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O conceito de Natureza entre a decadência e o progresso

3. Capítulo III – O conceito de Natureza

3.2. O conceito de Natureza entre a decadência e o progresso

Além do diferente viés científico identificado no dicionário de 1789 em relação ao vocabulário de 1728, veremos que eles ainda guardam outras distinções sobre o campo semântico de natureza. Colocando-os ao lado dos discursos dos naturalistas, percebemos que no Vocabulário há um apego à estrutura da teodiceia e a uma definição de História tomada a partir de Deus e da natureza; já o Dicionário investe na incorporação da História Natural, a qual moderniza alguns sentidos trazendo à tona uma concepção de progresso de caráter econômico e deísta. A conceituação do mundo natural adotada pelas novas ciências gerava um efeito importante para se compreender aquele período histórico: o de possibilitar, através da análise da natureza, uma inversão de situação que levasse da decadência para um desenvolvimento rumo ao progresso. Nesses momentos, a natureza adquire um sentido de História (tempo histórico). O conhecimento científico fornecia a possibilidade de se narrar o impacto da história humana sobre a história da natureza, ou seja, permitia que os humanos interferissem em seus destinos através da manipulação dos corpos naturais.

Mas as unidades de deslocamento entre a decadência e o progresso derivava da incorporação das ciências na estrutura da teodiceia. Em outras palavras, o pensamento metafísico interiorizado na cultura portuguesa teria fornecido a este tempo histórico acelerado as possibilidades de se existir no mundo através de dois escopos básicos: a decadência ou o progresso; a barbárie ou a civilização; o inferno ou o céu; o diabo ou Deus; a maldição ou a benção; o castigo ou o presente; a pobreza ou a riqueza; o falso ou o fausto; os monstros ou as maravilhas. Uma condição binominal tensionada entre o bem e o mal que, a partir daquele momento, passou a se acelerar no tempo com base em pressupostos científicos. Em suma, fazer ciência significava empreender a luta pelo bem contra o mal na teodiceia, levando o esclarecimento a todos os lugares, dotando-os de civilização, catequizando-os, instituindo uma História voltada ao aperfeiçoamento – e por aí ia o projeto iluminista cosmopolita. Na cultura das luzes luso-brasileiras, a noção de progresso aparece como um dever ético da teodiceia, de modo que seria preciso reconquistar as colônias, inibindo assim a sua barbárie, condição tida, de maneira geral, como um aspecto natural da América.

A decadência, representação feita por muitos letrados portugueses e luso- brasileiros de diversas áreas de atuação, constituiu a tópica de uma retórica de crítica para que contemporâneos do mesmo tempo histórico pudessem enunciar discursos de

transformação da realidade. Ela é uma categoria de análise histórica que ultrapassa o período estudado e que, desde a Antiguidade, foi empregada por gerações de pensadores, com seus devidos matizes e contextos; A partir de 1750, na cultura luso- brasileira, ela se justapõe à teleologia, tendo como contraponto o telos do progresso, do aperfeiçoamento. Segundo Le Goff, a decadência foi um “conceito moral muitas vezes aplicado à estética” e que “é, para os antigos, um instrumento de polêmica, fácil, contra os modernos”, pois indica distância entre as sociedades medievais e as modernas. Continua o autor: “adaptada às novas realidades”, a decadência surge como um dispositivo “que pertence ao campo dos costumes, no domínio da economia e da sociedade”. A decadência para os modernos implicaria por vezes uma semântica de queda, instabilidade e corrupção moral228. Nesse sentido, a decadência aqui se relacionava a uma tópica textual que indicava tanto a crise econômica e quanto a corrupção moral.

