• Nenhum resultado encontrado

Nesse ponto recorda-se que o a regra do art. 16 é objetiva, basta que a lei altere o processo eleitoral para que tenha sua eficácia suspensa, não importa se a modificação é benéfica, isonômica ou salutar. Portanto, para a sua aplicação não cabe analisar se há casuísmo na lei nova.

relatoria – acompanhado à unanimidade pelos demais ministros -, baseando-se no julgamento da ADI nº 3345 de relatoria do Ministro Celso de Melo, afirmou que só se poderia cogitar a aplicação do princípio da anualidade quando ocorresse alguma das seguintes hipóteses:

[...] 1) o rompimento da igualdade de participação dos partidos políticos e dos respectivos candidatos no processo eleitoral; 2) A criação de deformação que afete a normalidade das eleições; 3) a introdução de fator de perturbação do pleito; ou 4) a promoção de alteração motivada por propósito casuístico.

Essa interpretação retira objetividade da análise da aplicação da regra do art. 16 da Constituição Federal, pois dela resulta que mesmo que uma norma altere o processo eleitoral ela não estará sujeita ao princípio da anualidade eleitoral se não se enquadrar em uma das hipóteses elencadas por aquele Ministro.

No entanto, ao se considerar que tais critérios por mais de uma vez já foram levantados em debates no STF (ADI nº 3345, ADI nº 3741, Caso Joaquim Roriz, Caso Jader Barbalho), torna-se necessário analisar-nos frente à Lei da Ficha Limpa.

Em seu voto no Caso Roriz (BRASIL, 2010) o Ministro Ricardo Lewandowski afirmou não poderia ser aplicado o art. 16 da Constituição à Lei da Ficha Limpa, pois essa lei não havia quebrado a paridade de armas entre os aspirantes a candidatos, in verbis:

[...] entendo que não se pode cogitar da incidência do art. 16 da Constituição no caso de criação, por lei complementar, de novas causas de inelegibilidades. É que, nessa hipótese, não há o rompimento da igualdade das condições de disputa entre os contendores, ocorrendo, simplesmente, o surgimento de novo regramento normativo, de caráter linear, ou seja, de disciplina legal que atinge igualmente todos os aspirantes a cargos eletivos, [...]

Contudo, prosseguindo em seu voto aquele ministro afirmou que estaria caracterizado o “rompimento da denominada ‘paridade de armas’ caso a legislação eleitoral criasse mecanismos que importassem em um desequilíbrio na disputa, prestigiando determinada candidatura, partido político ou coligação em detrimento dos demais.” (BRASIL, 2010)

Sob essa ótica, há que se registrar que as convenções partidárias para escolha dos candidatos ocorrem entre os dia 10 e 30 de junho do ano em que se realizam as eleições (art. 8º da Lei nº 9504/1997). No dia 6 de junho de 2010 muitos cidadãos já se preparavam para oferecerem seus nomes nas convenções partidárias. Alguns partidos já haviam inclusive realizado pré-convenções (MATUSHITA, 2010). Nesse dia, todos aqueles que não se enquadravam nas hipóteses de inelegibilidades previstas na LC nº 64/1990 sem as alterações da LC 135/2010 - que só viria a ser publicada no dia seguinte – estavam em situação de igualdade, pois esperavam ter seus registros de candidatura deferidos. Contudo, a partir da publicação da LC 135/2010 não é possível manter essa afirmação, pois justamente por ela tratar de inelegibilidades a aplicação da Lei alteraria o status final do pedido de registro

desses aspirantes a candidatos. Com o julgamento pelo TSE da Consulta nº 1120- 26.2010.6.00.0000 no dia 10 de junho – quando já iniciado o período das convenções partidárias – a situação de desigualdade se estabeleceu, pois as candidaturas daqueles que não se enquadravam nas inelegibilidades foram prestigiadas em detrimento dos demais.

Portanto, em sentido contrário do que afirmou o Ministro Ricardo Lewandowski, mas utilizando da mesma lógica, conclui-se que houve o rompimento da igualdade entre candidatos e partidos políticos com a aplicação da Lei da Ficha Limpa.

