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Todorov (1975), ao classificar os temas do fantástico, separa-os em dois grupos: os “temas do eu” e os “temas do tu”, o primeiro tem como princípio norteador a problemática do limite entre matéria e espírito, compreendendo a multiplicação das personalidades (o duplo), a ruptura do limite entre sujeito e objeto e a transformação do tempo e do espaço (o tempo psicológico corresponde aqui com o universo psicótico). O segundo, “temas do tu”, têm como princípio norteador o desejo sexual, que compreendem o diabo e a libido (afirmação da sexualidade vs negação da religiosidade, ou vice-versa), o incesto (transformações do desejo), o homossexualismo (indefinição sexual), o sadismo (crueldade, torturas) e a morte (conseqüência natural dessa cadeia de temas).

Louis Vax (1974) também alinha vários temas do fantástico, em L'art et la

littérature fantastique, desdobrando-os em: a) "as fronteiras do fantástico": feérico (encantado, maravilhoso), as superstições populares, o horrível, o macabro, a literatura policial, o trágico, o humor, a utopia, a alegoria, a fábula, o ocultismo, a psiquiatria, a psicanálise, a metafísica; e b) "alguns motivos fantásticos": lobo, vampiro, as partes separadas do corpo humano, os distúrbios da personalidade, os jogos do visível e do invisível, as alterações da causalidade do espaço e do tempo, a regressão.

Penna e Green inserem em seus textos alguns desses elementos podemos constatar que tanto os temas do “eu” quanto os temas do “tu”, mesclados aos elementos do fantástico apontados por Vax, são sutilmente sugeridos pelos dois autores.

Nesta fase do trabalho, destacaremos a questão do duplo, pois a partir desse elemento os outros surgem como conseqüência das complicações causadas pelo primeiro.

Em Le voyageur sur la terre, Green coloca a questão aos poucos e o leitor só perceberá a problemática no final da obra. No início, o autor nos narra o encontro de Daniel e seu duplo com a mesma naturalidade que narraria o encontro de uma personagem com outra:

O desconhecido me cumprimentou com a cabeça. Ele era alto e vestia-se com muita simplicidade com um terno azul-escuro de corte antigo. Seu rosto era duro e voluntarioso. Parecia mais velho que eu e, logo de início, acreditei que o conhecia sem poder me lembrar onde eu já o havia visto. Surpreendi-me em não ter escutado sua aproximação.

[...]

— Aposto que você está aqui duas semanas adiantado e que você acabou de saber disso. Estou enganado?

Fiz um sinal com a cabeça.

— Adivinhei sem dificuldade, ele continuou, porque estou na mesma situação. Mas estou vendo que você nem mesmo encontrou um quarto, ele disse, olhando minha mala. Eu também não. Você quer que procuremos um quarto juntos?

[...]

Hesitei por um instante. Pareceu-me, de repente, que muitas coisas dependiam de minha resposta, mas o estranho tinha um olhar honesto que me levou a decidir favoravelmente. Eu estava, além do mais, feliz por encontrar alguém tão gentil em um lugar em que não conhecia ninguém. (GREEN, 1997, p. 37-38, Tradução nossa)47

47L'inconnu me salua en inclinant la tête. Il était grand et vêtu avec beaucoup de simplicité d'un costume bleu

foncé, taillé à l'ancienne mode. Son visage était dur et volontaire. Il paraissait plus âgé que moi et tout d'abord je crus que je le connaissais sans pouvoir me rappeler où je l'avais vu.

Je m'étonnai de ne pas l'avoir entendu s'approcher. [...]

— Je devine que vous êtes ici en avance de deux semaines et que vous venez de l'apprendre. Est-ce que je me trompe?

Je fis un signe de tête.

— Je l'ai deviné sans peine, reprit-il, parce que je suis dans le même cas. Mais je vois que vous n'avez pas même trouvé une chambre, dit-il en regardant ma valise. Moi non plus. Voulez-vous que nous en cherchions une ensemble?

Neste primeiro encontro de Daniel com seu novo amigo não é possível ao leitor perceber a importância deste fato na vida do jovem. Ele acabava de fazer o primeiro contato com aquele que viria a ser seu mártir.

