• Nenhum resultado encontrado

4 A POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE E OS MECANISMOS DE CONTROLE SOCIAL

4.3 O conflito de interesses no controle social na sociedade do capital

Nesse estudo, a defesa de interesses consiste em discutir ações no fortalecimento da luta e defesa do direito à saúde na política pública, a partir da conquista de um sistema universal de saúde, assim como na participação pela efetivação desses direitos, frente à restrição de direitos nas relações antagônicas entre Estado e sociedade civil, que passaram a se apresentar na política pública de saúde.

Para Coutinho (2011), quando se trata de política, aborda-se em grande medida na representação de interesses, por conseguinte na formulação das políticas que representam, implementam ou bloqueiam tais interesses. Apresenta três questões básicas em torno das quais situam-se reflexões sobre a política, tais como os interesses são representados, a partir da estrutura do Estado, sendo essas duas voltadas à formulação de políticas; e, de quem são os interesses representados, pela natureza do Estado e qual é a justificação para representar tais interesses, pela legitimidade.

Coutinho (2011, p. 48), ainda aborda que “[...] a noção de ‘interesse’ ocupa um lugar central na teoria social moderna, na teoria da época da expansão e consolidação da sociedade burguesa”. Afirma que essa noção ocorre claramente vinculada a uma concepção individualista da sociedade, caracterizada como ‘materialista’. E que pelo pensamento liberal o Estado existe com a finalidade de garantir interesses que estão fora da esfera estatal, ou seja, representa objetivamente os interesses de uma classe: as dos proprietários dos meios de produção. Dessa maneira,

[...] o Estado representaria o interesse de todos, mas tal interesse se expressaria precisamente na conservação de uma esfera de interesses singulares situada no mundo ‘privado’, no qual o Estado não deve intervir. Essa é a lógica liberal: o Estado em si não representa interesses concretos; ele assegura que os interesses se explicitem em sua esfera própria, que é a esfera privada. Não é por acaso, portanto, que o pensamento liberal se centra no postulado da limitação do poder, em contraste com o pensamento democrático, que tem como eixo central a distribuição (ou socialização) do poder (COUTINHO, 2011, p. 49).

Com a expansão dos direitos sociais que vão sendo progressivamente conquistados, a partir da conquista da evolução dos direitos civis e políticos (MARSHALL, 1967), e o fim do caráter restrito do Estado (COUTINHO, 2011),

[...] o Estado já não representa apenas os interesses comuns da burguesia, sendo obrigado, pela pressão ‘de baixo’, a se abrir também para outros interesses, provenientes de classes diferentes. [...] A velha ordem liberal, pressionada pela expansão dos direitos políticos, tende a se converter cada vez mais em liberal-democracia; e que, por outro lado com a ampliação dos direitos sociais, chega-se finalmente ao que hoje de conhece como Estado de Bem-Estar (que poderíamos chamar de social-democracia. Em outras palavras: a ampliação da cidadania política e social leva a uma importante transformação que – no que aqui nos interessa – manifesta-se na abertura do espaço político à representação de novos interesses (COUTINHO, 2011, p. 54).

Assim, as reflexões acerca da discussão do conflito de interesses no controle social na sociedade do capital em uma social-democracia têm como objetivo apreender os mecanismos de controle social pela garantia de direitos, abordando que as questões mais pertinentes são aquelas voltadas para as condições a partir das quais a cidadania pode ser exercida em conjunto com a participação social.

A Constituição de 1988, com os avanços pertinentes à cidadania, torna-se um marco na experiência da participação da sociedade brasileira. Não representou apenas o final de um longo período de cerceamento da liberdade e um processo de redemocratização, foi um marco do início de uma nova sociedade, cuja diferença fundamental, em relação a que a antecedeu, residiu no fato da politização da vida social, significando, em especial no setor de saúde, a descentralização político- administrativa da ação pública institucional. A criação do SUS, no setor de saúde, torna-se conquista efetivada na Constituição de 1988, tomando-se como referência de outros períodos mais críticos para os cuidados com a saúde no país, onde pouco ou quase nada se investiu em termos de direitos aos cidadãos, como uma política pública propriamente dita.

O processo de descentralização na saúde se tornou realidade, a partir do padrão da ação estatal que sempre fora de centralização dos recursos financeiros destinados à assistência à saúde, nas ações restritas da Previdência Social, por meio do INAMPS, pelo descontrole orçamentário, fraudes, crises financeiras, escassez de recursos, dentre outras.

