• Nenhum resultado encontrado

2 REVISÃO DA LITERATURA

2.3 O CONSUMO ALIMENTAR E OS ASPECTOS DE SAÚDE E NUTRIÇÃO

Em conjunto com a transformação da agricultura ocorreu o processo de industrialização dos alimentos. Na medida em que a industrialização dos alimentos foi ganhando maiores dimensões, a alimentação passou a tornar-se cada vez mais homogênea e consequentemente transformou ecossistemas diversificados para outros especializados, em um sistema alimentar global (CRUZ, 2012). Dessa forma, muitos alimentos como vegetais deixaram de constituir a base das dietas, desconectando-se da produção local e os alimentos globalizados tornam-se cada vez mais uma “cultura dominante”, como afirma Contreras (2005).

De acordo com o Guia Alimentar, os alimentos ultraprocessados afetam de forma negativa a cultura, a vida social e o ambiente e por isso devem ser evitados. O impacto na cultura é relativo ao fato desses alimentos serem idênticos em todo o mundo. As marcas mais conhecidas utilizam da publicidade como um meio de promoção que. Ano a ano, incluem o lançamento de novos produtos, sugerindo uma falsa diversidade de produtos. O poder das campanhas publicitárias em torno da alimentação provoca o desejo de consumo, pelo entendimento que tais alimentos são modernos ou até mesmo superiores quando comparados a alimentos tradicionais e recorrentes do dia a dia (BRASIL, 2014).

Os impactos na vida social se revelam pelas mudanças nos hábitos alimentares, pois os alimentos ultraprocessados podem ser consumidos sem preparo, em qualquer local ou hora do dia. Dessa forma, o preparo dos alimentos e o compartilhamento das refeições torna-se pouco frequente e até mesmo sem importância. Os impactos ambientais são observados pelo uso

insustentável e excessivo de agrotóxicos, fertilizantes, e recursos naturais como água, característicos dos processos de manufatura, processamento e comercialização de alimentos em longas distancias (BRASIL, 2014).

Dados nacionais da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) demostram que o consumo e arroz e feijão vem diminuindo enquanto se aumenta o consumo de alimentos ultraprocessados. A POF 2017/2018 demonstrou uma queda de 37% para a aquisição de arroz e 52% para feijão, quando comparado a pesquisa de 2002. Alimentos prontos e misturas industrializadas também apresentaram aumento médio de aquisição (56%) (IBGE, 2020).

De forma geral, os resultados da POF apontam que 49,5% das calorias disponíveis para consumo são de alimentos in natura. No entanto, observou-se a diminuição desses alimentos quando comparados as pesquisas anteriores. Os alimentos ultraprocessados representam cerca de 18,4% representando um gradativo aumento em relação as pesquisas de 2002/2003 e 2008/2009. No entanto, é importante destacar que houve uma desaceleração na tendência de aumento de aquisição de alimentos ultraprocessados, que pode estar relacionada as orientações do Guia alimentar (IBGE, 2020).

Canella et al. (2018), ao analisar dados de consumo alimentar da POF 2008/2009 demonstraram consumo insuficiente de hortaliças da população brasileira associados ao considerável consumo de alimentos ultraprocessados. Além disso, destacam que apenas 10 tipos de hortaliças correspondem a 80% da quantidade total de hortaliças adquiridas. Sendo assim, há uma certa monotonia em relação ao consumo de hortaliças. Esses alimentos são, geralmente, consumidos com maior frequência no almoço, sendo que aquelas pessoas que consomem menos alimentos ultraprocessados tendem a consumir maior quantidade de hortaliças, principalmente no jantar.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a ingestão diária regular de pelo menos 400 gramas de frutas e hortaliças. Essa orientação equivale a aproximadamente cinco porções de frutas e hortaliças diariamente (WHO, 2003). Percebe-se que o consumo desses alimentos está muito aquém do esperado para a promoção da saúde, não atingindo metade da população estudada.

A análise do consumo de alimentos ultraprocessados indica que os 20% de brasileiros que menos consomem ultraprocessados são aqueles que mais se aproximam das recomendações nutricionais, enquanto que os 20% que mais consomem esses alimentos ingerem quantidade excessiva de gordura saturada e trans, açúcares e sódio, quantidades insuficientes de fibras e

potássio. Esses resultados confirmam que a redução de consumo de ultraprocessados contribui para a alimentação mais adequada (LOUZADA et al., 2015).

Os produtos ultraprocessados são ricos em gorduras e açúcares, resultantes da sua adição em grandes quantidades com o objetivo de aumentar o tempo de prateleira, intensificar o sabor ou disfarçar sabores indesejáveis de aditivos químicos e do ultraprocessamento. O alimento torna-se altamente calórico, porém de baixo valor nutricional e, além disso, com teor de fibras reduzidos (BRASIL, 2014). Vale, contudo, destacar que o consumo adequado de fibras é aliado na prevenção de doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer (WHO, 2003). Para Louzada et al. (2018), de forma geral o consumo de alimentos ultraprossados determina a qualidade geral da dieta dos brasileiros. Os autores identificaram que o consumo desses alimentos se associa ao baixo consumo de fibras, vitaminas e minerais.

