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7 O DIREITO AO CONHECIMENTO COMO FATOR DE APERFEIÇOAMENTO

7.1 O conhecimento como necessidade e objeto de intervenção no domínio público

Inicialmente, impende considerar que o conhecimento se relaciona ao direito ao ensino, não à educação. Através do ensino, são repassados conhecimentos científicos aos cidadãos; por meio da educação ocorre a transferência de valores, cuja competência pertence às famílias.

A Constituição Federal englobou as duas situações (conhecimento e educação) no conceito de educação, em seu art. 205320, no que agiu com acerto, pois se deve atribuir ao Direito Fundamental à educação não apenas a ideia de transferência de conhecimentos científico-profissionais, mas também, o conceito de cidadania e de desenvolvimento pessoal. Outrossim, inseriu a responsabilidade do estado e da família pela realização desses objetivos.

Ao comentar o art. 26321, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, Jean Piaget sustenta que, ao ter por desiderato o pleno desenvolvimento da personalidade, a educação (ou instrução, se preferir) deve ser desvinculada da tradicional ideia de apenas repassar aos educandos o conjunto de verdades comuns criado por gerações anteriores, devendo ocorrer a formação da pessoa e a sua inclusão, na sociedade, como elemento de valor322.

Para que se possa falar de cidadãos como participantes de um processo democrático, com direito a voto, a opinar e a participar de comissões, de conselhos e outros órgãos deliberativos, deve-se pensar em pessoas com boa formação pessoal e profissional, cientes de seus direitos e deveres de contribuinte e da sua condição de real titular do poder. Esse seria o quadro ideal.

320 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 18. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 114. “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. 321 “1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos”. Disponível em: <http://www.dudh.org.br/wp-content/uploads/2014/12/dudh.pdf >. Acesso em: 25 mar 2015.

Trata-se daquele cidadão que recebe prestações estatais indispensáveis à manutenção das liberdades fundamentais ou daquele que delas não mais precisa323. Num país como o Brasil, subdesenvolvido, existem muitas pessoas que necessitam – o que não quer dizer que sejam atendidos – do estado para o atendimento das condições mínimas de dignidade, de cidadania. Diante do estágio social nacional, não se pode pensar na adoção de práticas neoliberais, haja vista uma gama de pessoas não terem condições de se manter, dignamente, sem a ajuda do estado. Se, com o auxílio estatal, tem-se o quadro social anteriormente informado, imagine-se um cenário com a sua extinção.

Esse quadro, contudo, não impede a participação do cidadão carente, dependente de prestações estatais, na administração pública. Ao contrário, por ter ciência dos problemas e das limitações de direitos que a ele acometem, conta com uma maior legitimidade para intervir, opinar e decidir sobre a atuação dos órgãos públicos.

A consciência política ocorre em face da realidade vivida, no contexto concreto; é mediante a experiência do dia-a-dia que se forma a consciência da exploração. Exemplo disso são os camponeses analfabetos, que não precisam de contexto teórico para perceber que são oprimidos. Entretanto, apesar de terem consciência fática, concreta, de sua exploração, muitas vezes, não conseguem atingir a razão de ser da sua condição de oprimidos. Essa é uma das mais importantes tarefas a serem realizadas no contexto teórico. Considerando que a consciência, isoladamente, não tem o condão de transformar a realidade, não se pode conceber que o contexto teórico possa ser objeto de temas considerados “desinteressados”, porque não importem para a realização de mudança da realidade social, concretamente324.

Não se pode esquecer que a constituição federal não exige escolaridade mínima para a ocupação de qualquer mandato – até o de presidente da República -, bastando o candidato ser alfabetizado325. Qual a razão, então, para restringir a participação popular em discussões de temas de interesse da sociedade?

Para Paulo Freire, o “analfabeto” político - não importa se sabe ler e escrever ou não – é aquele ou aquela que têm uma percepção ingênua dos seres humanos em suas relações com o mundo, uma percepção ingênua da realidade social que, para ele ou ela, é um fato dado,

323 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 367-368.

324 FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a liberdade e outros escritos. 12. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007, p. 158-159.

325 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 18. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 29. “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: [...] § 4º - São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos”.

algo que é e não está sendo”326. Nesse aspecto, existem pessoas que contam com um grau inferior de educação intelectual que são muito mais politizadas, ou alfabetizadas politicamente, do que pessoas com maior escolaridade.

A educação ideal, que se pretende ver concretizada, precisa ser praticada no âmbito das escolas, com a devida exposição de como funcionam o estado brasileiro e o processo político, dos direitos sociais que esses alunos têm e terão, quando aptos a exercerem seus direitos de cidadania, da importância de sua participação no processo político, não apenas como um voto a ser contado, devendo questionar e colaborar, inclusive, com o processo educador, entre outras coisas.

Para Valdelaine Mendes, “o interesse pelas questões políticas é algo que precisa ser despertado e aprendido, não é natural do ser humano”, que deve ter consciência que, todos os dias, são tomadas decisões importantes, que se relacionam com a vida de um grande número de pessoas327.

Como se verifica, a educação não é apenas um direito fundamental em si; ela abre as portas para a fruição da liberdade plena, que traz, consigo e em decorrência, os demais direitos fundamentais aptos à mantença própria e das famílias dos cidadãos.