O surgimento do SUS e da participação da sociedade no controle das suas ações, são possíveis mediante a compreensão do Movimento de Reforma Sanitária,

desde a década de 1970, que desencadeou um processo vitorioso de lutas e significação política, cujas reivindicações foram incorporadas à Constituição de 1988, tais como: a universalização da saúde como direito de todo cidadão; a descentralização político-administrativa do planejamento dos serviços e do controle social por meio da participação popular através dos Conselhos de Saúde e Conferências de Saúde; ee o redirecionamento dos gastos, não mais em função da atenção médico-hospitalar, mas para a atenção preventiva.

Para Silveira (2002), esse processo de mudança resultou de uma longa resistência, pela experiência de opressão sobre a maioria da população brasileira. Cita o autor, ao tentar entender essa fase da história brasileira, que o momento vivido “[...] apresentou perspectivas de efetiva construção de uma nova sociedade [...]” (SILVEIRA, 2002, p. 204).

A opção feita foi em vislumbrar a possibilidade efetiva de constituição de uma sociedade democrática na sociedade brasileira, ao considerar os Conselhos de Saúde e as Conferências de Saúde como espaços de interlocução pública, abrigando a pluralidade dos atores sociais e a diversidade de interesses correspondentes, constituindo o espaço de conflitos e de acordos no qual se construíssem as políticas públicas, do ponto de vista de cidadania, circulação de ideias e valores, assim como no estabelecimento de novas identidades na construção dos direitos sociais, sujeitos sociais e políticos (SILVEIRA, 2002).

Ao tratar a saúde pública como um bem, com seus princípios constitucionais, direcionados ao cidadão como um direito social conquistado, ao vincular a saúde como um interesse, como uma aspiração por um determinado objeto, de satisfazer uma necessidade, o conflito de interesse surge a partir de quando um grupo ou classe tem interesses distintos, por se tratar de um espaço contraditório. A experiência das Conferências, Conselhos e Plenárias de Saúde se constituem como espaços de conflitos de interesses, onde as partes envolvidas disputam seus projetos, antagônicos, mas em defesa dos seus interesses. Esses mecanismos instituídos estabelecem um novo espaço de negociação no campo da política pública de saúde e são resultados de um processo de luta em busca de um espaço existente na democratização da saúde no país.

Tendo como exemplo a participação ativa dos segmentos envolvidos, de forma paritária, tem-se manifestado nesses espaços um processo de discussões a partir da defesa de interesses. O estudo desses espaços tem revelado a diversidade

de proposições fundadas em interesses distintos que as conferências, conselhos e plenárias de saúde permitem, evidenciando serem lugares de discussão e de legitimação de interesses, assim como na construção coletiva de políticas sociais, por um conjunto de cidadãos envolvidos.

De acordo com Silveira (2002), quando se refere a temas e proposições ocorridos em experiências de conferências, através dos espaços de discussão, nota- se que,

[...] as conferências trouxeram para a cena pública temas de fundamental importância para a reprodução social, problematizando questões de modo objetivo e claramente assegurado à população não apenas a possibilidade de opinar sobre as questões de saúde que já lhe chegavam prontas para serem aceitas ou rejeitadas, mas abrindo o espaço público a novas proposições e deliberações sobre a questão (SILVEIRA, 2002, p. 207). Silveira (2002) ainda pontua ser recorrente nas Conferências de Saúde a preocupação com o controle social e o financiamento público, para que os princípios constitucionais (universalização, equidade e integridade) não venham a ser desfigurados por obstáculos interpostos em desacordo com as regras neoliberais, pelas quais a saúde é tratada simplesmente como mercadoria.

Importante destacar que participação social e os mecanismos de controle social na política de saúde tais como os Conselhos de Saúde, as Conferências de Saúde e mais recentemente as Plenárias Nacionais de Conselhos de Saúde, Entidades e Movimentos Sociais e Populares podem se tornar propostas de articulação em defesa dos ataques sofridos pelo Sistema Único de Saúde. A defesa de interesses no controle social revela que a sociedade deve se utilizar desses espaços democráticos em razão dos seus de interesses, mesmo diante do antagonismo de classes, pela efetividade dos recursos em saúde em benefício da saúde universal e de toda uma população usuária do sistema, distanciando-se do modelo de privatização que se acentua.

5 A DEFESA DE INTERESSES NAS PLENÁRIAS NACIONAIS DE CONSELHOS