Segundo Carolina M. Capanema, o termo “decadência”, tão utilizado pela geração ilustrada de cientistas e viajantes para definir a sociedade mineira e o duro panorama econômico português de fins do século XVIII, atribuía aos colonos a culpa da situação histórica em que se encontravam. Eram moral e economicamente culpados pelas indisciplinas (revoltas e extravios), por não adotarem métodos produtivos mais eficazes e por não se interessarem nos novos conhecimentos. Os naturalistas convenceram a coroa de que os extravios não diminuíram tanto a arrecadação do quinto quanto as técnicas inapropriadas usadas nas atividades econômicas, mas ainda assim os colonos eram alvo da acusação de que se indispunham a mudar seu estilo de vida, seu jeito de trabalhar, suas técnicas e modos próprios e tradicionais; como se o isolamento entre as colônias e o mundo em que essas práticas se reformulavam não resultasse da própria colonização, mas sim dos colonos “indolentes”. A decadência moral era vista principalmente na paisagem das vilas e arraiais (quanto mais urbana, mais civilizada; quanto mais rústica, mais bárbara) e na miscigenação, como bem expressou essa crítica José Vieira Couto:

Espanta ao viageiro observador a summa decadencia d'estas povoações de Minas: transita de arraiaes em arraiaes, vê que tudo são ruinas, tudo despovoação; nota que só muito poucos logares de longe em longe ainda se sustém, e parecem um pouco mais animados. Uma

228 LE GOFF, Jacques. História e memória. Adaptação da edição Portuguesa: Maria Clarice Samnpaio

gente degenerada de costumes, que elles ou seus paes foram escravos, que não trabalham porque julgam que isto é só proprio da escravidão, que servem de peso ao Estado, vivendo de furto ou esmolas, gente de côr chamada, formam o grosso dos habitantes d'estes pobres logares229

Assim, a decadência moral, econômica ou produtiva se denunciava através da indolência, ignorância e preguiça, herdadas da miscigenação e das paisagens ruinosas; muitas vezes a decadência surgiu caracterizada por um desinteresse intelectual ou por construções rudimentares. Nessa passagem, Couto alude ao tema da vadiagem, um comportamento moral de que eram acusados os brancos pobres, miscigenados, negros e índios. Neste enunciado, Couto não levava em consideração as características fluidas, orgânicas e locais de Minas Gerais; não analisava se Minas era ou não um lugar propício para satisfazer os ensejos da educação iluminista. As condições de Minas poderiam abarcar outras estruturas de exploração, nas quais não conviria a implementação de modelos construídos por uma experiência externa. A própria técnica de mineração desenvolvida ali, devedora da mão-de-obra africana, se deu a partir de condições culturais restritas, como o lugar do negro na sociedade, o regime de trabalho escravo, a inexistência de escolas e academias que disseminassem novas práticas, entre outras. No entanto, a resistência para se incorporar as novas técnicas e conhecimentos da ciência em Minas não pode ser concebida como um comportamento imoral e muito menos como desinteresse intelectual. Antes de se fazer esse julgamento, deve-se levar em consideração todo o regime de trabalho e exploração da mão-de-obra escrava que desenvolveu as técnicas regionais. Além do mais, o conhecimento acadêmico era limitado na colônia, onde não havia universidades. Assim, a decadência foi uma categoria retórica que acomodou as reformas científicas e justificou também demandas relativas à colonização. Apesar disso, podemos matizar que foi pelo memorialismo, forma textual através da qual a crítica da decadência se manifestou, que as elites ilustradas da colônia construíram um certo espaço de poder. À vadiagem, à negritude e à mestiçagem restava toda a culpabilização da situação decadente do presente230.

Apesar da conclusão de que a decadência era um fenômeno que não cabia na realidade colonial porque cumpria normas de enunciação balizadas por um poder e uma realidade metropolitanos, é importante descrever certas oscilações de significado para

229 COUTO, José Vieira. Memória sobre as minas da capitania de Minas Gerais (...) [1801]. Rio de

Janeiro: IHGB, 1842, p. 23.

230 CAPANEMA, Carolina M. A natureza política das minas: mineração sociedade e ambiente no século

compreendermos como isso pode ter se sedimentado na história do Brasil e de Minas Gerais. Em certa medida, a decadência pode ser interpretada como uma resistência da América portuguesa à colonização, pois seria produzida num contexto de insatisfação e insubmissão da sociedade colonial frente à metrópole. Mas a decadência também era vista na própria natureza, e não só nas paisagens das povoações. Muitas vezes a decadência será ainda uma crítica que, tendo origem em antigas tópicas, conferia aspecto negativo ao ouro, ou às matas nativas; e à natureza “imatura” da América.

