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27 Termo de Abertura Registros de Batismo Santa Maria da Boca do Monte Mitra Diocesana de Santa Maria (1814-1822).

3.2 O COMPADRIO ENTRE OS GUARANIS MISSIONEIROS

Para o mundo ocidental cristão, o batismo é o primeiro dos sacramentos. Ele marca a entrada de uma pessoa para a vida cristã. Os primeiros registros que se tem notícia são datados do século XIV na região da atual Itália (SIRTORI, 2008). Assim como o matrimônio, o batismo ganhou uma tentativa de uniformidade nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, em 1707 (HAMEISTER, 2006). Desde então, passaram a ser produzidos com maior regularidade permitindo aos historiadores o uso destas fontes em diversas áreas da pesquisa histórica, sendo empregados métodos cada vez mais variados.

Para o Rio Grande do Sul, no entanto, praticamente não há estudos sobre compadrio entre os guaranis missioneiros. Com isso, torna-se necessário dialogar com outros trabalhos que tenham se ocupado do assunto, mas que, no entanto, não tratam de indígenas. É o caso de alguns estudos sobre compadrio na área da história da escravidão, por exemplo, que sugerem que o apadrinhamento pode revelar a existência de redes de reciprocidade e solidariedade entre os cativos (ENGEMANN, 2006). Outros estudos na mesma área detiveram-se no entendimento das hierarquias sociais a partir das relações de compadrio.29

Alguns destes trabalhos identificaram a existência de relações de dependência por parte de grupos subalternos, ligados de forma vertical, via compadrio, a grupos em uma condição social superior. Dentro destas prerrogativas, uma pessoa em condição social inferior (escravo, liberto, ou mesmo um branco) procuraria outro sujeito melhor colocado socialmente para batizar seu filho. Estes estudos mostram também que os padrinhos deveriam estar no mínimo em condição social equivalente a de seu compadre (HAMEISTER, 2006; BRÜGGER, 2007). Não haveria, portanto, relações de compadrio entre alguém, bem colocado em uma sociedade, entregando seu filho a um padrinho inferior socialmente.

No caso dos indígenas da Capela de Santa Maria, ocorreram estes dois tipos de relações, vertical e horizontal, além de, possivelmente, ter existido redes de solidariedade como se verá em seguida. As relações de compadrio, verticais, aconteceram entre luso- brasileiros e indígenas e, as horizontais, entre os próprios indígenas. Houve também situações em que os guaranis tiveram escravos como compadres. Contudo, não podemos considerar os guaranis como grupo homogêneo. Embora constituíssem uma categoria social frente ao mundo luso-brasileiro havia diversidade étnica entre estes indígenas, como já foi demonstrado anteriormente. Por esta razão, muito possivelmente, escolhiam seus cônjuges entre aqueles

29 Ver estudos recentes acerca do compadrio e hierarquia social em: (HAMEISTER, 2006; BRÜGGER, 2007;

que compartilhavam um mesmo tecido social, étnico e, também, cotidiano. O compadrio entre os guaranis missioneiros, possivelmente, também seguisse estas três variáveis.

Um bom compadre, para estes, deveria ser “índio”. Os dados deste estudo indicam que havia maior preferência, entre os guaranis missioneiros, por padrinhos indígenas. Separando os padrinhos pelo atributo “cor da pele”, encontra-se 215 registros (55%) de um total de 393 assentos (100%), que possuem madrinhas indígenas, como é possível notar no gráfico “7”.

Gráfico 7: Distribuição Geral de Padrinhos e Madrinhas Quanto a Cor da Pele Entre os Guaranis Missioneiros (Capela de Santa Maria, 1814-1822)

Fonte: Registros de Batismo. Santa Maria da Boca do Monte. Mitra Diocesana de Santa Maria (1814-1822). Como mostra o gráfico “7”, as madrinhas indígenas estiveram presentes na maioria das cerimônias batismais da Capela de Santa Maria. Foram requisitadas com muito mais frequência do que os homens, tanto luso-brasileiros quanto guaranis. O padrão de compadrio aqui encontrado é semelhante ao que houve em Paraíba do Sul (1872-1888) e Campo dos Goitacazes (1754-1766). Estas duas pesquisas mostram um padrão preferencial de madrinhas escravas entre cativos. Estudados por Ana Lugão (Paraíba do Sul) Silvia Brügger (Campo dos Goitacazes), respectivamente, estas pesquisas oferecem como explicativa a este padrão o fato destas madrinhas desempenharem importante papel na criação dos afilhados, por isso, sua representatividade majoritária nos batismos (apud: BRÜGGER, 2007).

