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4 A ORDEM CONSTITUCIONAL EM VIGOR

4.1. O CONCEITO MODERNO DE CONSTITUIÇÃO CONCEITO MATERIAL E

Como no capítulo precedente se enfatizou a importância da positivação constitucional dos direitos da pessoa humana, parece adequado iniciar este capítulo com uma pergunta básica: o que é uma Constituição, em especial em se considerando o sentido moderno do termo.

É o que se faz, antes de se abordar, propriamente, a ordem constitucional vigente no Brasil.

Uma Constituição moderna representa a ordenação sistemática e racional da comunidade política, por meio de um documento escrito, em que se declaram as liberdades e os direitos das pessoas que integram o povo de um dado país, bem como se definem os limites do poder político que rege a vida desse país.

Daí Canotilho afirmar que esse conceito, uma vez desdobrado, acaba por evidenciar as dimensões fundamentais que ele incorpora, quais sejam:

a) em primeiro lugar, a própria ordenação jurídica e política, consubstanciada num documento escrito;

b) em segundo lugar a declaração, exarada nesse documento, de um conjunto de direitos fundamentais e a asserção de uma determinada maneira de garanti-los;

c) em terceiro e último lugar, a organização do poder político, e de tal modo que ele apresente sempre as características de poder limitado e moderado49.

Trata-se, no dizer de Canotilho, de um conceito ideal, isto é, sem correspondência com os modelos históricos de constitucionalismo, particularmente o da Inglaterra, o dos Estados Unidos da América e o da França.

49 Obra citada, página 52.

Nada obstante, é o conceito que leva ao Estado constitucional, quer dizer, o Estado submetido ao direito, regido por leis e que, de resto, dispõe de poderes específicos, poderes que, por isso mesmo, não se imiscuem entre si, não se confundem.

Enseja, pois, esse conceito a estruturação do Estado constitucional, o Estado que apresenta as qualidades preconizadas pelo constitucionalismo moderno, qualidades que consistem na submissão ao direito e ao princípio democrático, designando-se assim tal Estado como “Estado de direito democrático”50.

O Estado constitucional é uma categoria superior à do Estado de Direito e está fundamentado em três legitimidades concretas, quais sejam, (1ª) a legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do processo de legislação no sistema jurídico, (2ª) a legitimidade de uma ordem de domínio e (3ª) a legitimidade do exercício do poder político51.

A Constituição política, ou Constituição do Estado, portanto, é o que caracteriza o Estado constitucional, sendo importante anotar que, consoante Paulo Bonavides, dela se apresentam dois conceitos, um material e outro formal.

O conceito material mostra a Constituição como o conjunto das normas relacionadas com a organização do poder, a distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos individuais e sociais da

50

Obra citada, paginas 92 e 93.

51 Assim se expressa Canotilho: O Estado constitucional é “mais” do que Estado de direito. O elemento democrático não foi apenas introduzido para “travar” o poder (to check the power); foi também reclamado pela necessidade de legitimação do mesmo poder (to legitimize State power). Se quisermos um Estado constitucional assente em fundamentos não metafísicos, temos de distinguir claramente duas coisas: (1) uma é a legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do processo de legitimação no sistema jurídico; (2) outra é a da legitimidade de uma ordem de domínio e da legitimação do exercício do poder político. O Estado “impolítico” do Estado de direito não dá resposta a este último problema: donde vem o poder. Só o princípio da soberania popular segundo o qual “todo o poder vem do povo” assegura e garante o direito à igual participação na formação democrática da vontade popular. Assim, o princípio da soberania popular concretizado segundo procedimentos juridicamente regulados serve de „charneira‟ entre o “Estado de direito” e o “Estado democrático” possibilitando a compreensão da moderna fórmula Estado de direito democrático. Alguns autores avançam mesmo a idéia de democracia como valor (e não apenas como processo), irrevisivelmente estruturante de uma ordem constitucional democrática (Obra citada, página 100. O negrito, as aspas e os grifos são do próprio autor).

pessoa humana, e tudo que se refira ao conteúdo básico atinente à composição e ao funcionamento da ordem política52.

O conceito material de Constituição, nas palavras de Paulo Bonavides, pode ser assim resumido:

Em suma, a Constituição, em seu aspecto material, diz respeito ao conteúdo, mas tão-somente ao conteúdo das determinações mais importantes, únicas merecedoras, segundo o entendimento dominante, de serem designadas rigorosamente como matéria constitucional53.