Fazendo uma curta retrospectiva dos significados de ouro e natureza no século do descobrimento, percebemos que a decadência parece ser um estado natural do ouro. O padre Antônio Vieira, no sermão da Primeira Oitava de Páscoa que pregou na Matriz de Belém, buscou uma explicação para o fracasso no descobrimento de ouro na capitania do Grão-Pará. Nele, o padre expressa um significado sobre o ouro e a mineração bastante compartilhado pelo século XVIII. Segundo Francisco Eduardo de Andrade, a ideia de Vieira era a de que

Deus acabou guardando silêncio sobre eles [metais preciosos], mantendo-os escondidos nas entranhas da terra, e isso devia mostrar aos colonos cristãos a necessidade de saber evitá-los. O verdadeiramente legítimo do ponto de vista da lei divina seria cuidar da agricultura, valorizando o que a terra produzisse na superfície.231

Nesse tipo de representação, a natureza do ouro aparece como perigosa, demoníaca, estéril, associada a uma paisagem montanhosa, penhascosa, repleta de buracos infernais232, pois os “tesouros minerais (...) atiçavam vícios; o pior deles: a cobiça. Seguia-se o desregramento moral dos exploradores, assim como a penúria e a opressão fiscal e política”233. Esta interpretação está tangenciada pelo entendimento do imaginário infernal, tratado no capítulo 1 desta dissertação. Já a natureza da agricultura, em oposição à do ouro, seria significada como um retorno ao criador, à arte primeira que ele atribuiu aos humanos – aos jardins edênicos e às maravilhas. Dever-se-ia seguir o exemplo do Gênesis – livro no qual os metais preciosos não foram sequer referidos diretamente – e empunhar enxadas e arados para plantar as sementes virtuosas do bem.

231 ANDRADE, Francisco Eduardo de. A Natureza e a gênese das Minas do Sul nos livros de André João

Antonil e Sebastião da Rocha Pita. Revista brasileira de história, vol. 26, nº 51, 2006, p. 175.

232 Ibidem, p. 5. 233 Ibidem, p. 5.

Nas palavras do jesuíta Antonil234, a colonização de Minas Gerais se dera no início com tantos males, padecimentos, revoltas e crises de fome devido ao fato de o espírito do mineiro ser corrompido pelo ouro:

Sendo a terra que dá ouro esterilíssima de tudo o que se há mister para a vida humana, e não menos estéril a maior parte dos caminhos das Minas, não se pode crer o que padeceram ao princípio os mineiros por falta de mantimentos, achando-se não poucos mortos com uma espiga de milho na mão, sem terem outro sustento.235

Havia uma noção de que as terras de mineração seriam estéreis por natureza – algo que já foi contestado por análises de solo realizadas em locais de ocorrência de minerais. Há, também uma contraposição entre agricultura e mineração constituída na época, que será abordada no próximo capítulo. Mas basta nos atermos aqui à maneira como Antonil constrói a figura do minerador para entender que, para ele, o ouro possui uma malignidade inata que afeta quem o busca. O ouro causaria tanta cegueira que os mineiros morreriam de fome com uma espiga de milho na mão por só buscarem o que está embaixo da terra e se esquecerem do que está por cima – a cobiça é o que produz essa desorientação moral que acaba terminando em morte. O ouro seria uma maravilha ou um sinal do paraíso, mas tomada pelo diabo, e assim acabaria se tornando infernal para quem o desentranhasse da terra e o manejasse. Essa dualidade de oposições que paira sobre o ouro e entre a mineração e a agricultura lembra muito o contraste entre céu e inferno, se a colocarmos diante do dicionário de Bluteau, no verbete “Fogo”:

Fogo central, chamão os chimicos, & por outro nome Archeo, a um fogo q elles suppoem no centro da terra, o qual coze, & digere os metaes. Na opinião dos pytharicos este centro da terra, he a propria esfera do fogo, porque (segundo elles diziam) he a natureza do fogo tão inquieta, impaciente, & fugitiva, que para ter mão nelle, foy necessário tello preso, & como encarcerado no meio do Universo, & no centro do mundo, como em lugar donde não podesse fugir, & dele repartisse facilmente com todos os elementos, & mixtos o seu calor. O