Parece ser válido empreender raciocínio semelhante em relação às madrinhas guaranis da Capela de Santa Maria. Pelo fato de ter existido uma aldeia no local, possivelmente essas mulheres tenham construído uma complexa rede de solidariedade entre as residentes na aldeia. Além disso, os dados expressam endogenia entre os guaranis mostrando, ao que tudo

0 50 100 150 200 250 padrinho madrinha branco índio escravos

indica, que o compadrio se fazia entre os moradores da aldeia. Entre os homens e mulheres que apadrinharam “índios”, por exemplo, verifica-se que em 167 assentos (43% dos registros) possuem padrinhos casados. Entre estes, 36 casais são “brancos” e 83 são casais indígenas.30

Há três registros que apresentam padrinho “branco” casado com madrinha “índia”. Já entre os “índios” casados, todas as madrinhas são “índias”. Os números mostram que havia uma preferência por padrinhos indígenas. Podemos pensar, com base nestes dados, que os indígenas da aldeia de Santa Maria da Boca do Monte estabeleciam relações sociais, em maior grau, com outros indígenas.

A partir disto, podemos efetuar inúmeras perguntas, como por exemplo, de qual forma os indígenas da aldeia de Santa Maria estavam integrados ao restante da sociedade? Nossas fontes, evidentemente, não exemplificam com clareza este processo. Todavia, o questionamento em torno da integração torna-se latente quando nos defrontamos com os dados extraídos a partir das relações de compadrio, mantidas pelos guaranis missioneiros. O gráfico “6” nos mostra dados genéricos e, assim, pensamos em dissecar estes números em busca de outros padrões.

Foi possível separar os registros de batismo entre os guaranis em dois grupos: os registros com filhos legítimos e os com filhos ilegítimos. Pretendíamos, com isso, verificar se haveria variação na escolha de padrinhos entre os indígenas. Podemos notar que, no que diz respeito aos filhos legítimos, os padrinhos indígenas compõem a ampla maioria nos registros. Entre os filhos ilegítimos nota-se o crescimento dos padrinhos brancos. Entretanto, permanece o padrão de preferência por madrinhas indígenas. Em todas as situações as madrinhas indígenas compõem a maioria numérica. Isso reforça o argumento sobre a existência de uma rede de solidariedade entre as mulheres guaranis.

Há uma variação quanto aos padrinhos “índios” e “brancos”. Nos registros de filhos legítimos os homens indígenas apadrinham mais que os “brancos”. Entre os filhos ilegítimos são os homens “brancos” que possuem maior preferência. Nota-se que as madrinhas “brancas” eram bem menos requisitadas entre os filhos legítimos. Já entre os ilegítimos as madrinhas “brancas” chegam a ultrapassar o número de padrinhos indígenas, como é possível notar nos gráficos a seguir:

30 Estes números foram obtidos entre os 119 registros possíveis de se verificar a cor dos padrinhos casados. O

Gráfico 8: Distribuição de Padrinhos entre Filhos Legítimos entre os Guaranis Missioneiros

(Capela de Santa Maria, 1814-1822)

Fonte: Registros de Batismo. Santa Maria da Boca do Monte. Mitra Diocesana de Santa Maria (1814-1822).

Gráfico 9: Distribuição de Padrinhos entre Filhos Ilegítimos entre os Guaranis Missioneiros

(Capela de Santa Maria, 1814-1822)

Fonte: Registros de Batismo. Santa Maria da Boca do Monte. Mitra Diocesana de Santa Maria (1814-1822). 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 madrinha padrinho índio branco 0 20 40 60 80 100 120 madrinha padrinho índio branco

Com base nos gráficos “8” e “9”, nota-se que os padrinhos e madrinhas de cor “branca” possuem maior representatividade entre os registros de filhos ilegítimos. Assim, podemos relacionar a ilegitimidade com a maior presença de padrinhos brancos nas cerimônias batismais. Pensando no compadrio como consequência de uma relação “pré- estabelecida”, supõe-se que as mães indígenas, com filhos considerados ilegítimos, estavam em maior contato com a sociedade “branca”, se comparado com os indígenas pais de filhos legítimos. Neste sentido, parece ser coerente pensar que havia indígenas que viviam nos limites estabelecidos da aldeia e outros, no caso destas mulheres mães de filhos ilegítimos (mães solteiras), que viviam em contato constante com mundo fora da aldeia.

