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3. CONTEXTOS SÓCIO-HISTÓRICOS DAS OBRAS

3.2. O Contexto Estadunidense

A História norte-americana é distinta da italiana em diversos aspectos. A colonização de povoamento dos EUA foi feita de forma brutal, sangrenta, dizimando diversas populações58. Para os europeus que vinham em fuga para uma terra

desconhecida, a América poderia ser vista como um refúgio, mas também significaria a conquista de um pedaço de terra (como uma Canaã depois de Cristo), um local onde poderiam trabalhar e viver dignamente, longe das perseguições religiosas que os expulsaram do velho continente. A Marcha para o Oeste é um exemplo histórico de como se deu a colonização do país.

Com base nas ideias de Max Weber, a ética protestante59, fundamentada

na acumulação de riquezas e no lucro máximo, propiciou o surgimento de uma classe média produtiva, progressista e inauguradora do estilo de vida americano, nomeado como American Way of Life, após o final da Segunda Grande Guerra. Porém, observando os pressupostos tratados por Charles Mills, em A Nova Classe Média (White Collar), publicado em 1969, percebemos que há um esgotamento generalizado nas esferas da vida particular e pública da sociedade norte-americana, devido à burocratização imposta por elites que dominam a vida do cidadão comum, esvaziando o sentido de instituições caras à política neoliberalista, como a família, a Igreja e a propriedade privada, fonte da autonomia individual.

Adepto das ideias de Karl Emil Maximilian Weber, também conhecido como Max Weber, intelectual, jurista e economista alemão, Mills realiza uma ampla análise acerca da classe média norte-americana, tomando-os por lastimáveis por si mesmos, mais do que trágicos. A classe média é nomeada pelo autor como ‘colarinhos brancos’. Os colarinhos brancos são seres humanos alienados, despersonificados, impelidos por forças econômicas e de manipulação midiática.

58Nesse sentido, citamos a tradução brasileira “Enterrem Meu Coração na Curva do Rio” (2014), do

autor Dee Brown; tradução de Geraldo Galvão Ferraz/Lola Xavier. A obra narra os resultados da vasta pesquisa empreendida por Brown, publicada pela primeira vez em 1970, que recorre a cartas, depoimentos oficiais, autobiografias e descrições de chefes de tribos locais, como os Sioux, Dakota, Ute e Cheyenne, produzindo um texto dramático sobre as condições a que foram submetidos os nativos durante a colonização de povoamento.

59 Sobre isso, escreve Max Weber, em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo: (...) espírito

protestante e a cultura capitalista moderna, deveremos tentar encontrá-la, bem ou mal; não na alegria de viver mais ou menos materialista, ou ao menos anti-ascéticas, mas em suas características puramente religiosas. Montesquieu diz dos ingleses que “foram, de todos os povos, os que mais progrediram em três aspectos importantes: na religião, no comércio e na liberdade”. (2009, p. 45-46)

Assim, a classe média é composta de profissionais liberais ou empregados assalariados que creem que são indispensáveis à economia do país. Mesmo que creiam nisso, há muito tempo esses profissionais de colarinho branco perderam a sua capacidade anterior de ‘fator plástico’ que consistia em reunir os setores da sociedade americana em torno de um objetivo geral de acumulação de capital e competitividade. A desintegração desse panorama social conferiu à nova classe média norte- americana uma herança de ideais fantasiosos, imaginários, que não correspondem mais à realidade do próprio sistema industrial que alimentaram.

Na atualidade, a classe média consta como uma das rodas dentadas da engrenagem capitalista esmagadora que ajudaram a articular no passado. Podemos aludir a essa engrenagem como uma armadilha que os colarinhos brancos ajudaram a pôr em prática. No entanto, resultaram presos nela. Assim, os integrantes da middle class apegam-se à opinião comum, expressa pelos meios midiáticos, e procuram adequar-se a ela, pois creem que quanto mais ‘adequados’, mais respeitáveis se tornarão na sociedade. Ser respeitável, para eles, é o primeiro degrau para atingir o enriquecimento pessoal.

A respeitabilidade é uma das principais preocupações do colarinho branco, além do lucro máximo. A construção de uma reputação ilibada faz parte do seu cotidiano profissional e o sujeito de classe média vê-se como o seu maior investimento. Há uma despersonificação do homem de classe média quando este vende a sua força de trabalho: quando a alienação do trabalho é seguida pela própria auto-alienação, como bem nota Charles Mills (1969). Perseguindo o ideal de enriquecimento por si próprio, o colarinho branco agride a si mesmo, procurando adequar-se a um estilo de vida padronizado, reproduzido exaustivamente pelos meios de comunicação como o mais próximo da felicidade e o mais fácil para manter-se empregado.

Quando arranjam um emprego, os colarinhos brancos não vendem apenas seu tempo e energia, mas também suas personalidades. Vendem por uma semana ou por mês o sorriso e os gestos amáveis, e devem exercitar a pronta repressão do ressentimento e da agressividade. Esses traços pessoais têm relevância comercial, são necessários à distribuição mais rendosa dos bens e serviços. (MILLS, 1969, p. 19).

Cientes que, de maneira superficial, a sociedade italiana possa parecer diferente da americana, quanto à mentalidade e ideologias que a alimentam, nós constatamos que tanto a classe média americana quanto a italiana sofrem igualmente o processo de alienação geral da população e o sufocamento da criatividade, previsto por Karl Marx60.

Assim, observamos tal fato na personagem Elvira e nos condôminos, inseridos no contexto italiano: o trabalho, fonte máxima de desenvolvimento e contribuição do homem para as sociedades humanas, torna-se fonte de deformação, de irracionalidade, transformando os indivíduos, nas palavras de Mills, em “(...) criaturas alienadas, especializadas, animalizadas e despersonificadas” (1969, p. 236), o que igualmente está integrado à sociedade norte-americana.