Sem se dar conta do mal que a amizade representava, Daniel vai aos poucos deixando-se encantar pelo outro, talvez devido à necessidade de um apoio, de alguém para escutá-lo:

Seus traços são irregulares e grosseiros; entretanto há algo de tão singular em seu olhar, algo tão calmo e ao mesmo tempo tão terrível, que parece que seu rosto brilha. Sinto que ele não pode nem se enganar nem fazer o mal. Sinto além disso que, sem me desprezar, ele vê toda a fragilidade que há em mim, que ele é o único que pode me guiar. (Ibid., p. 54-55, Tradução nossa)48

Como por um encantamento, o ser diante de Daniel consegue conquistar o rapaz e este passa a vê-lo como um guia. Rapidamente, Paul tem para si toda a atenção do jovem, que deposita nele sua confiança e de quem passa a depender totalmente. Fatos estranhos, no entanto começam a ocorrer. Após conquistar a amizade de Daniel, o outro partirá sem explicações, deixando-lhe apenas um bilhete:

Ao acender a lâmpada, encontrei sobre a mesa um bilhete assinado com o nome Paul. Eu o li e o deixei cair logo em seguida. Ele continha estas

J'hésitai un instant. Il me sembla tout à coup que beaucoup de choses dépendaient de ma réponse, mais l'étranger avait un regard honnête qui me décida. J'étais, de plus, heureux de trouver quelqu'un d'aussi obligeant dans un endroit où je ne connaissais personne.

48Ses traits sont irréguliers et massifs; cependant il y a quelque chose de si singulier dans son regard, quelque

chose de si calme et de si terrible, qu'il semble que son visage rayonne. Je sens qu'il ne peut ni se tromper ni faire le mal. Je sens de plus que, sans me mépriser, il voit toute la faiblesse qu'il y a en moi, et qu'il est seul à pouvoir me guider.

palavras: virá alguém forte que cuidará de você e que o conduzirá em todos os caminhos de sua vida, se você não oferecer resistência a ele. (Ibid., p. 57, Tradução nossa)49

As palavras de Paul sugerem um tom profético, como se anunciassem a vinda do Profeta, conforme consta no texto bíblico: "Como está escrito no profeta Isaías: Eu envio meu anjo diante da tua face, o qual preparará o teu caminho" (Marcos 1, 2), ou ainda, "Eu lhes suscitarei um profeta do meio de seus irmãos, semelhante a ti; porei as minhas palavras na sua boca, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar" (Deuteronômio 18, 15).

A figura enigmática de Paul, assim como outras tomadas ao conjunto da obra de Green, será interpretada de várias maneiras pela crítica. Barcellos, por exemplo, associa a personagem ao que ele designa homoerotismo:

Em The Apprentice Psychiatrist (1920), Christine (1924), Léviathan (1926),

Les clefs de la mort (1927) e Le voyageur sur la terre (1927), a figura do outro aparece sempre envolta em mistério e ambigüidade, chegando muitas vezes a pôr em crise a subjetividade do personagem central. Seria legítimo e defensável ler nesse mistério e nessa crise da subjetividade por ele provocada algum tipo de relação com o homoerotismo? É essa a nossa questão. (BARCELLOS, 2001, p. 122)

O crítico considera ser Le voyageur sur la terre, o mais bem acabado de todos os textos de Green, pois nesta obra o romancista melhor articula o enigma, o mistério, a fascinação pelo outro, a crise da subjetividade, o desdobramento da personalidade e a loucura.

Ao abordar a relação de Daniel com Paul, Barcellos constata elementos da literatura fantástica:

49 En allumant la lampe je trouvai sur la table un billet signé du nom de Paul. Je le lus, le laissai retomber

aussitôt. Il contenait ces mots: Il viendra quelqu'un de fort qui te prendra sous sa garde et te conduira dans tous

Na narrativa de Daniel, assim que ele chega a Fairfaix, poucos dias antes de sua morte, trava conhecimento com um rapaz, Paul, com quem desenvolve uma relação de camaradagem; para os outros personagens, porém, esse rapaz simplesmente parece não existir: algumas cenas narradas por Daniel, em que ele está em companhia de Paul, são narradas também por outros personagens, mas, nelas, Daniel está só. Como se vê, trata-se de um exemplo acabado de literatura fantástica, em que o leitor se mantém indeciso entre várias hipóteses naturais e sobrenaturais de reconstituição do plano diegético. (Ibid., p. 126)