Isto se torna inteligível, a partir dos registros em que o Cura discriminou algumas mães, geralmente solteiras, como agregadas de outras pessoas. Não sabemos a razão de estas mulheres viverem como agregadas. Talvez fossem recém chegadas ao povoado de Santa Maria, ou ainda, por algum motivo, não fossem aceitas pelos indígenas da aldeia. Contudo, as questões ligadas à ilegitimidade entre os guaranis missioneiros permanecem na penumbra.

Os registros de batismo, porém, oferecem um esboço da realidade histórica dos confins meridionais do Brasil colonial. Através do compadrio percebemos que havia indígenas participando de uma mesma coletividade social dentro da aldeia, seguindo certa endogenia, e outros que viviam dispersos. Mesmo entre estas mulheres, agregadas e dispersas pela região da Capela de Santa Maria, podemos perceber que a preferência por madrinha “índia” permanecia.

As mães de filhos ilegítimos mantinham relações sociais com “índios” e, também, com brancos. É possível notar que os padrinhos “índios” e “brancos” quase se equiparam no grupo dos ilegítimos (gráfico VIII). Todavia o padrão de escolha reside em madrinha indígena, prioritariamente. É necessário indagar-se: por que as madrinhas indígenas eram escolhidas? Estudos referentes às relações de compadrio no Brasil mostram padrões diferentes dos que encontramos em nossa pesquisa.

Silvia Brügger (2007) analisou as relações de compadrio em São João del Rei, entre os anos de 1736-1850. Em seus estudos, Brügger concluiu que as relações de compadrio para aquele contexto histórico, funcionavam como estabelecimento de relações clientelísticas, devido a muitos padrinhos possuírem distintivos sociais, como patentes militares e sacerdócio. Estes homens eram os mais requisitados em São João del Rei e, com isso, Brügger destaca que nas relações de compadrio, havia preferência por pessoas bem colocadas socialmente, caracterizando a relação de um inferior escolhendo para padrinho alguém superior socialmente.

Entre todos os 393 registros pertencentes a indígenas estudados em nossa pesquisa, apenas 18 deles apresentam padrinhos com distintivos sociais. Destacamos o nome de um Alferes chamado André Ribeiro de Córdova, requisitado em 10 cerimônias batismais. Entre todos os padrinhos, o nome deste Alferes foi o que mais se repetiu. Entre os padrinhos indígenas fica difícil identificar os padrinhos devido aos homônimos. Felipe Santiago, por exemplo, é o nome que mais se repete entre os padrinhos, no entanto, não se trata da mesma pessoa, aparentemente. Há três destes registros que este nome aparece acompanhado, sempre com nomes de madrinhas diferentes, dizendo: padrinhos casados. No restante dos registros, envolvendo o nome Felipe Santiago, aparece como: padrinho solteiro.

Em um primeiro momento, podemos considerar que os indígenas da aldeia de Santa Maria escolhiam, em sua maioria, pessoas de uma mesma condição social para oferecer seus filhos como afilhados. Os homens “brancos”; livres e possuidores de distintivos sociais, podemos considerar uma alternativa residual em representatividade e números absolutos, mas não menos importantes. Embora a ampla maioria dos padrinhos fosse indígena, podemos perceber que a ilegitimidade oferecia brechas para a entrada de padrinhos e madrinhas luso- brasileiros. Neste sentido, podemos pensar em relações para cima, ou seja, de uma pessoa inferior procurando alguém em melhor condição social para ser o pai espiritual de seu filho; e que isso podia ser altamente desejável para um filho não resguardado socialmente pela legitimidade.