Quanto ao conceito formal de Constituição devem ser feitas, acompanhando-se o pensamento de Paulo Bonavides, várias observações, mas desde logo se pode frisar que a idéia básica que deflui do conceito formal prende-se às dificuldades de se reformar a Constituição.

Há matérias que, embora não se refiram aos elementos institucionais da organização política, acabam por ser introduzidas na Constituição, de modo que, revestindo-se de aparência constitucional, essas matérias passam a ter garantia e valor mais elevados do que lhes seria conferido pela legislação ordinária.

Essas matérias, pois, em tal circunstância, foram inseridas no texto constitucional de maneira imprópria, apenas formal, uma vez que, materialmente, não guardam relação direta com os pontos básicos da existência política e, nada obstante, por terem sido postas na Constituição agora só poderão ser suprimidas ou alteradas mediante o procedimento especial, solene e complexo de reforma da própria Constituição, procedimento que pode implicar, entre outras exigências, maioria qualificada, votação repetida em legislaturas sucessivas, ratificação pelos Estados-membros etc.

Eis como se expressa Paulo Bonavides a respeito do conceito formal de Constituição:

Essa forma difícil de reformar a Constituição ou de elaborar uma lei constitucional, distinta pois da forma fácil empregada na feitura da

52

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, Malheiros Editores, 20ª edição, página 80. 53 Obra citada, página 81 (grifo do autor).

legislação ordinária – cuja aprovação se faz em geral por maioria simples, com ausência daqueles requisitos – caracteriza a Constituição pelo seu aspecto formal54.

Importa ainda trazer à baila dois conceitos a que se subsume a Constituição da República Federativa do Brasil, o de Constituição rígida e o de Constituição prolixa.

A Constituição rígida opõe-se à flexível, ou seja, a primeira exige, para ser reformada, um procedimento solene e complexo, ao passo que a segunda não impõe nenhum requisito especial para sua própria reforma, podendo ser emendada ou revista por meio do procedimento que se emprega para a promulgação ou revogação da lei ordinária55.

A Constituição da República Federativa do Brasil é rígida, só podendo ser alterada se forem cumpridos todos os requisitos estabelecidos por seu artigo 60, além do que ela proíbe, nos termos do § 4° desse artigo, se apresente proposta de emenda com a finalidade de abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais.

Alexandre de Moraes, aliás, considera “super-rígida” a Constituição Federal brasileira em vigor:

Ressalte-se que a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como super-rígida, uma vez que em regra poderá ser alterada por um processo legislativo diferenciado, mas, excepcionalmente, em alguns pontos é imutável (CF, art. 60, § 4° - cláusulas pétreas)56.

Já a Constituição prolixa contrapõe-se à concisa, em termos de extensão, isso significando que, se aquela traz em seu bojo matérias que por sua natureza estão fora do âmbito do Direito Constitucional, esta, de maneira diversa, se restringe a

54 Obra citada, página 82 (grifo do autor).

55 Paulo Bonavides afirma que quase “todos os Estados modernos aderem a essa forma de Constituição, nomeadamente os do espaço atlântico. Variável, porém, é o grau de rigidez apresentado. Certos autores chegam até a falar em Constituições rígidas e semi-rígidas” (Obra citada, página 83).

encerrar princípios gerais ou regras básicas de organização e funcionamento do sistema jurídico estatal, deixando para a esfera da legislação complementar ou orgânica tudo o que diga respeito à pormenorização desse mesmo sistema jurídico57.

Qual a razão da tendência a haver cada vez mais Constituições prolixas?

Paulo Bonavides dá sua opinião, que parece irrefutável, sobretudo quando se tem em vista a pessoa humana em seus direitos fundamentais à vida e à saúde:

As Constituições se fizeram desenvolvidas, volumosas, inchadas, em conseqüência principalmente das seguintes causas: a preocupação de dotar certos institutos de proteção eficaz, o sentimento de que a rigidez constitucional é anteparo ao exercício discricionário da autoridade, o anseio de conferir estabilidade ao direito legislado sobre determinadas matérias e, enfim, a conveniência de atribuir ao Estado, através do mais alto instrumento jurídico que é a Constituição, os encargos indispensáveis à manutenção da paz social58.

Assim, ao cogitar da ordem constitucional brasileira, pode-se afirmar ter ela instituído um Estado constitucional democrático, sendo importante ter isso em vista quando se cuida do direito à saúde, formalmente incluído numa Constituição rígida e prolixa justamente para se assegurar a efetivação desse direito.

4.2. COMO CLASSIFICAR A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO