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O catolicismo e seus representantes na literatura brasileira

Em 1921, época em que se inicia a produção literária dos escritores que abordaremos, tem início no Brasil um período de harmonia entre Igreja e Estado, de aprofundamento do pensar religioso pelos princípios da doutrina católica. Segundo Antonio Cândido (1987), Deus estava na moda.

Nesse período houve uma retomada da busca religiosa, surgiram novos centros de estudos teológicos e filosóficos, evidenciados pelo interesse dos leigos no aprofundamento da sua fé. Surgem as Universidades Católicas e difundem-se os colégios católicos, formando alunos responsáveis pela difusão do pensamento da igreja em suas futuras profissões.

Assim como na França, podemos dizer que o recrudescimento do pensamento católico começa a atingir seu apogeu aqui no Brasil. Por outro lado, no início do século XX, havia movimentos políticos mal vistos pela Igreja, entre eles a Action Française, por sugerirem um novo sistema religioso, moral e social. Esses movimentos tiveram repercussão também no Brasil, onde Jackson de Figueiredo tornou-se representante dos ideais da Action

Às idéias tomadas à Action Française filiaram-se, no Brasil movimentos como a Aliança Nacional Libertadora, e, em 1932, a Ação Integralista Brasileira. Os católicos, de modo geral, e, dentre eles vários intelectuais, posicionaram-se contra o comunismo, mas mostraram-se simpatizantes do integralismo.

A atração exercida pelo integralismo deveu-se a sua posição espiritualista, bem como à valorização das tradições cristãs e ao combate ao comunismo. Entretanto, esse movimento não tardou a ser visto como um perigo para o catolicismo. Muito envolvente, dada a constância dos rituais semelhantes à ritualística religiosa, poderia, portanto, tornar-se um substituto para a religião e angariar a dedicação que os fiéis deveriam ter com a Ação Católica.

Na década de 30, difundiram-se também no Brasil as idéias filosóficas de Jacques Maritain, crítico e pensador cristão de grande atuação na França. Sua visão trouxe grandes contribuições para o pensamento católico e despertou o interesse dos intelectuais brasileiros católicos e não-católicos pelas transcendentes questões da metafísica tomista.

A difusão do catolicismo no Brasil nos anos 30, no entanto, não é facilmente justificável, suas raízes, aqui, vêm de diversas fontes e não podemos, portanto, afirmar que a influência francesa tenha sido a mais forte entre nossos escritores dessa época. Mário de Andrade, ao referir-se ao catolicismo, expõe suas dúvidas e tristezas em relação à maneira como os brasileiros o praticam:

O problema da catolicidade brasileira é dos mais delicados da entidade nacional e, por mim, jamais cheguei a uma verdade nítida. Confesso que não consigo verificar bem na gente brasileira um catolicismo essencial, digno do nome de religião. Principalmente como fenômeno social. Digo isso com tristeza porque me parece mais outra miséria nossa, porém o que tenho percebido em nós é uma tradição ou costume católico, vindo de fora pra dentro, na infinita maioria dos eruditos e semi-eruditos, muito deturpado pelo carinho sentimental às memórias de infância e tradição. Nada ou quase nada essencial. Por meio desse costume que tem quatro séculos de raízes,

era natural que existisse em nós uma espontaneidade católica. Ela existe. Mas reage a infinita maioria das vezes como fenômeno individualista: não funde mais a gente em movimentos de ataque ou de defesa coletiva. (ANDRADE, 1972, p. 13)

Esse catolicismo de "costume" a que faz referência Mário de Andrade será criticado também pelos vários escritores que citaremos a seguir. Apesar de admitirem ter recebido o catolicismo como herança de seus pais, eles demonstraram, em seus textos, uma aversão àqueles que o praticavam apenas como hábito, sem realmente engajar-se na causa Católica.

Um escritor católico de grande influência intelectual na década de 30 foi Jackson de Figueiredo. Nascido em Aracaju, herdou de sua mãe a fé católica, mas somente aos 27 anos converteu-se ao catolicismo. Podemos conhecer melhor o perfil deste jovem pensador por um dos trechos da carta de seu amigo Farias Brito:

Como Pascal, filósofo torturado pela nostalgia do infinito, é com estes dois grandes espíritos (Pascal e Novalis) que o acho parecido, sobretudo com Pascal, considerando a complexidade extrema do seu espírito assim, feito para a independência e para a divindade, certamente afinidades profundas: fato este de que experimentamos o sentimento vivo e palpitante.