É interessante notar, também, que aldeia dos guaranis missioneiros parece ter servido aos préstimos militares dos luso-brasileiros. As evidências residem no nome de muitos padrinhos, como o próprio Capitão da aldeia, Ignacio de Miranda (por quê a aldeia teria um Capitão senão dentro dos interesses militares dos luso-brasileiros?). Outros registros trazem nomes como o de Manoel dos Santos Pedroso (Tenente-Coronel) – um dos líderes do movimento de tomada das Missões, em 1801 (GARCIA, 2007). Há também referências aos nomes do Tenente-Coronel Manoel Carneiro da Silva e Fontoura, Tenente-Coronel João Machado de Bittencourt e o Capitão José Machado Fagundes de Bittencourt. Entre estes, oito registros eram de filhos legítimos e nove de ilegítimos. Como já mencionamos anteriormente, acreditamos que o compadrio era a consequência de uma relação já existente entre os compadres. Neste sentido, os filhos legítimos apadrinhados por estes militares podem significar que os pais já tivessem cruzado o caminho do padrinho solicitado.

Por escolher um militar, talvez possamos imaginar que estes indígenas pudessem ter sido companheiros de armas destes militares, ajudando assim a escolha por este ou aquele padrinho. A existência de um Capitão na aldeia, reconhecido pelo cura da Capela de Santa

Maria, corrobora a idéia de que a aldeia composta pelos guaranis missioneiros possuía função de guarnecer a Capela, e fornecer contingente aos exércitos luso-brasileiros. Todavia, esta questão precisa ser melhor explorada, sendo necessário reunir informações de outras fontes. Entretanto, se pensarmos o contexto de fronteira onde a guerra era endêmica, não é de se espantar que os guaranis missioneiros da aldeia de Santa Maria participassem ativamente dos embates, durante o século XIX.

A guerra era uma situação comum que proporcionava proximidade social entre os agentes sociais embebidos nela. Contudo, parece ser necessário questionar-se a respeito do que realmente buscavam os guaranis missioneiros nas relações de compadrio. É preciso entender o universo valorativo dos indígenas missioneiros, percebendo quais qualidades apreciavam para considerar alguém apto a ser seu compadre. O fato de a maioria das relações de compadrio ser composta por padrinhos e, sobretudo, madrinhas indígenas nos permite pensar que os guaranis missioneiros apreciavam qualidades vistas, em maior parte, em outros indígenas.

Entre as mulheres, há referências para madrinhas “brancas” registradas com distintivo Dona. Estes assentos somam 11 situações entre todas as cerimônias de batismo ocorridas no período estudado. As madrinhas indígenas se destacam com o distintivo china. Mesmo sem saber ao certo o significado desta classificação social, no contexto fronteiriço do século XIX, estes registros somam 24 ocorrências. Destaca-se o nome Maria china, que se repetiu 6 vezes. Como podemos notar as chinas eram mais solicitadas que as Donas e, mais uma vez, podemos nos questionar com relação às qualidades apreciadas nestas mulheres.

Certamente, não podemos descartar a existência de relações clientelísticas envolvendo indígenas da aldeia e luso-brasileiros. Contudo, chamamos a atenção para as relações estabelecidas de indígena para indígena, e o questionamento em torno do significado destas relações. Sejam através do matrimônio, expressos pelo alto percentual de filhos legítimos, ou pela escolha acentuada de padrinhos indígenas. O amálgama destas informações traz á luz, um nível complexo de relações que carecem de maiores esclarecimentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como determina as regras de um trabalho acadêmico, esta parte da narrativa deveria apresentar os resultados obtidos pela pesquisa, bem como, a síntese de seu autor sobre o seu objeto de estudo. No entanto, as lacunas não preenchidas, observadas por esta pesquisa, proporcionam não um tom conclusivo e, sim, de resultados parciais. O processo histórico, narrado nas páginas anteriores, é parte de uma complexa realidade histórica, aqui representada sob o destaque temporal de oito anos (1814-1822), que envolveu diferentes grupos étnicos, e extratos sociais diversos, como atestam os registros paroquiais de batismo da Capela de Santa Maria da Boca do Monte.

A única afirmativa que poderia ser feita de forma categórica, por assim dizer, diz respeito à existência da aldeia indígena formada por guaranis, oriundos dos chamados Sete Povos das Missões, em Santa Maria da Boca do Monte. Contudo, ainda não há uma exata historicidade quanto à instalação destes indígenas nesta Capela, muito menos se sabe até quando permaneceram nela. Provavelmente, o processo de acomodação desta população tenha se estendido durante toda a primeira metade do século XIX, fazendo com que, constantemente, estes indígenas circulassem pelo território meridional.

