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3. VIDA ADULTA: AS REMANESCENTES CAMINHAM SOZINHAS

3.1 O casamento

O casamento se tornou o novo marco na vida de Haan, Tiguá e Ana Maria. Significou o início de suas vidas adultas, ainda que Haan tivesse apenas 11 anos, seria exigido delas que se comportassem como mulheres adultas. A partir de então, não vemos tantas proximidades entre suas trajetórias. A relação que estabeleceram com seus casamentos se tornou quase oposta as relações que mantiveram em sua infância com suas famílias de criação.

3.1.1 Haan

A documentação trazida por Mota e Faustino (2018) nos mostra que Haan permaneceu na Terra Indígena de Apucaraninha até por volta de 1963, momento em que uma nova etapa se iniciou em sua vida, motivado por um desentendimento após uma ida ao mercado com seu irmão, onde conversou com o índio Guarani João, o que gerou um mal-estar entre os indígenas Kaingang que moravam no mesmo Posto Indígena.

Essa confusão obrigou Haan, que tinha apenas 11 anos, a se casar com João contra sua vontade, mesmo ela e seu irmão afirmando sua inocência seus padrinhos não acreditaram. Para Silva (1998), Haan declarou que na época se achava ainda muito menina, que não queria casar, ainda assim, não teve escolha. E foi assim, aos 11 anos que Haan iniciou sua vida “adulta” ao lado de seu marido, o índio Guarani João.

3.1.2 Tiguá

Para Tiguá, foi na vida adulta que encontrou os sofrimentos da vida. Diferente de Haan, Tiguá e Ana Maria, não foram forçadas a se casar, cada uma optou por seguir com seus companheiros por seus próprios motivos. Como já mencionado, com a compra do restaurante em Douradina – PR pela família Freitas, Tiguá se manteve junto a família ajudando tanto nos serviços de casa, quanto nos trabalhos do restaurante, onde aprendeu a ser cozinheira, e com o passar dos anos, se tornou responsável pela cozinha.

E foi no restaurante de seus padrinhos que conheceu Almir, seu futuro marido, de acordo com Tiguá, ele era padeiro e foi para Douradina - PR para trabalhar na padaria do Sr. Carlos, o mesmo que criou Ana Maria, e de conversa em conversa se conheceram, e menos de um ano depois, decidiram morar juntos, por volta de 1982. Morou por um ano e cinco meses com Almir, na cidade de Douradina - PR, e neste período disse não ter trabalhado fora. Deste relacionamento dona Tiguá ficou grávida de sua primeira filha, Indianara, mas, ao saber sobre sua gravidez, Almir foi embora para o Mato Grosso do Sul - MS, alegando não ter tido conhecimento da gravidez:

Daí ele alega que não sabia sobre isso, mas ele sabia sim, eu tava grávida de 5 meses você acha não vai saber, todo mundo sabia... Todo mundo sabia, família dele sabia que eu estava grávida. Acho que ninguém ia falar para ele, eu falei para ele que ela que eu estava grávida, ele não queria era assumir a responsabilidade. Ele foi conhecer a Indianara já tinha 13 anos, ele ligou para mim para saber se podia conhecer Indianara (Entrevista concedida por Tiguá. Xambrê - PR, 29 de setembro de 2018).

A relação dos dois nem sempre era boa, Tiguá conta que ele bebia demais, e quando alcoolizado ficava agressivo. Com o fim do casamento Tiguá retornou para a casa de seus padrinhos, que a acolheram novamente, naquele ano, 1983, Tiguá continuou trabalhando no restaurante dos padrinhos.

3.1.3 Ana Maria

Diferente de que aconteceu com Haan e Tiguá, para Dona Ana o casamento representou uma fuga de sua realidade de maus tratos e abandono emocional. Na época que conheceu seu futuro marido, Luiz Carlos Ferreira, aproximadamente 1978, estava morando em Nova Olímpia – PR, e sua família de criação trabalhava com um comércio de tecidos, onde Ana Maria também ajudava sempre que precisavam arrumar o estoque.

Quando perguntada sobre como conheceu seu marido contou que ele era vizinho da casa onde moravam, que foram se conhecendo e namoraram escondido durante 3 meses, pois Dona Nilda a proibia de namorar, proibição que não se estendia a suas filhas biológicas:

[...] ela não aceitava eu arrumar namorado, claro que ela não queria que eu arrumasse um namorado pra eu ir embora né?! Pra ficar lá de escrava dela, aí eu namorava escondido. Quem sabia era essa que tá aqui agora (Suely), ela me ajudava (Entrevista concedida por Ana Maria. Douradina - PR, 15 de setembro de 2018).