O estudo de Barcellos, portanto, comprova nossas colocações e amplia ainda mais a questão do duplo em outro sentido, o da homossexualidade. Para o crítico, é possível notar que na atração de Daniel por Paul insinua-se um componente erótico; o momento em que isto fica mais evidente figura nesta passagem:

Seu rosto tinha um ar tão calmo e tão firme que tive prazer em contemplá- lo nesse momento de incerteza. Percebi que minha tristeza de momentos antes se devia talvez por sua ausência, pois ao vê-lo retomei coragem e lhe agradeci por ter vindo. [...] Tinha também a impressão de que minha vida, ou melhor, uma parte entediante e medíocre de minha vida, chegava ao fim, e que uma outra, mais feliz e mais ativa, ia começar nessa mesma noite. Entretanto, não podia acusar a mim mesmo de nenhuma falta grave, mas isso precisamente me parecia como um erro, uma espécie de pecado de omissão. (GREEN, 1997, p. 45, Tradução nossa)50

Vemos o próprio Daniel por em dúvida sua sexualidade ao mencionar o prazer que sentia ao observar e sentir a presença do outro. Também para o crítico não fica claro

50Son visage avait un air si calme et si ferme que je pris plaisir à le regarder dans ce moment d’incertitude. Je

me rendis compte que ma tristesse de tout à l’heure était peut-être due à son absence, car je repris courage en le voyant et je le remerciai d’être venu. [...] Il me semblait aussi que ma vie, ou plutôt une partie ennuyeuse et médiocre de ma vie, prenait fin et qu’une autre, plus heureuse et plus active, allait commencer ce soir même. Cependant je ne pouvais m’accuser d’aucune faute grave, mais cela précisément m’apparaissait comme une faute, comme une espèce de péché d’omission.

quem seria este outro, se um fantasma, um demônio, um desdobramento da personalidade de Daniel, uma alucinação de sua mente doentia, ou apenas o companheiro que ele gostaria de ter e que a sociedade se recusa a ver. Barcellos acrescenta, ainda, que se não está clara nesta narrativa a tematização dos desejos, de comportamentos e identidades homoeróticas, é possível detectar nos textos de Green um processo sistemático de construção de lacunas, de silêncios, de pontos de indeterminação que ajudam a caracterizar opções estéticas na linha do fantástico.

Carolina Maia Gouvêa (1979), ao abordar a questão do "duplo", constata duplicidade das personagens cornelianas em relação aos seus próprios fantasmas interiores, assim como também a sexualidade em meio a um clima fantasmagórico. Sua análise levou-a a classificar Fronteira como "fantástico puro", no sentido de Todorov. Já Luiz Costa Lima (1976) desconsidera a presença do fantástico. O crítico também levantou a questão do "duplo", mas contrariamente a Gouvêa, para ele, a duplicidade das personagens é vista em relação à outra personagem, outro ser, real, talvez por ele não defender esse lado sobrenatural da obra. Para Luiz Costa Lima, esse duplo pode ser, ainda, conjuntivo, quando as personagens se aproximam (Maria e o Narrador) ou disjuntivo, quando as personagens se opõem (Maria e a viajante).

Em Fronteira, teremos um relacionamento parecido ao de Daniel e Paul: o narrador do diário encontra um amigo, o Sr. Martins, e desse relacionamento surgirá uma dependência, uma cumplicidade, uma atração que pode ser lida também como uma tendência à homossexualidade.

E eu trazia-o mesmo como uma presa, tal a intensa necessidade de ter ao meu lado um sentimento qualquer, uma vida que atentasse para mim, olhos ou mãos que me olhassem ou me deixassem neles tocar.

Eu caminhava precipitadamente, maquinalmente, e, quando parava, perdia- me em um torpor estranho, uma espécie de encantamento desesperado, todo

de calma, de incerteza, de sofrimentos vagos vividos outrora, de prazeres passados que acreditava completamente esquecidos.