Parte destes homens e mulheres instalou-se na Capela de Santa Maria, fazendo com que luso-brasileiros, escravos e indígenas, remanescentes missioneiros, formassem o cenário social da embrionária Santa Maria, em fins do período colonial. Embora, a excepcional condição fronteiriça da Capela, entre os domínios portugueses e os nascentes Estados da região platina, tenha colocado estes atores sociais em um mesmo plano geográfico; socialmente, não havia interação total entre estes. Os dados observados quanto à legitimidade, evidenciam a ausência de casamentos mistos entre luso-brasileiros e indígenas, em tese, reconhecidos pela Igreja.

Colocamo-nos frente à questão de integração de culturas distintas que na historiografia é colocada de forma naturalizada e pouco problematizada. O que esta pesquisa mostra, de forma concreta, é a existência de uma aldeia indígena, composta por guaranis das Missões, que teve sua historicidade reduzida a memórias e, portanto, passível de dúvida até então. Além de ter existido e, de ter deixado vestígios de sua existência, a aldeia mantinha contato com a sociedade luso-brasileira e, da mesma forma, submetida a ela. Fato que se comprova pela evidente ligação dos indígenas com o exército luso-brasileiro, observadas nas referencias a existência de um Capitão na aldeia como foi referido nos batismos e na carta do Juiz de Fora.

Entretanto, não podemos pensar, ainda, em integração. Além dos dados extraídos a partir da legitimidade, soma-se a eles o alto número de padrinhos indígenas e, sobretudo, de madrinhas, preferencialmente indígenas, entre os batizandos estudados. Embora o número de padrinhos luso-brasileiros não seja nada desprezível, podemos pensar que os indígenas buscassem estabelecer relações sociais em duas frentes. Uma seria de relações endógenas à aldeia e, a outra, seria de relações exógenas, mais precisamente junto aos luso-brasileiros. O fato de haver sujeitos (indígenas) classificados como andantes pelo padre, como foi demonstrado, nos leva a questão de poder ter havido indígenas que viveram fora da aldeia.

Juntando esta informação, com a ação conjunta dos indígenas deste povoado, narrada no ofício do Juiz Ordinário, podemos pensar que havia uma coletividade e, sobretudo, uma composição social indígena com seu conjunto de normativas próprias, em que talvez, estes andantes não fossem aceitos. Por esta razão haveria brechas para que os luso-brasileiros conseguissem estabelecer compadrio com estes indígenas. Neste sentido, os registros paroquiais apontam para uma possível tentativa de manutenção de um modo de vida próprio destes guaranis, no interior da sociedade luso-brasileira.

De maneira geral, esta pesquisa torna-se apenas um primeiro contato em meio à complexidade e dimensão da realidade histórica em questão, neste caso a Capela de Santa Maria. Neste sentido, chegamos a um estranho paradoxo: o de elaborar uma conclusão repleta de dúvidas. Para o leitor pode parecer confuso, porém, depois de expor nos dados, o número de perguntas aumenta, e quanto maior o número de perguntas, maior se torna a distância do observador até seu objeto, no sentido de saber cada vez menos sobre ele. Ainda não se sabe, por exemplo, o momento e condições de fundação da aldeia guarani. Não sabemos o porquê de estes indígenas instalarem-se na Capela de Santa Maria. Não sabemos quais eram suas relações com os oficiais do exército e, sobretudo, o que teria acontecido com estes indígenas? Entretanto, ainda que parcamente, os registros paroquiais de batismos mostram o tecido social existente nas cercanias da Capela de Santa Maria, evidenciando apenas um breve momento da vida daqueles sujeitos, ou seja, o de levar seus filhos para serem batizados. O batismo como fonte, pode ser entendido como uma “fotografia” daquele momento, elucidando ao pesquisador caminhos de sujeitos históricos que se cruzaram, como pode se ver pelo compadrio, e pelo número de filhos legítimos, trazendo um número considerável de relações estáveis e de endogenia entre os guaranis missioneiros.

Além disso, o estudo seriado dos registros batismais demonstra, preliminarmente, que houve diversos fluxos migratórios desta população em grupos como demonstra o padrão de

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