E foi talvez isto o que, desde logo, tão profundamente nos uniu. (MOURA, 1978, p. 148)

Farias Brito traça não apenas o retrato psicológico de Jackson, como também, as linhas principais de sua trajetória intelectual. Seus livros de temas filosóficos não podem ser considerados representativos do pensamento cristão, mas são testemunhos de sua evolução para o catolicismo: Algumas reflexões sobre a filosofia de Farias Brito (1919) e Pascal e a

Por ser seu ideal “catolicizar a inteligência brasileira”, Jackson foi considerado um apóstolo dos intelectuais. Ele foi literato, poeta e jornalista; não é possível considerá-lo um filósofo católico, mas seu pensamento foi de grande importância para o grupo de escritores engajados ao catolicismo, devido às lutas que abraçou em defesa da Igreja e da política governamental.

Alceu Amoroso Lima discordava das idéias de Jackson, pois, enquanto este era simpatizante de Maurras, chefe da "Action Française", Alceu preferia a linha libertária de Maritain. Em comum com Jackson ele terá somente o traço de apóstolo da inteligência católica.

A prática de Alceu é resumida pela crítica literária da época em uma palavra: servir.

A palavra servir sintetiza realmente toda a vida de Alceu Amoroso Lima. Ela informou-lhe todos os passos, todos os pensamentos, todas as intenções de católico. Por ela sacrificou, em parte, a vocação eminentemente literária, entregando-se a outros ramos do saber; por ela saiu do seu temperamento fechado e abriu-se para os outros. E ainda hoje, após as direções divergentes que o seu pensamento foi tomando na vida, é a palavra servir a sua orientadora. Esta palavra, traduzida em idioma evangélico, quer dizer

caridade. (Ibid., p. 153)

Alceu iniciou sua crítica literária em 1919, escrevendo em O Jornal, com o pseudônimo de Tristão de Ataíde, mas, após sua conversão ao catolicismo, praticamente abandonou a crítica literária e guiou-se em sua produção sobretudo pelas linhas ideológicas de Jacques Maritain.

Ainda sobre sua contribuição para os intelectuais católicos Mário de Andrade acrescenta:

Tristão de Ataíde é talvez o exemplo mais útil que se possa apresentar à mocidade brasileira, covarde e indecisa. Não apenas aos católicos, mas a todos em geral, que, na ordem das usas crenças e destinos desejados, teem a copiar dele o desassombro, a cultura coordenada, a nobreza de intenção, o incorruptível do caráter. (ANDRADE, 1972, p. 7)

O crítico deixa evidente sua admiração pelo caráter de Alceu Amoroso Lima (designado por seu pseudônimo), mas também lamenta o fato de sua conversão ao catolicismo tê-lo distanciado da crítica literária: "... Perdemos um excelente crítico literário, apesar dos defeitos, excelente; ganhamos um pensador católico. (Ibid., p. 10)"

Moura (1978) divide o pensamento de Alceu em duas fases: a do pensamento claro, com obras bem elaboradas, didaticamente desenvolvidas, de divulgação da doutrina católica; e a fase do pensamento difuso, com um estilo mais agressivo e tumultuado, com idéias políticas de feição esquerdizante. Na segunda fase ele se engaja mais na vida política nacional.

Em 1939, Gustavo Corção foi apresentado por Carlos Chagas a Alceu Amoroso Lima e ao monge beneditino D. Gerardo Martins; esses três o conduziram para a religião católica e, logo de início, perceberam estar diante de um homem de grande acuidade intelectual, com muita sensibilidade artística.