234 O padre jesuíta João Antônio Andreoni, nascido em Toscana, escreveu “Cultura e Opulência no

Brasil”, texto que ficou reconhecido na história da colonização do Brasil por fornecer informações riquíssimas sobre um período de tão escassa documentação. Esse manuscrito foi publicado (anos depois de ter sido escrito) sob o pseudônimo Antonil, usado pelo jesuíta. Era formado em Direito e exerceu as seguintes funções: secretário do padre visitador-geral Antônio Vieira e de alguns provinciais, visitador local de Pernambuco, pregador, professor de retórica, diretor da Congregação dos Estudantes, mestre de noviços, reitor do Colégio da Bahia, provincial e confessor de dois governadores gerais (marquês das Minas e D. João de Lencastre). Ibidem, p. 6-7.

fogo central verdadeiro, he o do inferno, que a mayor parte dos theologos collocão no centro da Terra (...)236.

Se o próprio inferno está no centro da Terra, o que dizer de “metais preciosos” que estão a meio caminho de lá? Não fortuitamente, uma das expressões utilizadas por um governador da capitania de São Paulo e Minas Gerais remeteu à relação entre o ouro, os vícios e o inferno em Minas:

os dias nunca amanhecem serenos; o ar é um nublado perpétuo; tudo é frio naquele país, menos o vício, que está ardendo sempre (...) a terra parece que evapora tumultos; a água exala motins; o ouro toca desforos; destilam liberdades os ares; vomitam insolências as nuvens; influem desordens os astros; o clima é tumba da paz e berço da rebelião; a natureza anda inquieta consigo e, amotinada lá por

dentro, é como no inferno.237

Como afirmava dom Pedro Miguel de Almeida Portugal e Vasconcelos, o Conde de Assumar, que esteve no Brasil entre 1717 e 1720, a natureza das minas estaria inquieta consigo mesma, assim como o fogo do centro da terra de Bluteau. E era amotinada por dentro, ou seja, portava uma característica pejorativa e insubmissa a

priori, que pertencia à sua substância. O sedimento desses enunciados é a positivação de

uma atmosfera maligna produzida pela presença do ouro. A figura do minerador que está em busca do metal precioso e diabólico também seria construída a partir dessa atmosfera, e ela era considerada desonesta, desonrada, sem hábitos civilizados, enganadora, traiçoeira, cobiçosa, mentirosa, pecadora e corrupta (tópica da vadiagem). Assim, a extração do ouro se desdobrava na necessidade de combater os monstros que nasciam de dentro da consciência moral do minerador. Dentro do imaginário do maravilhoso, as maravilhas só se apresentavam depois da batalha da teodiceia, quando se exterminavam os monstros e os vícios. Portugal demonstrou um cuidado excessivo com seus colonos mineiros e combateu a corrupção em Minas ora através de conflitos, ora de múltiplas acomodações fiscais. Vejamos, em termos gerais, como a coroa enfrentou a natureza amotinada dos mineiros através das múltiplas tentativas de cobrança de impostos sobre os metais preciosos.

236 BLUTEAU, Op. cit., vol. 4, p. 150 (grifos meus).

237 Conde de Assumar, Apud. SOUZA, Laura de Mello e. Norma e conflito: aspectos da história de Minas

Antes das descobertas das jazidas no território que hoje é Minas Gerais, o Império de Portugal já se valia de legislação que legitimava o exclusivo direito régio sobre as riquezas minerais do subsolo. Esse direito à posse foi afirmado a partir das

Ordenações da Fazenda, instituídas por d. Manuel em 1516, no capítulo 237. Nele se

determinava que era do “direito real” qualquer veio de ouro, prata “ou qualquer outro metal, os quais todo o homem em todo o lugar, com tanto que antes que o comece a cavar, de entrada pague a El-Rey”238. Depois, foi instituído, durante a União Ibérica, um regimento de mineração que vinha das Ordenações Filipinas, datadas de 1603. A partir dessa data, ambas ordenações vigoraram simultaneamente. Neste “Regimento das terras minerais”, foi regulamentado o processo de demarcação das terras, que era feito pelo Estado para que terceiros minerassem e pagassem impostos sobre o ouro extraído. Para os impostos serem cobrados (20% da produção) determinava-se a criação de casas de fundição. E para garantir uma boa vigília do extravio foi implementado um sistema de denúncias no qual o denunciante levava boa parte do ouro denunciado. A figura de autoridade era o provedor de Minas, que se inteiraria das descobertas de novas jazidas e resolveria contendas entre mineiros.239 Seguindo esse regimento, em 1618 sai um alvará que determina a construção de uma feitoria em São Vicente para cobrar os impostos de alguns metais preciosos que já eram encontrados na região.

