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3 GÊNERO SOCIAL E SEXUALIDADE EM DIÁLOGO COM A ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO PANORAMA TEÓRICO

3.1 DEFINIÇÃO DE GÊNERO/SEXUALIDADE

3.2.1 O conceito de Discurso

O termo discurso é conceituado sob inúmeras perspectivas, e nem mesmo a ACD tem uma abordagem única sobre o termo, como Maingueneau (1976, p.11) aprecia:

Contrariamente ao que se passa com outras áreas da linguística, a análise do discurso domina com muita dificuldade seu objeto; linguistas e não linguistas fazem do conceito de discurso um uso muitas vezes sem controle: enquanto alguns têm uma concepção muito restrita do termo, outros utilizam-no como sinônimo muito abrangente de ‘texto’ ou de ‘enunciado’.

Em razão da natureza polissêmica do termo, selecionamos as concepções as quais mais se harmonizam com os objetivos de nosso trabalho, realizando uma maior aproximação dos fundamentos da Teoria Social do Discurso, proposta teórico- metodológica da ACD desenvolvida por Norman Fairclough. Para esse estudioso, a definição de discurso compreende

considerar o uso da linguagem como forma de prática social e não como atividade puramente individual ou reflexo de variáveis situacionais. Isso tem várias implicações. Primeiro, implica ser o discurso como um modo de ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também um modo de representações (...). Segundo, implica uma relação dialética entre discurso e a estrutura social, existindo mais geralmente tal relação entre a prática social e a estrutura social: a última é tanto uma condição como um efeito da primeira (FAIRCLOUGH, 2001, p. 90-91).

Sendo a relação entre o discurso e a sociedade dialética, é exatamente o caráter de ação sobre as pessoas, o mundo e si próprio, que torna o discurso constitutivo da estrutura social, bem também como constituído “moldado e restringido” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 91) por esta. Em razão da repercussão social do

discurso, Fairclough se fundamenta na Linguística Sistêmico-Funcional de Halliday (1985), a qual estabelece três funções da linguagem: Identitária, que se relaciona à maneira pela qual as identidades são estabelecidas no discurso; a Relacional, modo como as relações sociais são representadas/negociadas e Ideacional, que se refere a como os textos significam o mundo, seus processos, entidades e relações.

Levando em consideração o aspecto contextual do discurso, Fairclough propõe em Discurso e Mudança Social (2001 [1992], p. 22) analisar o discurso simultaneamente como um texto, um exemplo de prática discursiva e um exemplo de prática social. Essa concepção tridimensional está ilustrada na figura a seguir:

A tridimensionalidade do discurso considera o texto como materialidade linguística, porém situando-o como parte da conjuntura social. O autor esclarece a diferença entre texto e discurso:

(...) discurso é o conjunto de afirmações que, articuladas na linguagem, expressamos valores e significados das diferentes instituições; o texto é a realização linguística na qual se manifesta o discurso. Enquanto o texto é uma entidade física, a produção linguística de um ou mais indivíduos, o discurso é o conjunto de princípios, valores e significados por trás do texto. Todo discurso é investido de ideologias. (FAIRCLOUGH, 2001).

A prática discursiva medeia a prática social e o evento discursivo, focalizando processos relacionados à produção, distribuição e consumo do texto, envolvendo, para isso, referências de ambientes econômicos, políticos e institucionais particulares, utilizando-se de “convenções que naturalizam relações de poder e ideologias particulares e as próprias convenções, e os modos como se articulam são um foco de luta” (FAIRCLOUGH , 2001, p. 94-95).

A prática social possui várias orientações, como econômica, política e cultural e se conecta às relações de poder, ideologia e hegemonia, as quais naturalizam as

assimetrias nas relações sociais. Assim, Gouveia (1997) detalha a perspectiva de interação entre linguagem e prática social, afirmando que

quando se encara a linguagem como discurso e como prática social, está se empenhando não apenas em analisar textos, não apenas em analisar processos de produção e de interpretação, mas em analisar as relações entre os textos, processos e suas condições sociais: tanto as condições imediatas do contexto situacional, como as condições, mais remotas, das estruturas institucionais e sociais (GOUVEIA, 1997, p. 263).

Apesar do modelo tridimensional proposto por Fairclough ter sido largamente utilizado, Resende e Ramalho (2011, p.29) relatam que o autor, juntamente com Chouliaraki (1999), aprimoraram esse modelo, pulverizando essas três dimensões na análise, fortalecendo a análise da prática social – a qual se tornou a mais privilegiada. Esse novo enquadre provocou um movimento do discurso para a prática social, tirando sua centralidade e tornando um momento das práticas sociais dentre outros, como relações sociais, poder, práticas materiais, crenças/valores/desejos, instituições/rituais. Dessa maneira, esses outros momentos igualmente importantes da prática social devem ser privilegiados na análise, aumentando o interesse dos analistas nas “práticas problemáticas decorrentes de relações exploratórias”, porque capta a relação dialética de articulação e internalização entre o discurso e esses outros elementos sociais (RESENDE e RAMALHO, 2011, p 37-39) Esse novo direcionamento metodológico está exposto na figura 2.

Fonte: Ramalho e Resende (2011, p. 106), com base em Fairclough (1999, p.60). Já na obra Discurso e Mudança Social (2001 [1999]), Fairclough chamava a atenção para o fato de que o discurso não é fonte do social, muito menos mero

reflexo da realidade social, já que os sujeitos podem contribuir com a manutenção das relações de dominação ou romper com estas. No entanto foi com a reavaliação do modelo metodológico da ACD, que Chouliaraki e Fairclough afirmaram a relevância de se reconhecer “a importância social do discurso, sem reduzir a vida social ao discurso”, ao ponto da prática social ter sido o tema central desse livro. (CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999). Em consonância com os autores, priorizamos esse enquadre no nosso trabalho por desejarmos ampliar a perspectiva da análise e abordar outros momentos das práticas sociais além do discurso, entendendo que essa abordagem é mais proveitosa para a temática de relações de gênero. No próximo tópico, abordaremos as noções de poder, ideologia e hegemonia, as quais são basilares para a nossa pesquisa.

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