Um resultado da polêmica formada em torno da Lei da Ficha Limpa foi multidão de recursos contra os deferimentos e indeferimentos de candidaturas pelos tribunais regionais eleitorais. O TSE não teve tempo hábil para julgar todos esses recursos e o pleito ocorreu com milhares de candidaturas ainda pendentes de julgamento, resultando em um clima de incerteza (BARRETO, 2010). Portanto, mesmo depois de contabilizados todos os votos, em muitos casos, não se teve a certeza de quem realmente estava eleito, pois para isso se dependia do resultado desses recursos. Ao menos nesse ponto, portanto, é inegável que aplicação da Lei da Ficha Limpa resultou em perturbação ao pleito de 2010.

A expressão casuísmo eleitoral foi introduzida no Brasil para designar as manobras legislativas dos governos militares que tinham o fim oculto de favorecer nas urnas, os aliados daquele regime (PRIETO, 2007). Para o Ministro Marco Aurélio de Melo (BRASIL, 2010) o casuísmos na Lei da Ficha Limpa se revelou na cominação de inelegibilidade àqueles que renunciaram o mandato, porque já se sabia de antemão quem seriam os atingidos. A esse respeito, no mesmo julgamento, o Ministro Gilmar Mendes chegou a dizer que o objetivo dessa norma foi resolver a eleição a governador no Distrito Federal em favor do Partido dos Trabalhadores já que o autor da emenda foi o Deputado José Eduardo Cardoso daquele partido.

Dessa forma, resta evidente que a aplicação da Lei da Ficha Limpa às Eleições 2010, constituiria um casuísmo eleitoral, pois introduz elemento capaz de desigualar os aspirantes a cargos políticos após já iniciado os preparativos para o pleito.

Por todo o exposto, é necessário concluir o princípio insculpido no art. 16 da Constituição Federal deve ser aplicado à LC nº 135/2010, pois por essa lei tratar de inelegibilidades ela altera o processo eleitoral.

6 A LEI DA FICHA LIMPA E O PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI

No item 4, viu-se que a irretroatividade da lei é um princípio basilar do direito. A segurança jurídica, em grande parte, depende da efetividade desse princípio. Em nosso ordenamento jurídico, ele se substancia na proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada e na garantia da irretroatividade da lei penal. Assim, a aplicação de uma determinada lei a eventos passados só pode ocorrer se não macular essa proteção.

Por outro lado, é legítima a estipulação de inelegibilidades, por lei complementar, para proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato e a normalidade e legitimidade das eleições, conforme art.. 14, §9º da Constituição (BRASIL, 1988).

Essa lei complementar estará sujeita ao princípio da segurança jurídica, pois o único legislador que não estava subordinado a esse princípio é o constituinte originário (HORTA, 1991). A única hipótese de possibilitará a retroação dessa lei é se ela buscar fatos passados não prejudique qualquer direito adquirido, não altere qualquer ato jurídico perfeito, não altere a qualquer controvérsia judicial que tenha formado coisa julgada e que não institua ou majore sanções em relação a esses fatos do pretérito.

Portanto, é necessária uma análise pormenorizada de cada uma dessas situações para se verificar se a Lei da Ficha Limpa pode alcançar fatos passados.

6.1 DIREITO ADQUIRIDO

Em uma situação de inelegibilidade o direito adquirido que se poderia reivindicar seria o direito de elegibilidade, ou seja, aquele de ser eleito. Em mais de um julgamento (BRASIL, 2009, 2008), o TSE entendeu que não há direito adquirido em matéria de inelegibilidade pois a elegibilidade formada com o registro da candidatura é válida apenas para aquela determinada eleição. Efetivamente, esse entendimento encontra guarida na Teoria da Inelegibilidade desenvolvida pelo eleitoralista Costa, A. (2009, 2002). Porém, por essa teoria só seriam detentores desse direito, aqueles que efetivamente registraram sua candidatura. Por outro lado, não é possível dizer que essa seja a posição dominante entre os constitucionalistas e eleitoralista brasileiros. Efetivamente, no item 2.2, viu-se que a grande maioria desses autores entende, à semelhança de Costa, E. (1994 p. 45), que a elegibilidade é “Direto pré- eleitoral, inerente ao cidadão pela sua simples condição de integrante do poder constituinte [...]” (grifo nosso). Ademais, essa posição se coaduna perfeitamente aos mandamentos constitucionais já que aquela Carta não estabelece período de duração da elegibilidade, mas apenas as condições, que quando completadas, geram a aquisição da elegibilidade (BRASIL, 1988).

