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3 A CRISE DE REPRESENTAÇÃO NO ESTADO CONSTITUCIONAL

3.1 Sinais evidentes da crise

Como foi visto anteriormente (subcapítulo 3.2), não há como se atingir um paradigma universal de referência para a legitimidade do poder político-jurídico, uma vez que os países não se encontram na mesma situação cultural, econômica ou política, e essas diversidades, assim como o pluralismo, impedem a materialização desse paradigma.

Em cada local devem ser investigadas as suas características, situação, povo, época, entre outros dados de fundamental importância, para a aferição dessa legitimidade política.

Nada obstante isso, tais situações necessitam ser investigadas quando se depara com países que contam com algum nível razoável de desenvolvimento humano, o que não é o caso dos países subdesenvolvidos ou de 3º mundo.

Valdelaine Mendes92 esclarece que, historicamente, no Brasil, verifica-se uma falta de compromisso do estado com os interesses dos cidadãos, permanecendo apropriado por um reduzido grupo de pessoas.

Nas últimas décadas, a sociedade brasileira se modernizou, industrializou, urbanizou, sem deixar pra trás as desigualdades sociais, com os poderes da República deliberando com desrespeito à constituição federal93.

No caso do Brasil, os problemas são os mesmos, nos diversos entes da Federação: saúde, educação, segurança pública, saneamento básico, moradia, emprego, acesso à justiça etc.

Segundo a última avaliação realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU)94, no ano de 2013, o Brasil se encontra na 79ª colocação, no que se refere ao índice de desenvolvimento humano.

Na América latina, países como Chile (41º), Cuba (44º), Argentina (49º), Uruguai (50º), Venezuela (67º), Costa Rica (68º) e México (71º) se encontram à frente do Brasil.

92 MENDES, Valdelaine. Democracia participativa e educação: a sociedade e os rumos da escola pública. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2009, p. 70.

93 MENDES, Valdelaine. Democracia participativa e educação: a sociedade e os rumos da escola pública. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2009, p. 72-73.

94 Disponível em: <http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/Ranking-IDH-Global-2013.aspx>. Acesso em: 19 nov 2014.

Encontram-se, ainda, à frente do Brasil países como Líbia (55º), Líbano (66º), Sri Lanka (73º), Irã (75º) e Azerbaijão (76º).

Para elaborar este relatório, a ONU passou a considerar, a partir do ano de 2010, três fatores de avaliação95:

a) Uma vida longa e saudável: expectativa de vida ao nascer;

b) O acesso ao conhecimento: anos médios de estudo e anos esperados de escolaridade;

c) Um padrão de vida decente: PIB per capita (PPC).

Como se vê, apesar de ter sido festejada a classificação do Brasil como sétima economia do mundo96, na área social, não há o que ser comemorado.

A não concessão do mínimo exigido pela Constituição, no que se refere aos direitos e garantias fundamentais, à maior parte da população, é uma triste realidade.

Segundo João Maurício Adeodato97, “a distribuição de renda promovida pela elite econômica brasileira, os pactos com as multinacionais e os bancos estrangeiros, a estrutura agrária fundiária, os níveis de educação, alimentação, moradia, dentre outros fatores, colocam indiscutivelmente o Brasil em um grau de miséria comparável às mais pobres regiões da Terra”.

Para Paulo Bonavides98,

Os vícios eleitorais, a propaganda dirigida, a manipulação da consciência pública e opinativa do cidadão pelos poderes e veículos de informação, a serviço da classe dominante, que os subornou, até as manifestações executivas e legiferantes exercitadas contra o povo e a nação e a sociedades nas ocasiões governativas mais delicadas, ferem o interesse nacional, desvirtuam os fins do Estado, corrompem a moral pública e apodrecem aquilo que, até agora, o status quo fez passar por democracia e representação.

De acordo com o mesmo autor, o Brasil, do mesmo modo que outros países da América Latina, vive uma democracia dissimulada, “onde o baixíssimo grau de legitimidade

95 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%8Dndice_de_Desenvolvimento_Humano>. Acesso em: 19 nov 2014.

96 Disponível em: <http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2014/04/30/ranking-do-banco-mundial-traz-

brasil-como-a-7-maior-economia-do-mundo.htm>. Acesso em 19 de nov 2014.

97 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica para uma teoria da dogmática jurídica. 2. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 45-46.

98 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 25-26.

participativa certifica a farsa do sistema, assinalando o máximo divórcio entre o povo e as suas instituições de Governo”99.

Para Paulo Lopo Saraiva, “para realizar a justiça, impõe-se o acesso à mídia, pois só ela, desbloqueada e livre do ‘cárcere das elites’, poderá fornecer os atributos a que todos almejamos para a nova sociedade: livre e justa”100.

Segundo o referido autor, “os meios de comunicação constituem-se na estratégia mais importante de educação para a Justiça, haja vista que o sentimento do povo precisa chegar à consciência do povo-povo”101.

Com o fenômeno da globalização, os países subdesenvolvidos ficam reféns de uma política interna redefinida pelos organismos internacionais, constituindo ameaça ao regime democrático, haja vista o estado manter-se, com toda a sua estrutura jurídico-política, a serviço do sistema econômico102.

Contribui, fundamentalmente, para a caracterização do atual estado de coisas o tratamento que é atribuído aos membros dos poderes estatais, que quase chega a fazer inveja à nobreza pré-revoluções francesa e americana, assim como os desvios ético-funcionais por eles praticados, principalmente se for considerado que os recursos públicos são limitados e a sua destinação deve ocorrer da melhor maneira possível.

Somente através da implantação de uma política de exclusão social aos bens, especialmente os culturais, é que se mantém um cenário de privilégios e de profunda desigualdade social.

A verdade é que, na área social, “não há uma correspondência entre seu lugar privilegiado nos discursos oficiais e sua dotação orçamentária”103.

Não se pretende, aqui, pugnar pelo retorno da monarquia ou do regime militar; longe disso. A república e a democracia são conquistas inalienáveis; apenas são necessários profundos ajustes, para que se possa considerar um governo voltado para o seu representado, no caso, o povo, materialmente considerado, como detentor do direito a políticas públicas sérias.

Como bem esclarece Bobbio,

99 BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 26.

100 SARAIVA, Paulo Lopo. Constituição e mídia no Brasil. 1. ed. São Paulo: MP, 2006, p. 49. 101 SARAIVA, Paulo Lopo. Constituição e mídia no Brasil. 1. ed. São Paulo: MP, 2006, p. 49.

102 MENDES, Valdelaine. Democracia participativa e educação: a sociedade e os rumos da escola pública. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2009, p. 76.

103 MENDES, Valdelaine. Democracia participativa e educação: a sociedade e os rumos da escola pública. 1. ed. São Paulo: Cortez, 2009, p. 73.

A democracia considerada, pelo menos idealmente, como a melhor forma de governo, é muitas vezes acusada de não manter suas promessas. Não manteve, por exemplo, a promessa de eliminar as elites do poder. Não manteve a promessa do autogoverno. Não manteve a promessa de integrar a igualdade formal com a igualdade substancial104.

Passa-se, agora, a analisar situações que revelam um profundo cenário de crise, marcado pelo distanciamento das funções públicas de suas atribuições mais inerentes, relacionadas ao servir ao público.