Depois de dois meses que estavam namorando, “Nezão” como era conhecido seu marido, chamou Ana Maria para ir embora com ele para o Mato Grosso do Sul- MT, onde iria trabalhar, mas, como se conheciam há pouco tempo, dona Ana ficou receosa e decidiu não o acompanhar. Mas, naquela mesma semana, Luiz voltou para Nova Olimpia - PR, e ele e Ana Maria tornaram a se encontrar. Naquelas próximas semanas, a família Lustosa iria se mudar novamente, dessa vez o destino seria a cidade de Santos –SP, e isso preocupava Luiz, que assim como conta dona Ana, não queria que ela fosse embora.

Se aproximando a data da mudança, por volta de um mês depois que Luiz voltou do Mato Grosso do Sul- MS, propôs a Ana Maria que fugissem juntos, na época ele tinha em torno de 22 anos, e Dona Ana 19. Nesse momento Dona Ana conta que apesar de não terem namorado por muito tempo, conhecia Luiz e acreditava que ele era um bom homem:

Aí ele me chamou pra fugir aí eu falei: ‘Eu vou, né?! Seja o que Deus quiser’.

Mas deu muito certo por que ele era bom pra mim, nossa senhora! Ele só ficou lá (São Bernardo do Campo – SP) porque ele morreu mesmo, se não tava junto (Entrevista concedida por Ana Maria. Douradina - PR, 15 de setembro de 2018).

Sobre o a noite em que fugiram dona Ana conta tudo com muita euforia e alegria, a memória desse momento é para ela uma boa recordação, sobre aquela noite conta:

[...] ai pra chegar na casa da mãe dele tinha, é igual aqui, um muro aqui e outro lá, ai ele pulava duas cerca pra carregar a minha roupa ((risos)) ... Ai ele carregando a minha roupa, ai a hora que ele acabou de carregar a minha roupa,

ele falou assim: ‘E agora você vai pular a cerca aqui também?’, falei: ‘Há eu acho que não em, acho que vou dar a volta lá na rua’, fiquei com medo de

pular, tá certo que o balaústra era baixinha, e balaústra que não tinha ponta, não tinha perigo de machucar, mas eu dei volta, fui lá pra rua. Ai a gente fugiu né?! (Entrevista concedida por Ana Maria. Douradina - PR, 15 de setembro de 2018).

Dona Ana deixou suas roupas prontas para sair no meio da noite, e com a ajuda de sua sogra, saíram sem que ninguém dessa conta. Foi apenas no outro dia de manhã, quando Dona Nilda foi até seu quarto acordá-la para preparar o café da manhã, que se deu conta que Ana Maria não estava mais lá, e a essa altura, o casal já estava longe dali. O jovem casal segui caminhando até um sitio de Zé Emiliano, compadre de Luiz, na própria cidade de Nova Olímpia - PR, onde pediram abrigo, e onde ficaram naquela semana.

A família que a criou quando percebeu sua fuga, logo desconfiou do filho dos vizinhos. Dona Nilda chegou a ir lá várias vezes em busca de notícias de dona Ana, mas a mãe de Luiz, mesmo sabendo para onde haviam ido, negou saber de seu paradeiro. Depois de alguns dias no sitio de seu compadre, Ana e Luiz decidiram dar notícias de onde estavam, e então, Nilda os convidou para voltar para sua casa, na ocasião chegou a preparar um almoço para receber o casal, e assim, voltaram, Dona Ana ficou morando na casa de sua sogra, e poucos dias depois a família Lustosa se mudou para Santos - SP.

Assim como foi com Haan, as vidas de Tiguá e Ana Maria foram acompanhadas por muitas mudanças logo após seus primeiros relacionamentos amorosos. Enquanto Haan seguiu

os caminhos de seus maridos, mesmo quando não por decisão própria, Tiguá decidiu ir embora meses depois de terminado seu casamento com Almir, seguiu apenas na companhia de sua filha Indianara para trabalhar no Mato Grosso do Sul - MS, enquanto, Ana Maria, que já havia mudado muitas vezes antes de se casar, durante sua vida ao lado de seu marido e filho também mudaria muito, mas dessa vez, sabia que estava junto daqueles que lhe queriam bem.

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