A sensação de isolamento que me apertara as fontes todo o tempo, e que me sufocara entre as paredes do quarto, tinha despertado em mim o desejo irresistível de prender aquele vulto vulgar perto de mim, e ouvir a sua confissão banal, e sofrer o seu pobre sofrimento, para integrar-me nele, para fugir ao diálogo que se travara, sem solução possível, em minha mente. (PENNA, 1958, p. 87-88)

Se com Maria qualquer relacionamento parecia impossível em decorrência de sua missão, o narrador procura apoio e segurança em outra pessoa e tenta fugir de sua prisão. Lendo a passagem, observamos que, do mesmo modo como Daniel, aqui também o narrador fala de um encantamento em relação à personagem da qual ele se aproxima, o que desencadeará a cena da tentação, como aquela vivida por Cristo na montanha.

Quis fazer dele o meu companheiro, e dei-lhe o nome de amigo, e esqueci- me das outras pessoas que viviam ao meu lado, e que se afastaram, como figuras de um livro cuja página se voltasse.

Saíamos juntos e eu recordava-me em voz alta das horas de minha infância, cuja triste lembrança, a balançar na atmosfera pesada e febril, com a aproximação das grandes chuvas, me embalava dolorosamente. Percorria a montanha que dominava a cidade, e falava com a minha sombra, contando- me histórias intermináveis, tal como o fizera a criança que eu fora anos antes. (Ibid., p. 89)

Estranhamente, neste outro trecho, o narrador se refere ao outro como sua sombra e não mais o chama pelo nome: estaria ele realmente presente? Ou, como Paul, seria apenas uma alucinação?

Partindo da hipótese de que este outro possa ser um espírito maligno, então teremos um paralelo de três cenas repetidas, em obras diferentes, dos escritores aqui abordados. Em Fronteira temos a relação entre o narrador e o Sr. Martins; em Le voyageur

sur la terre teremos Daniel e Paul, e também podemos encontrar semelhante passagem em

Sous le soleil de Satan, de Bernanos.

Na obra de Bernanos, o jovem padre Donissan será tentado por uma estranha figura, um comerciante de cavalos. Como nesse texto o foco está no próprio Satanás, fica evidente ser o comerciante a figura do diabo que vem ele próprio à Terra para tentar o padre.

Em várias obras destes escritores católicos notamos que a cena da “tentação de Cristo” é reformulada e recolocada na narrativa sob ângulos diferentes. Temos, portanto, releituras da passagem bíblica sob diferentes olhares.

Ainda em Green e Penna podemos encontrar outros exemplos da problemática do duplo.

Cornélio Penna, em Dois romances de Nico Horta, expõe uma questão do duplo bem mais corriqueira e menos abstrata do que a tratada em Fronteira. Neste outro romance, teremos a imagem dos irmãos gêmeos que crescerão em clima de rivalidade. A mãe, Ana, casa-se pela segunda vez e deste casamento nascem os gêmeos a quem ela dá o nome do primeiro marido, Antônio, mais franzino, e ao outro, mais forte, dá o nome do marido atual, Pedro. O pequeno logo é apelidado Nico, e, em torno dele, se desenvolverá a narrativa. Tal denominação criará entre os gêmeos uma diferença marcada por uma hostilidade crescente e que pode ser constatada na passagem abaixo:

Nico, assim que perdeu Pedro de vista, correu para o seu quarto, livre da presença importuna da horrível companhia do irmão. [...] E pouco a pouco, abandonado pelo presente, mergulhou de novo em seu sonho. Os medos e as trevas, em silêncio, retomaram o antigo lugar à sua cabeceira. – De súbito, no meio delas, vozes estrondam. – Gritos, chamados, assobios, perseguem um homem que corre, ocultando o rosto. – Com surpresa, com frio terror ele se reconhece no fugitivo. (PENNA, 1958, p. 224)

Em decorrência do menosprezo dos pais por Nico, o menino passará a odiar o irmão, que mesmo sendo semelhante fisicamente terá em relação a ele uma diferença simbólica, e daí nascerá toda a problemática envolvendo os irmãos; a narrativa terá como solução final, assim como nos demais romances de Penna, a loucura e a morte.