Gustavo Corção abandonou a matemática, a eletrônica e as telecomunicações para dedicar-se à oração e aos estudos da doutrina católica. Sua obra fundamentada nas idéias de Maritain e Chesterton8 tem sempre como tema a doutrina católica e sua difusão como principal finalidade. Segundo o autor:

8 Gilbert Keith Chesterton, escritor inglês, romancista, crítico e jornalista. Era oposto ao racionalismo e ao

cientismo, sua evolução espiritual o leva à conversão ao catolicismo em 1922. Dentre suas principais obras destaca-se o romance O Homem que era Quinta-Feira, biografia e estudos críticos sobre Dickens, Blake e outros; também escreve uma série de aventuras policiais protagonizadas por um sacerdote católico, associando mistério, humor e teologia.

Chesterton trouxe-me uma libertação, uma recuperação da infância, encheu- me da confiança que mais tarde, pela misericórdia de Deus, seria vestida a Esperança; Maritain trouxe-me a retificação da inteligência e encheu-me de outra confiança, que se revestiria de Fé. (Ibid., p. 158)

Dentre os livros de Corção, o que mais se destacou sob a perspectiva do pensamento católico foi A descoberta do outro, no qual o autor relata seu testemunho de conversão.

Neste grupo de escritores católicos, também merece destaque Octávio de Faria. Nascido no Rio de Janeiro, foi crítico, ensaísta, romancista e tradutor. Apesar de sua personalidade introspectiva, ele se impôs como líder desde a época de estudante, tomando parte em vários trabalhos culturais e jurídicos. Bacharel em Direito, nunca exerceu a profissão, dedicando-se somente à literatura. Em 1927 inicia suas atividades literárias colaborando em A Ordem, órgão do Centro D. Vital, bem como em diversas outras revistas literárias e políticas.

O ensaísta de Maquiavel e o Brasil (1931), Destino do socialismo (1933) e

Dois poetas (1935), logo cede lugar ao romancista, em cujo estilo predominam a análise das idéias e dos acontecimentos sociais. Em 1937, Octávio de Faria publica seu primeiro romance, intitulado Mundos mortos, ponto de partida para o grande projeto literário A

tragédia burguesa. Dos vinte volumes projetados, apenas treze foram publicados. O escritor apresenta, na Tragédia burguesa, um painel da vida carioca, mesclando os problemas sociais do processo de formação da burguesia aos grandes problemas do homem. Trata-se de uma obra que se destaca pela continuidade, exploração psicológica dos tipos e entrosamento familiar, comparável apenas à Comédia humana de Balzac.

Quanto a Lúcio Cardoso, este inicia sua carreira com a publicação de Maleita, apenas possível devido às suas relações com Augusto Frederico Schmidt, que se lançava como editor. Nesse primeiro romance revela-se o pendor do autor para a criação de atmosferas de pesadelo mas, com a publicação, em 1936, de A Luz no Subsolo, o escritor define-se pelo romance de sondagem interior.

Lúcio manteve-se até à morte ligado a alguns escritores que, na década de 30, eram denominados pela crítica espiritualistas e católicos, entre eles Otávio de Faria e Cornélio Penna, sendo o último o que dele mais se aproxima, como podemos constatar nas palavras de Bosi:

Lúcio Cardoso e Cornélio Penna foram talvez os únicos narradores brasileiros da década de 30 capazes de aproveitar sugestões do surrealismo sem perder de vista a paisagem moral da província que entra como clima nos seus romances. A decadência das velhas fazendas e a modorra dos burgos interioranos compõem atmosferas imóveis e pesadas onde se moverão aquelas suas criaturas insólitas, oprimidas por angústias e fixações que o destino afinal consumará em atos imediatamente gratuitos, mas necessários dentro da lógica poética da trama. O leitor estranha, à primeira leitura, certa imotivação na conduta das personagens. É que os vínculos rotineiros de causa e efeito estão afrouxados nesse tipo de narrativa, já distante do mero relato psicológico. Lúcio Cardoso não é um memorialista, mas um inventor de totalidades existenciais. Não faz elencos de atitudes ilhadas: postula estados globais, religiosos, de graça e de pecado. (BOSI, 1972, p. 414)

Bosi sintetiza aqui o estilo de Lúcio Cardoso, apontando a característica das obras. Em seguida, o crítico ressalta a superação do romancista ao dedicar-se a reconstrução de um clima de morbidez envolvendo os ambientes e os seres. A Crônica da Casa

Assassinada, de 1959, revela as angústias de um amor que se crê incestuoso; nesse romance, cuja estrutura é semelhante a de Le voyageur sur la terre, de Julien Green, nos deparamos

com cartas, diários e confissões das pessoas que conheceram a protagonista. A coexistência destas formas de escrita caracterizam ambos os livros.

