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3 GÊNERO SOCIAL E SEXUALIDADE EM DIÁLOGO COM A ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO PANORAMA TEÓRICO

3.1 DEFINIÇÃO DE GÊNERO/SEXUALIDADE

3.2.2 Poder, ideologia e hegemonia

Para a ACD, o poder é uma preocupação central, na medida em que a linguagem é concebida como espaço de disputa, ou no dizer de Wodak (2004, p. 237), ela é “um meio articulado com precisão para construir diferenças de poder nas estruturas hierárquicas”. Isso se deve ao fato de que os grupos mais poderosos têm maior acesso discursivo aos meios de comunicação, desfrutando de maior oportunidade, portanto, de divulgar e fazer circular suas ideologias. O efeito desse domínio sob as estruturas sociais/discursivas é a disseminação ampla de princípios e valores convenientes a estes grupos, sendo reproduzidos/inculcados incessantemente em todos os domínios sociais, contribuindo para sua estabilização como convenção, pois “a linguagem não é poderosa em si mesma”, seu poder é atribuído aos usos que os atores sociais fazem dela (WODAK, 2004, p. 237).

A autora acrescenta ainda que, uma vez que as estruturas dominantes legitimam suas ideologias, os efeitos destas são “mascarados” e “tomados como dados” (idem, p. 226). Todo esse processo, de acordo com Falcone (2005, p.22), é tão bem organizado, controlado e “regido por esquemas rígidos, que dificultam a inserção de quem não faz parte destes grupos sociais”. Além de as instâncias de poder parecerem impenetráveis para sujeitos dominados, a aparente imobilidade de poder entre grupos sociais também é uma realidade nas sociedades, como Brandão (1995, p.32) pondera: “a produção desse discurso gerador de poder é controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certos procedimentos que têm por

função eliminar toda e qualquer ameaça à permanência desse poder”.

Uma vez que as estruturas de dominação tornam-se cristalizadas e naturalizadas, para Fairclough (2001, p.75) o poder presente em todas as práticas sociais cotidianas e em todos os níveis da vida social torna-se implícito, sendo tolerado apenas nessa condição. O autor explica, embasado nos estudos de Foucault, que o sucesso do poder “é proporcional à sua habilidade para esconder seus próprios mecanismos” (FOUCAULT, 1981, p. 86 apud FAIRCLOUGH 2001, p. 75), não funcionando de maneira forçada, nem sendo imposto de cima por grupos ou classes. O poder molda e reinstrumentaliza os sujeitos, para ajustá-los a suas necessidades.

No livro Discurso e Poder (2008), van Dijk aborda de maneira bem clara alguns aspectos do conceito de poder para a ACD, entre os quais está seu caráter persuasivo-manipulador nas sociedades modernas, que utiliza mais práticas discursivas/democráticas do que coerção. Integrando-se em instâncias mais amplas como leis, regras, normas, tradições e hábitos, o poder torna-se parte do senso comum, podendo, por tudo isso, incorrer em seu uso ilegítimo. Listaremos algumas das características de maior relevância da noção de poder na perspectiva da ACD por Dijk:

3.2.2.1 É considerado o poder social, isto é, o de grupos, classes ou instituições sociais e não o poder individual dos sujeitos; 3.2.2.2 O poder é exercido por meio de grupos que controlam ações e mentes de outros grupos, utilizando uma estrutura discursiva/ ideológica, garantida/legitimada pelo acesso discursivo e outros recursos sociais valorizados, como riqueza ou status;

3.2.2.3 A dominação raramente é absoluta, encontrando maior ou menor resistência entre os dominados.

(VAN DIJK, 2008, p. 88).

Se o poder raramente é absoluto, ou nas palavras de Foucault (1988a, p. 104- 105 ) “onde há poder, há resistência”, resistir é como uma “quebra de convenções, de práticas discursivas estáveis, através de atos de “criatividade” (FAIRCLOUGH e KRESS, 1993, p. 4), tendo em vista as já mencionadas estratégias de dominação naturalizadas nas práticas discursivas/sociais. É a partir dessa capacidade de resistir dos dominados que a ACD pretende atuar. Ao mesmo tempo em que as hierarquias sociais se utilizam da linguagem para consolidar relações de dominação, “a linguagem também pode ser usada para subverter o poder” (WODAK, 2004, p.237), estando a ACD interessada, como já mencionamos, em denunciar os mecanismos

de “reprodução do abuso de poder e da desigualdade social” (VAN DIJK, 2008) presentes no discurso, para que as assimetrias de poder possam torna-se visíveis aos olhos dos sujeitos, possibilitando-os a luta pela mudança social.