Nas áreas urbanas, indivíduos com maior renda apresentam consumo alimentar parecido, caracterizado pela combinação de biscoitos, carnes, lácteos frutas, legumes, verduras, condimentos e refeições prontas. O consumo de bebidas açucaradas também costuma ser frequente para esses consumidores. Esses apontamentos são realizados por Canuto, Fanton e Lira (2019) ao analisarem dados sobre alimentação de inquéritos nacionais. Os autores também indicam que pessoas com menores posições socioeconômicas, ter cor da pele/raça parda ou negra, ter menor escolaridade e renda e ser morador de áreas rurais apresentam menores possibilidades para consumo de uma dieta adequada e saudável. Em relação às condições econômicas, dados preliminares da POF 2017-2018, demonstram que as famílias com renda de até dois salários mínimos comprometem uma grande parte do orçamento em despesas com alimentação (22%) enquanto, aqueles com rendimentos altos, o gasto com a alimentação gira em torno de 7,6% (IBGE, 2019).

Nesse sentido, dados da FAO (2017), apontam que a fome ainda é uma condição presente para cerca de 821 milhões de pessoas no mundo. A alimentação restrita a alimentos de pouca qualidade, em uma dimensão nutricional, implica na ingestão de poucos nutrientes para a manutenção e promoção da saúde. Sendo que as maiores preocupações são relativas a deficiência de vitamina A, ferro e iodo, vitamina D, B12, folato, cálcio e zinco (HLPE, 2017). Quanto ao estado nutricional, os dados da Vigitel (Vigilância de fatores de risco para doenças crônicas por inquérito telefônico) indicam a que frequência de adultos com excesso de peso foi de 55,7% e a de obesidade foi de 19,8%, sendo que o percentual de obesidade diminui com o aumento do nível de escolaridade (BRASIL, 2019). Vale, também, destacar que os dados

da Vigitel são referentes somente às capitais brasileiras e realizadas por entrevista telefônica, tornando a amostra mais homogênea em relação a todo o País.

Em âmbito internacional, Monteiro et al. (2017) encontraram associação entre a disponibilidade de alimentos ultraprocessados em casa e a prevalência de obesidade em um estudo que avaliou dezenove países na Europa. De acordo com o HLPE (2017), o excesso de peso e a obesidade tem aumentado rapidamente em todo o mundo, desde 1980 a frequência praticamente dobrou. Os dados indicam que em 2014 o número de pessoas adultas acima do peso era de 1,9 bilhões; entre esses, 600 milhões eram obesos, um dos fatores que contribui para esse crescimento está relacionado a dieta.

Além da causa biológica e da dieta restrita a alimentos de pouca qualidade, há também os Determinantes Sociais em Saúde (DSS) que tem impacto na prevalência de obesidade. No Brasil, são considerados DSS os aspectos sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que tem implicações para a saúde. Já a OMS define em condições que as pessoas vivem ou trabalham (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2006), ou seja, reflete o ambiente em que as pessoas estão inseridas e as possibilidades para acessar alimentação, serviços públicos, serviços de saúde, trabalho, moradia, entre outras necessidades básicas.

Em relação ao ambiente alimentar e as escolhas alimentares, Jaime et al. (2011) argumentam que a proximidade a locais de venda de alimentos saudáveis relacionou-se positivamente com o padrão alimentar e o estado nutricional. Porém, o ambiente alimentar é, de certa forma, marcado pela disponibilidade global de alimentos de baixa qualidade que são amplamente distribuídos. Além disso, esses alimentos costumam ser de baixo custo promovendo uma concorrência desleal com outros alimentos, como os in natura e minimamente processados (MONTEIRO, 2010; SWINBURN, 2011). Desse modo, Monteiro et al. (2017) apontam que a pandemia mundial de obesidade é um reflexo do ambiente em que as pessoas vivem e realizam as suas atividades.

Nesse sentido, é importante destacar a influência do ambiente alimentar nas escolhas alimentares. Em uma perspectiva macro dimensional, caracterizado pelo sistema alimentar global, a alta disponibilidade de alimentos ultraprocessados favorece a escolha desses alimentos que são produzidos e distribuídos pelas multinacionais do setor da alimentação. Van Der Ploeg (2008) as define como “impérios alimentares” se referindo ao poder que essas corporações estão atingindo ao mesmo tempo em que os consumidores perdem autonomia nas escolhas alimentares, alterando de forma substancial os padrões de consumo, a saúde e até mesmo a

identidade dos indivíduos. Alinhado a essa discussão, Monteiro et al. (2013) argumentam que os alimentos produzidos por essas multinacionais dominam o suprimento de alimentos e que o consumo tem aumentado rapidamente.

Atualmente, há incontável variedade de alimentos compondo as prateleiras dos mercados. Ao mesmo tempo em que os alimentos ultraprocessados ganham cada vez mais espaço, os alimentos in natura, que antes podiam ser comprados perto das casas das pessoas ou direto do produtor, perdem espaço e ficam mais distantes dos consumidores. Almeida (2015) destaca que os alimentos industrializados, diferentemente do in natura, podem ser encontrados em qualquer local de comercialização. Duran (2013) demonstrou que, independentemente da renda, o fator distância apresentou forte relação com o acesso a alimentos in natura como as frutas, verduras e legumes, ou seja, as pessoas deixam de consumir determinados alimentos influenciados pela distância em que eles são encontrados. Essa característica do ambiente alimentar tende a influenciar as escolhas alimentares dos consumidores.

Por fim, fica evidente que as diferentes dimensões do ambiente têm impacto no consumo de alimentos, desde a forma ampla que compreende o sistema alimentar até a ponta final onde está o consumidor que escolhe e consome alimentos dentro das possibilidades físicas, econômicas, políticas e socioculturais.