Segundo Bosi, ao redigir a Crônica da Casa Assassinada, Lúcio caminhava para uma forma complexa de romance em que o introspectivo, o atmosférico e o sensorial não mais se justapõem mas se combinam como uma escritura cerrada, capaz de converter o descritivo em onírico e adensar o psicológico no existencial.

Vejamos agora Cornélio Penna, cuja obra constitui-se parte do corpus deste trabalho. A identidade literária do escritor vem de sua infância, pois daí nasce a principal marca de suas obras; são as informações recebidas durante este período que, além de moldar sua personalidade, darão forma a seu estilo.

Cornélio Penna usará a cidade de seus avós, onde passou parte da infância, como cenário para seus enredos. A esse cenário unem-se fatos reais acontecidos na época em que se passa a história, como a Revolução da Armada, e, ainda o clima de mistério sugerido pelas cidades mineiras, o que fortalece o clima gótico de sua obra.

Os que se deparam com a obra de Cornélio Penna, sempre questionam esse total desconhecimento em relação ao escritor. Apesar de seu estilo renovador e audacioso, trata-se de um autor pouco lido, e, praticamente, esquecido na atualidade. A crítica, de modo geral, coloca algumas razões para tal esquecimento. Bueno (1996), por exemplo, aponta como principal razão do desprestígio literário de Cornélio Penna o fato de o escritor ter feito sua estréia literária na década de trinta, época de domínio do romance social de corte regionalista. Lembra, também, que ser identificado como católico, quando nos meios intelectuais brasileiros, não era rara a confusão entre "catolicismo" e "carolismo", talvez tenha agravado a situação de Cornélio Penna. Nesse sentido, convém recordar que a década de 30 foi um período político conturbado. Como aponta Carone (1991), com a crise de 1929 e a revolução de 1930, a sociedade brasileira transformou-se e a radicalização social tornou-se característica

do momento. Enquanto na década de 20 a classe operária e a classe média se consolidam e procuram novos objetivos, nas posteriores, elas tentam alcançar o poder por meio da força.

Esse período de nossa história teve como fato mais marcante a Revolução de 30, desencadeada em decorrência de vários fatores: por um lado, a emergência de uma classe média, a do tenentismo e a do movimento operário, descontentes com a República Velha; por outro, os demais Estados da Federação estavam insatisfeitos com a exclusão imposta por São Paulo e Minas. Havia, ainda, os outros setores econômicos - charqueadores, produtores de açúcar, de cacau, de borracha, de arroz, os industriais, etc. - que não viam com bons olhos a política de priorização do café.

Mesmo os membros da situação começaram a desentender-se desde o início da década, o que culminou “no racha” das oligarquias para a sucessão de 30. De um lado, na Aliança Liberal, Getúlio Vargas; do outro, na Concentração Conservadora, Júlio Prestes, que foi eleito.

Cornélio Penna, nessa época, tinha amizade com um grupo de escritores formado por Tristão de Athayde, Lúcio Cardoso e Octávio de Faria que não era bem visto politicamente, devido a ligação com o Integralismo, muito identificado com o fascismo. Talvez isso tenha dificultado a ascensão de Cornélio Penna enquanto escritor, conforme podemos constatar abaixo:

Roberto Schwarz apontou certa vez que, nos anos 60, a despeito de estarmos numa ditadura de direita, o pensamento de esquerda dominou a intelectualidade brasileira. Coincidiu com esse período o início do esquecimento da obra de Cornélio Penna: ainda em 1958 ela era considerada suficientemente relevante para merecer uma edição integral pela Aguilar. É certo que contribuiu muito para esse esquecimento o fato de o autor de Fronteira ter sido católico e próximo a artistas de ligação histórica com o pensamento político mais reacionário (bastaria lembrar o Otávio de Faria dos anos 30 e 40). (BUENO, 1998, p. 6)

Ainda sobre esta questão de esquecimento e censura é interessante lembrar um fato narrado por Luiz Costa Lima (1991) em Pensando nos trópicos. Ele comenta que um artigo seu sobre Cornélio Penna não foi publicado por ter sido censurado, ou seja, a sina do escritor refletia-se sobre aqueles que tentavam recuperar sua memória.