Desse modo chegamos ao conceito de ideologia, o qual é estudado em diferentes campos do conhecimento, por isso há diversidade de abordagens. Parece ser ponto pacífico a concepção de que as ideologias são significados gerados pelos grupos de poder e utilizados amplamente nas práticas discursivas/sociais, como nos discursos, para estabelecer/manter as relações de dominação. Eagleton (1997, p. 15) afirma que, para essas teorias que tentam conceituar o termo, “existem razões históricas específicas para que as pessoas passem a sentir, raciocinar, desejar e imaginar como o fazem”. A respeito da noção de ideologia, Fairclough (2001, p. 116- 117), em consonância com Thompson, esclarece:

Entendo que as ideologias são significações/construções da realidade (o mundo físico, as relações sociais, as identidades sociais) que são construídas em várias dimensões das formas/sentidos das práticas discursivas e que contribuem para a produção, a reprodução e transformação das relações de dominação.

Como já mencionamos, determinados usos da linguagem são naturalizados a serviço das relações de poder, atingindo o status de senso comum, para tornarem- se imperceptíveis aos sujeitos e assim, sustentarem relações de dominação, tornando-se ideológicos, portanto. No entanto, a proposta de Fairclough (2001, p.117) sobre o tema enfatiza a possibilidade de transformação/reestruturação das relações de dominação, por meio da luta ideológica para “remoldar as práticas discursivas e as ideologias nelas construídas”. Desse modo, os discursos particulares não têm valores políticos/ideológicos inerentes, mas sim investimentos políticos/ideológicos, percepção que reforça a natureza instável do poder e da ideologia. Isso quer dizer que, se os discursos e domínios institucionais podem ser investidos política e ideologicamente, também podem ser reinvestidos em outra direção. O autor explica como essa desconstrução ideológica pode se dar:

A ideologia é mais efetiva quando sua ação é menos visível.Se alguém se torna consciente de que um determinado aspecto do senso comum que sustenta desigualdades de poder em detrimento de si próprio, aquele aspecto deixa de ser senso comum e pode perder a potencialidade de sustentar desigualdades de poder, isto é, de funcionar ideologicamente. (FAIRCLOUGH, 1989, p. 85).

Por isso, para a ACD, as ideologias formam um conceito basilar. É o estudo destas, segundo Thompson (1990), que vai investigar como os significados são construídos/transmitidos através de formas simbólicas variadas. Wodak (2004, p.235) explica ainda que o investigador, nesse caso, também estuda os contextos sociais para saber se tais formas sustentam as relações de dominação.

As práticas discursivas ideológicas garantem as hegemonias nas sociedades. Hegemonia, para Fairclough (2001, p. 122), é o poder e liderança nos domínios econômico, político, cultural e ideológico de uma sociedade. Essa dominação sobre a sociedade como um todo utiliza meios ideológicos e alianças com outras forças sociais para garantir o consentimento dos subordinados - muito mais do que a força.

Entretanto, Fairclough considera esse poder instável, “nunca atingido senão parcial e temporariamente”, tornando-se, por isso, um foco de luta constante entre os pontos de maior instabilidade. Essa luta hegemônica localiza-se amplamente em instituições da sociedade civil, como educação, sindicatos, famílias, a fim de se manter ou romper com as relações de dominação/subordinação. Em razão disso, a hegemonia se empenha tanto em universalizar seus discursos por meio de um trabalho ideológico persuasivo, reproduzindo-os para que possam parecer “mais certos” aos dominados.

Porém se a hegemonia tem uma “permanência relativa, existe possibilidade de desarticulação e rearticulação desses elementos”, segundo Chouliaraki e Fairclough (1999), a qual os autores acreditam ser por meio da agência humana (CHOULIARAKI E FAIRCLOUGH, 1999, p. 25). Em decorrência desse entendimento, a ACD espera provocar a reflexidade crítica dos sujeitos, para se interromper o ciclo hegemônico, e portanto ideológico, das sociedades, pondo fim às relações de desigualdades sociais. Na subseção seguinte, trataremos brevemente sobre a noção de estereótipo e representação, procurando relacionar esses e os outros conceitos tratados nessa seção com as questões de gênero e sexualidade em LD.

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