, sociais e artísticos, e tinha um currículo extenso: canto orfeônico, regência, orientação prática, análise harmônica, teoria aplicada, solfejo e ditado, ritmo, técnica vocal e fisiologia da voz, disciplinas às quais foram incluídas história da música, estética musical, e, pela primeira

vez no Brasil, etnografia e folclore. (GOLDEMBERG, 1997, p.33,

tradução nossa)

Os cursos eram realizados em dois anos de “Conteúdo” e mais um ano de “Integração”. Villa-Lobos (1976) afirma:

A principal finalidade dos cursos de Formação de Professores Especializados em Música e Canto Orfeônico, para o ensino primário, secundário e profissional, orientadores e regentes de bandas, em 2 ANOS de “Conteúdo” e mais 1 ANO de ”Integração”,

do S.E.M.A (Superintendência da Educação Musical e Artística),

da Secretaria Geral da Educação e Cultura era de construir os principais fatores da consciência musical numa pedagogia ativa e

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The Specialisation Course of Music and Orpheonic Singing had the objective of studying music in its technical, social and artistic aspects, and the curriculum was very extensive: orpheonic singing, conducting, pratical guidance, harmonic analysis, applied theory, sight-singing and dictation, rhythm, vocal technique and fisiology of voice. Other subjects were also added: history of music, music aesthetics and, for the first time in Brazil, ethnography and folklore.

direta. Esses cursos eram distribuídos em 20 disciplinas especializadas, pertencentes a 4 cadeiras principais, que são as seguintes: CANTO ORFEÔNICO, MUSICOLOGIA, FOLCLORE E INTEGRAÇÃO PROFISSIONAL [...]. A disciplina de “Solfejo e Ditado” era o que mais se praticava no currículo do S.E.M.A pela absoluta necessidade de apuração dos fenômenos de percepção do ritmo, altura do som e memória auditiva, fatores indispensáveis a um professor de Canto Orfeônico. Com a criação do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico pelo Decreto-lei nº 4.993, de 26-11- 1942, não somente ficou assegurado a consecução desses objetivos como e sobretudo a orientação do ensino especializado em Canto Orfeônico tornou-se obrigatória em todo o pais e passou a receber diretrizes técnicas gerais dêsse Conservatório, uniformizando esta disciplina em todos os estabelecimentos de ensino primário e secundário (VILLA-LOBOS, 1976, INTRODUÇÃO DO LIVRO DE SOLFEJOS, s.p.)

Villa-Lobos continuou à frente do Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, até sua morte, em 1959, e desenvolveu várias atividades como o Orfeão dos Professores, a criação de bibliotecas, inúmeros concertos populares didáticos, além da publicação de suas obras voltadas para o ensino musical, como Solfejo 1º e 2º volumes, Canto Orfeônico 1º e 2º volumes (PAZ, 2000).

Dentro dessa mesma década foi criado, em 1947, no Conservatório Brasileiro de Música o Curso para Professores de Iniciação Musical, por iniciativa de Liddy Mignone (FUKS, 2007, PAZ, 2000). Assim como Villa - Lobos, Liddy Mignone tinha por objetivo formar professores qualificados para o ensino de música. Como o trabalho de Liddy Mignone e de outros professores de música ficou mais restrito às escolas especializadas de música, não teve uma repercussão tão expressiva a nível nacional como o de Villa- Lobos que escolheu o “gigantismo” para difundir o seu trabalho, pois se lotavam os estádios em apresentações com 10.000, 15.000 e até 41.000 vozes (FONTERRADA, 2005, FUCKS, 2007).

Assim, as reformas educacionais ocorridas no Estado Novo perduraram por muito tempo no país. Para Souza(2007, p. 17)

Somente com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases, em 1961, é rompida a concepção educacional da reforma estadonovista no que se refere à música. Essa lei não a inclui explicitamente. Mas a aula de música sofreria seu mais sério revés com sua substituição pela educação artística (Lei 5692/71).