Já Julien Green, em Se eu fosse você, ampliará a questão do duplo no campo do sobrenatural. Sua personagem principal, Fabien, ganhará o poder de se apossar do corpo de outras pessoas, chegando mesmo a agir como os donos dos corpos ocupados. O que, no início da narrativa, é apenas o desejo de um jovem escritor, logo concretiza-se para dar forma a esta problemática.

“Por que estou pensando em Blutaud?”, Fabien se perguntou mentalmente, folheando as páginas cobertas com sua letra nervosa. Leu algumas frases que lhe pareceram tortuosas, e então pensou que, para fazer de Blutaud personagem de um romance (se ele resolvesse) seria preciso se imaginar no lugar dele e até mesmo se transformar nele ... “tornar-se Blutaud”, disse Fabien em voz alta. Mas isso não estava em seu poder, menos ainda se tornar os desconhecidos que sonhava fazer viver no seu romance. Para isso seria preciso sair dele mesmo como quem sai de uma casa, em seguida usurpar a personalidade de outra pessoa, como quem se instala na casa vizinha, enfim, ver o universo com os olhos dos outros, expor ao vento outro rosto, outra forma, não ter mais nem a mesma boca, nem a mesma pele, nem as mesmas mãos... (GREEN, 1995, p. 18)

O romance que Fabien tenta escrever mas não consegue tomará forma em sua própria vida, e se de início parecia bom ser o outro, ter seus bens, sua família e sua vida; logo isto se tornará uma tortura, um martírio, e Fabien desejará voltar para seu próprio corpo, para sua própria vida. O poder de se apossar do corpo alheio lhe será dado por um velho chamado Brittomart, que o levará para um lugar bizarro.

– Esta noite, por um favor insigne, você receberá o dom de mudar sua personalidade por qualquer outra que quiser. Poderá ser o que escolher. Toda a experiência humana, espalhada à sua volta, é oferecida a você. De um ser ao outro, segundo o capricho da sua curiosidade, você viajará como o viajante que pára numa cidade o tempo necessário para desfrutar os prazeres ou satisfazer sua sede de saber. Só conhecerá o sofrimento que quiser conhecer e terá toda a felicidade possível. A humanidade será a boca através da qual saciará sua fome. Seus dedos, seu corpo, seu corção servirão para a dilatação imensa dos seus apetites. Fabien, eu lhe dou o mundo.

Tomou as mãos do jovem nas suas.

– Este é o dom supremo – murmurou. – Ousará aceitá-lo?

Fabien fechou os olhos. Uma nova força circulou nos seus braços, no seu peito.

– Eu aceito – sussurrou ele. (Ibid., p. 45)

Também a cena, acima descrita, se assemelha àquela da “tentação de Cristo”: o diabo oferecendo o mundo a Fabien. Contudo, nessa narrativa, Green mostrará um outro lado desse poder, pois o jovem cede à tentação, aceita a oferta e sofrerá todas as conseqüências do ato. Neste romance, mesmo mostrando uma história sobrenatural sobre a metamorfose de um ser, Green não deixará de lado sua religiosidade, pois Fabien viverá momentos em seu percurso cuja fé estará presente. Ele sentir-se-á culpado pelo seu egoísmo, por roubar o que não lhe pertence, e, ao final da narrativa buscará sua salvação, pedirá por um milagre:

Deixou-se cair numa cadeira e olhou entre duas colunas para o altar principal, cujos metais brilhavam vagamente. Via o braço de um candelabro, um grande crucifixo de cobre, um ramo de flores de bronze, objetos de uma magnificência banal que antigamente o comoviam, como tudo relacionado com a Igreja, mas isso fora há muito tempo. Hoje, para atiçar o fogo quase extinto da religião, precisava muito mais do que uma simples decoração sacra, precisava do favor excepcional de uma graça, quase um milagre, e era um milagre que ele pedia agora sob aquelas abóbadas cinzentas onde vagava o tédio, um milagre comparável à ressurreição de Lázaro, a ressurreição da alma, algo imenso em que ele quase não acreditava mais, que não sabia mais como pedir. (Ibid., p. 114)

Aqui a personagem principal vai buscar a salvação, arrependendo-se de seus pecados. Isso parece mostrar que o autor, independente da história narrada, não deixa de