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2 A CONSTITUIÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E A PRÁTICA

3.5 O contexto em que estão inseridos os sujeitos da pesquisa

Como já destacamos em outro momento deste trabalho, existe um consenso entre pesquisadores de que as RS, como produtos sociais, têm de se referir às condições de sua produção; afinal, essa é a característica básica que as difere das outras vertentes da cognição social (SPINK, 2004). Para apreender as RS de um grupo, é importante identificá-lo, verificar qual o seu conteúdo simbólico e em que contexto específico está inserido. Nesse sentido, apresentamos a seguir o movimento histórico que contribui para a construção do universo social no qual estão inseridos nossos sujeitos da pesquisa.

Por meio de uma análise realizada nas Diretrizes Curriculares Municipais para a Educação Infantil de Uberlândia, publicadas em 2003, apreendemos algumas informações sobre esse movimento histórico que apresentaremos a seguir.

A década de 1980 marca o início do ensino público destinado às crianças pequenas. Até então, como discutimos no capítulo anterior sobre a constituição da Educação Infantil no Brasil, havia também, em Uberlândia, apenas atendimentos de caráter assistencialista. Então, nesse período a Secretaria Municipal de Trabalho e Ação Social, juntamente com a Secretaria Municipal de Educação, assume a responsabilidade de oferecer um ensino público às crianças pequenas.

Entre os profissionais que atuaram à época, estavam os estagiários da UFU e professores voluntários – as pessoas que possuíam a menor escolaridade atuavam nas creches, já que era necessário apenas “cuidar” de crianças, e as com mais estudos atuavam nas pré-escolas. As instituições contavam com espaços precários em casas adaptadas, salões de igrejas, associações de moradores e salas da UFU.

91 No decorrer de 1980, ocorre também um avanço no que diz respeito à estrutura escolar: rompe-se o convênio com a UFU, e a Secretaria Municipal de Educação assume a responsabilidade pela organização dos espaços das instituições. Além disso, a partir desse momento, é necessário que os profissionais fizessem provas específicas para atuar. Mas é somente na década de 1990 que ocorrem, formalmente, concursos públicos para a seleção de professores para as pré-escolas, séries iniciais do ensino fundamental (hoje anos iniciais) e supervisores pedagógicos. A partir de tal período, as equipes escolares passam a ser compostas por administradores, orientadores, supervisores, secretários administrativos, professores, merendeiros e auxiliares de serviços gerais.

Devido à demanda de vagas e à falta de espaços adequados, em 1990 foram construídas as Escolas Municipais de Alfabetização (EMAs), para crianças de sete anos de idade, com salas equipadas, parques, refeitórios e dependências administrativas.

O primeiro espaço voltado à Educação Infantil em Uberlândia foi construído em 1991, sendo chamado de “Módulo de Educação Infantil”: atendia a uma média de 850 crianças de até seis anos em período integral e 150 crianças de quatro a seis anos de maneira parcial. A partir de 1992, outras unidades de Educação Infantil foram criadas na cidade, sendo uma dessas destinadas exclusivamente aos filhos de funcionários. Hoje, não existe mais essa preferência, uma vez que toda a comunidade tem direito à educação, como assinala a Constituição de 1988; então, fica sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação a definição de normas para a ocupação das vagas. Um dos critérios divulgados pela prefeitura nas mídias é o do zoneamento: as crianças que moram mais próximas das escolas possuem mais chances de conseguir vagas.

Ainda segundo as diretrizes municipais, houve, nesse período, uma preocupação com a estruturação de um currículo para os espaços de Educação Infantil. A partir de um movimento de debates, discussões com professores e pedagogos, um grupo de profissionais fica responsável pela redação e sistematização das diretrizes publicadas em 2003.

Em 1998, houve a inserção dos auxiliares de creches (hoje denominados educadores infantis), que devem possuir como requisito apenas o Ensino Médio, sendo nomeados por concursos públicos – eles atuam em carga horária de seis horas diárias e fazem parte do quadro administrativo das escolas, e não do quadro de magistério. Desde

92 a década de 1980 até os dias atuais, o CEMEPE tem se responsabilizado pela formação continuada dos profissionais que trabalham na educação do município.

Vale destacar que, apenas em 2002, as práticas realizadas nas instituições de Educação Infantil passaram a ser orientadas pela Secretaria de Educação, o que até então era de responsabilidade das Unidades de Desenvolvimento Social, devido ao forte caráter assistencialista da época. Além disso, em 2003, ainda havia pessoas que atuavam nesses espaços sem nenhuma formação; por esse motivo, naquele ano ocorreu a formação da 1ª Turma de Profissionais Especializados na Educação Infantil, em Nível Médio. Esses funcionários cursaram o Programa Emergencial para Habilitação do Professor de Educação Infantil, em exercício na modalidade Normal, oferecido pela prefeitura com outras parcerias, como a do governo federal.