Portanto, apesar de ser tese contrária a firme posição jurisprudencial do TSE, uma verificação de se a elegibilidade constitui direito adquirido deve levar em conta que esse é um direito constante de todo cidadão que preencha seus requisitos, e não só para aqueles que tiveram seus registros de candidaturas deferidos.

Tendo isso em mente, poderá se contrastar a elegibilidade com a definição de direito adquirido, que, de acordo com análise do item 4.1, basicamente se caracteriza pela possibilidade de seu titular exercê-lo em certo ponto no tempo. Ora, o direito a elegibilidade pode ser exercido justamente pelo oferecimento do nome de seu titular à sufragação popular de forma válida (SILVA, 2007). No processo eleitoral, isso se externaliza no deferimento da candidatura.

Assim, todos aqueles que em determinado momento estiveram em situação de forma que se tivessem oferecido pedido de registro de candidatura obteria o deferimento de seu registro, têm direito adquirido a condição de elegível àquele cargo, e, consequentemente devem ser abrangidos pela proteção constitucional a esse instituto.

A Lei da Ficha Limpa, portanto, não deveria retroagir de forma a prejudicar o direito de elegibilidade daqueles que, na data de sua publicação, encontravam-se aptos a terem um eventual pedido de registro de candidatura deferido, sob pena de maculação da proteção constitucional ao direito adquirido.

6.2 ATO JURÍDICO PERFEITO

A Lei da Ficha Limpa cominou inelegibilidade à prática de certos atos. Não há nisso inconstitucionalidade, pois ela apenas buscou apenas cumprir o mandamento do art. 14, §9º da Constituição (BRASIL, 1988). Porém, quando se pretende que essa inelegibilidade alcance os atos praticados antes da publicação da lei – como o fez o TSE ao responder a Consulta 1147- 09.2010.6.00.0000 -, torna-se necessária a análise se disso não resulta prejuízo a atos jurídicos perfeitos.

No item 4.2, viu-se que a caracterização de um ato jurídico perfeito se dá pelo cumprimento de todos os requisitos exigidos pela lei para formação daquele ato. A partir desse momento, a lei nova não poderá prejudicá-lo.

No STF o tema foi muito discutido no julgamento do Caso Roriz (BRASIL, 2010) e do Caso Jader Barbalho (BRASIL, 2010), pois em ambos os casos os recorrentes tiveram seus registros de candidatura indeferidos com fulcro no art. 1º, I, k, da Lei das Inelegibilidades (BRASIL, 1990). Tal dispositivo foi introduzido pela Lei da Ficha Limpa (BRASIL, 2010) e acordo com ele são inelegíveis para qualquer cargo

k) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura; (BRASIL, 1990) (Grifo nosso)

Não há dúvidas de que a renúncia efetivamente caracteriza um ato jurídico perfeito, quanto a esse ponto inclusive, foram unânimes os Ministros do STF naqueles julgamentos (BRASIL, 2010) (BRASIL, 2010). A renúncia se enquadra na classificação de negócio

jurídico unilateral, portanto, merecedor da proteção ao direito adquirido. A polêmica aqui

reside em saber se é possível buscar atos jurídicos aperfeiçoados antes da publicação da LC 135/2010 e atribuir-lhes o efeito de inelegibilidade para eleições atuais.

De acordo como o Ministro Arnaldo Versiani em seu voto no julgamento do Recurso Ordinário nº 161660 no TSE (BRASIL, 2010):

A renúncia manifestada pelo recorrente produziu seus efeitos no momento em que publicada no Diário do Congresso, como já apontado. A lei das inelegibilidades não altera esta situação, nem modifica o caráter material e substantivo do ato praticado. Considera-o, contudo, como relevante para a aferição da vida pregressa daqueles que pretendem disputar cargos eletivos.

Este mesmo argumento foi utilizado pelos ministros do STF que votaram a favor da aplicação da Lei da Ficha Limpa (BRASIL, 2010).

Efetivamente, com o seu aperfeiçoamento, o negócio jurídico deve produzir os efeitos que as partes almejavam. No caso da renúncia a cargo político, esse efeito corresponde ao desligamento do renunciante a aquele cargo. Todavia, nos negócios jurídicos os efeitos não se restringem àqueles almejados pelas partes, mas também aqueles atribuídos pela lei em razão da prática do ato (GONÇALVES, 2010). Ao atribuir a determinado ato jurídico, posteriormente a sua prática, efeito não buscado pelo agente, a lei estará, em verdade, prejudicando a vontade do agente em realizar o negócio. Pois no momento do fato não poderia ter conhecimento do efeito decorrente daquele negócio que só viria a ser imposto por lei posteriormente.