Em 1700, com as jazidas de Minas já descobertas e uma quantia considerável de ouro sendo extraída, instituiu-se um regimento que foi fruto de negociações entre o governador e os paulistas. Nele, o provedor é suprimido e os guardas-mores ficam responsáveis por colocar em vigor as regras de fiscalização e distribuição de terras. Foi um regimento que incentivou novas descobertas e que, por isso, deu abertura a mineiros pobres. Já em 1702, institui-se o “Regimento das Minas”. Este regimento foi expressão de grande preocupação por parte das autoridades reinóis com a arrecadação do ouro. Ele inaugurou o cargo de intendente das Minas, que tinha como função fiscalizar as normas do regimento, cobrar os impostos e combater contrabandistas. O intendente deveria ser um juiz em matérias de mineração e seu trabalho era o de pôr em vigor as leis a esse respeito; tinha uma autoridade próxima à do ouvidor e, assim como este, advinha de nomeação régia. Vale mencionar que a coroa só escolhia portugueses para este cargo,

238 Ordenações manuelinas; Ordenações da Fazenda, cap. 237, 1516, Apud CARRARA, Ângelo. A Real

Fazenda de Minas Gerais: guia de pesquisa da coleção Casa dos Contos de Ouro Preto. Ouro Preto: UFOP, 2005, p. 11.

239 REZENDE, Dejanira Ferreira de. Mineração nos morros das Minas Gerais: conflitos sociais e o estilo

sendo Manuel Ferreira Câmara o primeiro brasileiro a ser nomeado como intendente no Brasil, já tardiamente. Nesse regimento, os guardas-mores ficaram responsáveis apenas pela demarcação e distribuição das datas minerais, o que, contudo, não era atividade meramente técnica. Sérgio Buarque de Holanda anota que o regimento de 1702 promoveu a exclusão dos pequenos mineiros, pois, a partir dele, teriam direito às melhores datas minerais aqueles que tivessem mais escravos; quem não tivesse escravos não poderia minerar240. Este regimento foi a base da legislação sobre a exploração aurífera durante todo o século XVIII, pois depois dele não se alteraram tanto as disposições entre o intendente, os guardas-mores e os residentes das casas de fundição. Valia, contudo, fundamentalmente para rios e ribeirões; já a exploração realizada nos morros possuía uma dinâmica diferente. O que demonstrou uma grande acuidade da coroa em relação ao extravio foi a Carta Régia de 1703, enviada pelo rei ao governador Dom Álvaro da Silveira de Albuquerque, que o mandava proibir qualquer tipo de trabalho com o ouro na capitania antes que ele fosse quintado241. Isso visou impedir que alguns ourives ou ferreiros trabalhassem a favor daqueles que buscavam passar parte de sua extração de ouro despercebida pelo fisco, sob a alegação de que aquele ouro viera de outro lugar por já estar trabalhado.

O regimento de 1702 trouxe à tona os primeiros embates entre os paulistas e os forasteiros emboabas. O primeiro intendente nomeado, o português José Vaz Pinto, não permaneceu em Minas por mais de dois anos e foi obrigado a fugir ameaçado de morte. Algo que os intendentes não conseguiam controlar era a recente tradição, mas nem por isso menos arraigada, nas palavras do governador Sá Meneses, de minerar nos morros de Minas, em datas coletivas, nas quais mineiros pobres se amparavam. Para este tipo de mineração, bastante dificultosa por exigir o desmonte das terras mais altas que os leitos dos rios, era preciso água, um recurso que passou a ser disputado pelos mineiros. Não só pelos pobres, pois, à medida que o ouro de aluvião se esgotou, as minerações nas encostas e morros se tornaram cada vez mais comuns, o que causou contendas entre grupos sociais diferentes que usavam a mesma fonte de água para lavras próximas, mas