As Diretrizes Municipais para a Educação Infantil de Uberlândia foram elaboradas por meio de estudos sistemáticos da Proposta Curricular de Porto Alegre e possuem Contextos Educativos que são, segundo a proposta, áreas de conhecimento nas quais este é concebido como uma relação que se estabelece entre o indivíduo e o objeto a ser conhecido e aborda questões cotidianas das crianças. Assim, os temas dos contextos educativos são: Identidade: gênero, etnia e religiosidade na trama das diferenças; Proteção, afeto e aconchego; Brincadeiras e jogos; Imaginação e fantasia; Sexualidade; Saúde, higiene e alimentação.

No que se refere a prática pedagógica em Ciências, encontramos, nas diretrizes, uma menção sobre as diversas linguagens que devem ser trabalhadas na Educação Infantil, a saber: música, pintura, expressão plástica, digital e cênica, teatro e História da Arte, Ciências Naturais e Sociais e Pensamento Lógico-Matemático. Consideramos superficiais as discussões tecidas no documento, principalmente no que diz respeito a saúde, higiene, alimentação e repouso, tratadas, no documento, apenas como direitos das crianças e principais recursos para a manutenção de uma vida saudável.

De acordo com a coordenadora da Educação Infantil de Uberlândia, em entrevista realizada, hoje ainda se utilizam nas escolas as Diretrizes de 2003, mas elas estão sendo reconstruídas da seguinte forma:

...agora elegemos comissões nas escolas, nos encontramos com essas comissões periodicamente e, a partir das discussões realizadas, cada escola, ficou responsável por reconstruir seu Projeto Político Pedagógico (PPP). E a partir dos PPPs que estão sendo elaborados, estamos caminhando para construir novas diretrizes para a Educação

93 Infantil, não que vamos fazer uma nova colcha de retalhos, estamos tentando entender as práticas, a fundamentação teórica, e o que percebemos? Que os profissionais leem de tudo, e agora, o que queremos é buscar uma fundamentação que ancore as práticas realizadas nas instituições e, assim, começar a fundamentação a partir disso (Coordenadora da Educação Infantil).

Segundo a coordenadora, a comunidade escolar começou, então, um trabalho com a construção, ou melhor, reconstrução dos PPPs, para que, a partir da realidade trazida, fosse possível elaborar novas diretrizes municipais para a Educação Infantil. Ela ressalta que não está sendo um processo fácil, pois não é simples desenvolver um trabalho coletivo.

Ainda durante a entrevista, a coordenadora destacou que, em 2012, em outro governo, houve um trabalho de formação com todos os profissionais da Educação Infantil, que estudaram as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil por um ano. Assim, em 2013, quando o novo governo assumiu a prefeitura, iniciaram um movimento de reestruturação das diretrizes municipais.

De acordo com a coordenadora da Educação Infantil, Uberlândia possui 63 escolas de Educação Infantil na Zona Urbana, sendo 41 que atendem crianças de até cinco anos, e cinco que atendem um público de até quatro anos. Na Zona Rural, temos 13 escolas, dessas, em que quatro atendem crianças a partir de quatro anos e cinco instituições frequentadas por crianças a partir de cinco anos. Das 40 escolas de Ensino Fundamental, 12 atendem, também, a Educação Infantil, mas não deixaram claro qual a idade atendida nas instituições. Outra informação é que, das 63 escolas de Educação Infantil da zona urbana, 10 possuem anexo em outros endereços. Muitas vezes esse fato ocorre, conforme a Secretaria de Educação, em virtude do grande número de alunos na lista de espera de vagas. A coordenadora da Educação Infantil diz que esses espaços:

...devem ser compreendidos como provisórios. São construídos com finalidade de atender as necessidades emergenciais. Por isso, quando são aprovadas pela superintendência, ela não aprova para sempre, mas aprova temporariamente, porque é só um mecanismo para aquela região que possui muita demanda, daí absorvemos nesses espaços, até que possamos criar espaços apropriados (Coordenadora da Educação Infantil).

94 Sobre o número de professores da Educação Infantil, consoante à coordenadora, temos 1.819 educadores e 1.462 professores. Não encontramos dados referentes à quantidade de docentes que atuam, especificamente, com crianças de quatro e cinco anos.

Sobre o número de alunos da Educação Infantil, havia, no período da coleta de dados, 8.115 crianças matriculadas na faixa etária de até três anos e 10.337 com idade entre quatro e cinco anos, além de uma demanda reprimida de 6.444 crianças; destas, apenas 952 de quatro e cinco anos estão na lista de espera. Segundo a coordenadora da Educação Infantil, essa quantidade é menor devido à exigência legal, que prescreve que temos de zerar até 2016 o número de crianças na idade pré-escolar fora da escola. Além disso, no município, crianças até três anos ficam o período integral na escola e, com quatro e cinco anos, no meio período; assim, consegue-se atender mais crianças na pré- escola. Vale lembrar que fica sob a responsabilidade da Secretaria de Educação a elaboração de critérios para as matrículas na Educação Infantil.

Em linhas gerais, as questões relatadas nesse tópico nos possibilitam compreender minimamente como tem sido realizada a prática pedagógica na Educação Infantil no município de Uberlândia. Para Moscovici (1990), para apreendermos quais as RS de um grupo, precisamos também identificar que grupo é esse. Diante desse motivo, apresentamos a seguir o perfil dos 83 professores que participaram da pesquisa.