No item 4, viu-se que o sentido do termo prejudicar - utilizado pelo legislador constituinte ao instituir a proteção ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada - é “incidir” (SAMPAIO, 2005), que, por sua vez, significa ter efeitos sobre, afetar, recair, atingir (HOUAISS, 2009).

Portanto, ainda que se considere que a elegibilidade não é direito adquirido, a cominação de inelegibilidade a atos jurídicos anteriores a publicação da lei que institui essa

inelegibilidade não pode ser tolerada em razão da sua frontal contradição com a proteção do ato jurídico perfeito.

6.3 COISA JULGADA

No tocante a coisa julgada a principal polêmica surgida com a Lei da Ficha Limpa reside na possibilidade de se aplicar os novos prazos de inelegibilidade – mais gravosos – em detrimento daqueles consignados nos processos judiciais transitados em julgado.

Antes da Lei da ficha limpa a inelegibilidade prevista na alínea d do art. 1º, I, da LC 64/1990 dependia do transito em julgado de processo judicial – especialmente instaurado para apurar abuso do poder econômico ou político em campanha eleitora, ao final desse processo, sendo o réu considerado culpado, além de outras consequências era-lhe expressamente cominada a inelegibilidade pelo prazo de três anos contados da eleição em que concorreram, conforme previa o art. 22, XIV da Lei 64/1990 (DECOMAIN, 2004).

Com a Lei da Ficha Limpa esse dispositivo legal foi modificado em dois sentidos: para a caracterização da inelegibilidade o trânsito em julgado é dispensado quando o julgamento tenha sido efetuado por órgão colegiado e a duração da inelegibilidade passou para oito anos.

Nas consultas que o TSE respondeu sobre a Lei da Ficha Limpa não foi feita nenhuma diferenciação quanto a esses casos. Nos registros de candidaturas os tribunais se depararam com a seguinte situação: eleitores que haviam sofrido condenação, transitada em julgado, por abuso do poder político e econômico em eleição ocorrida havia menos de oito anos, mas mais três anos – portanto, já haviam cumprido todo o prazo da inelegibilidade cominada - pleiteavam o registro de suas candidaturas. As sentenças nesses processos previam expressamente que a inelegibilidade seria de três anos. A aplicação do novo prazo de oito anos para essa hipótese de inelegibilidade não poderia se dar, portanto, sem o prejuízo da coisa julgada material estabelecida naqueles processos, pois, como assentado anteriormente, a parte dispositiva da sentença faz coisa julgada.

Até mesmo o TSE que em outras hipóteses vinha decidindo favoravelmente a retroação da Lei da Ficha Limpa, nesses casos, por maioria, entendeu que não poderia retroagir para dar nova vida a sansão de inelegibilidade cristalizada em sentença judicial transitada em julgado. O Leading Case naquele tribunal foi Recurso Ordinário nº 254432 (BRASIL, 2010) de relatoria do Ministro Marco Aurélio de Melo. Os Ministros Hamilton Carvalhido, Ricardo Lewandowski e Carmem Lúcia, que nos outros casos votaram favoravelmente a retroação, nesse caso seguiram o relator que entendia que a coisa julgada deveria prevalecer em detrimento da aplicação dos novos prazos de inelegibilidade. Nesses autos os Ministros

Arnaldo Versiani e Aldir Passarinho Junior votaram a favor da retroação, protestando que a situação se assemelhava com aquelas na quais se contestava a aplicação da Lei da Ficha Limpa frente ao direito adquirido ou ato jurídico perfeito (BRASIL, 2010). Efetivamente, a coisa julgada não é merecedora de maior proteção, mas apenas da mesma que deveria ser depreendida para o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, pois a própria Constituição (BRASIL, 1988) instituiu a mesma proteção aos três institutos.

Por todo o exposto, chega-se a conclusão que a aplicação da novo prazo de inelegibilidade de oito anos, introduzido pela LC 135/2010 (BRASIL, 1990), em detrimento do prazo de três anos previsto anteriormente e fixado ao caso concreto através de sentença judicial transitada em julgado fere a proteção à coisa julgada prevista na Constituição (BRASIL, 1988).

Documentos relacionados