Outro crítico a discutir esta questão do envolvimento político de Cornélio Penna, porém sob uma perspectiva mais estrutural do que poética, é Adonias Filho. Para ele, a "linguagem" tem uma posição dominante na obra e à sombra dela fundem-se ficcionista e escritor que se completam na sua homogeneidade. Para o crítico, outro fator de extrema importância é a "mensagem" do romancista:

Pode-se assegurar que, em obra novelística como a de Cornélio Penna, não será difícil o reconhecimento crítico da mensagem. Inteiriça, como acabamos de verificar, - no processo técnico de construção, na problemática especulativa, na linguagem como um elemento clássico, - projeta-se na mensagem como em um campo aberto. Na mensagem, e porque estabelece as relações entre a obra novelística, seu momento histórico e a literatura brasileira, é que se deve buscar a própria significação dos romances. (ADONIAS FILHO, 1958, p. 15-16)

A essas palavras seguem-se seis capítulos. O primeiro trata do envolvimento, em termos político e social, do escritor com sua época, ressaltando sua participação ativa na História. Cornélio Penna fez parte de uma geração revolucionária, herdeira das conseqüências da primeira guerra mundial e que se dividiu em três círculos: político, militar e intelectual, tendo como objetivo comum a reforma nacional. Apesar de se abrir em aspectos distintos, trata-se de um único movimento, cujo traço é o nativismo. Os círculos político e militar serão os responsáveis pela série de movimentos armados que se iniciam em 1922 e atingem seu

auge com a revolução de 1930. No círculo intelectual, haverá a "revolução modernista" que prosseguiu até 1930.

Após a vitória das duas revoluções, em 1930, inicia-se o que Adonias Filho designa "a fase construtiva" da arte: "É a partir desse ano, ao lado da reforma da organização política, que as conseqüências modernistas se convertem em experiências literárias e plásticas assegurando nova configuração à poesia, à ficção em prosa, à arquitetura, à escultura, e à pintura" (Ibid., p.19).

Cornélio Penna participa das duas fases, a anterior e a posterior a 1930, atuando plenamente e servindo-se de seu trabalho para condenar o conformismo das gerações anteriores.

O crítico aponta, ainda, um fator que justifique, talvez, a importância de Cornélio Penna para a literatura brasileira. Ele salienta que, enquanto todos os seus companheiros de geração literária ampliavam o documentário (sobretudo no círculo nordestino) e o realismo psicológico (sobretudo no círculo sulista), Cornélio Penna seguia por um caminho diferente: "É a partir de Fronteira que a renovação se inicia. O romancista, desprezando a revolução lingüística – e na linguagem estabelecendo o contato com o romance superado – ingressa no território temático para enriquecê-lo com um novo afluente" (Ibid., p. 21).

O mesmo ocorre na França com Julien Green que rompe com o modismo literário da época e adentra no que a crítica literária francesa designou pré-existencialismo.

Além do rompimento com os estilos dominantes, Cornélio Penna e Julien Green buscam inspiração em lembranças da infância. Ambos encontram na memória do passado temas ou ambientes para a composição de seus romances.

Adonias Filho narra o que o próprio Cornélio Penna lhe contara sobre a criação de seus romances. O escritor ouvia as histórias de Itabira, de Pindamonhangaba, das fazendas

de seu avós e tios, e guardava todas elas em sua memória; depois, aqueles episódios aparentemente desconexos eram ligados por um fio condutor inventado. Foi por não encontrar quem escrevesse suas histórias que Cornélio Penna tentou produzir seus textos.

Fronteira e Dois romances de Nico Horta teriam sido apenas confidências murmuradas a medo, o medo que Cornélio Penna sentia sob o domínio de algo muito maior do que a sua inteligência:

Não é sem sofrimento, sem tristeza, sem recuos, dúvidas e escrúpulos que dou forma a tudo que me vem, pois sei que tudo será diminuído e