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O contexto internacional da disseminação do microcrédito e das microfinanças

Mapa 4 Distribuição geográfica dos modelos institucionais de programas públicos de microcrédito na

3. A INOVAÇÃO DO MICROCRÉDITO E SUA DISSEMINAÇÃO

3.2. O contexto internacional da disseminação do microcrédito e das microfinanças

As primeiras experiências de microcrédito surgiram no início da década de 1970, num contexto de deterioração dos indicadores sociais dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, como uma resposta ao problema da pobreza. Naquele momento, o problema era enfrentado principalmente por meio de instrumentos de desenvolvimento clássicos, como a injeção de ajuda financeira internacional, criada pelas instituições de Bretton Woods22 e pela Organização das Nações Unidas (ONU) para grandes projetos de infra-estrutura, para gerar crescimento econômico e também para ajuda às necessidades humanas básicas, com ênfase em agricultura e desenvolvimento rural, nutrição, habitação, educação e saúde. O crescimento econômico foi acompanhado de concentração de renda e as estruturas nacionais de governança não se mostraram um canal eficiente entre as fontes de recursos e os estratos mais pobres da sociedade (OHANYAN, [200?], p. 9).

Nesse contexto, apoiar ONGs que operam microcrédito passou a ser uma alternativa para os financiadores internacionais que: 1) evitava a intermediação por governos nacionais ou locais e; 2) permitia que os recursos chegassem à população pobre, uma vez que as ONGs atendiam

19 Disponível em <http://www.villagebanking.org>. Acesso em: 28 de março de 2007. 20 Disponível em <http://www.compartamos.com/>. Acesso em 1.fev.2007.

21 Programa de Microcrédito do Banco do Nordeste do Brasil. Disponível em <www.bnb.gov/br>. Acesso em 1º. de fevereiro de 2007.

22 Os países mais industrializados estabeleceram em julho de 1944, nas conferências de Bretton Woods, um sistema de regras, instituições e procedimentos para regular a política econômica internacional. Foi criado o Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (International Bank for Reconstruction and Development, ou BIRD) (mais tarde dividido entre o Banco Mundial e o "Banco para investimentos internacionais") e o Fundo Monetário Internacional (FMI). Essas organizações tornaram-se operacionais em 1946, depois que um número suficiente de países ratificou o acordo. Disponível em Wikipedia <http://pt.wikipedia.org/wiki/Acordos_de_Bretton_Woods#As_origens_do_sistema_Bretton_Woods>. Acesso em: 20 de março de 2007.

diretamente essa população; 3) preenchia uma de falha de mercado, sendo bem vista num contexto no qual a liberalização dos mercados era a ideologia predominante (OHANYAN, [200?], p. 9).

Foi nesse contexto que, no início dos anos 1990, diversas agências de fomento e organizações multilaterais como o Banco Mundial e a ONU reconheceram o microcrédito como uma ferramenta de redução da pobreza e incentivaram a expansão desse tipo de iniciativa por meio de financiamento, assessoria técnica e produção de conhecimento (HELMS, 2006. p. 4). Em 1995, foi criado o CGAP, Consultative Group to Assist the Poor, uma associação de 28 agências de desenvolvimento, públicas e privadas, entre elas o Banco Mundial, a ONU e a Usaid. O CGAP atua como um centro de informações sobre treinamento, assessoria técnica, ferramentas de gestão e padrões de indicadores em microfinanças e tem foco na identificação, sistematização e disseminação de “melhores práticas” de microfinanças (CGAP, 2006. p. 1).

A opção feita pelas instituições de fomento internacionais de direcionar seus recursos para ONGs ao invés de governos, justificada pelo argumento de serem mais eficientes no uso do dinheiro, foi criticada por tornar seus investimentos impermeáveis às instituições democráticas nacionais e

locais23 (PETRAS, 1997, p. 1).

Há consenso entre as agências de fomento, multilaterais e ONGs internacionais, de que a ação de governos deve se restringir à criação de legislações favoráveis ao desenvolvimento das instituições privadas de microcrédito (HELMS, 2006). O CGAP apresenta com clareza a posição de que os governos não devem atuar na oferta de serviços financeiros, em um documento chamado “Key Principals of Microfinance”, que foi endossado pelos seus 31 membros doadores e, em junho de 2004, pelo Grupo dos Oito Países Líderes24 (G8):

O papel do Governo é permitir que se desenvolvam serviços financeiros, e não provê-los diretamente. Governos quase nunca fazem um bom trabalho de

provedor de serviços financeiros, mas eles podem organizar um ambiente de

23 Their programs are not accountable to the local people but to overseas donors. In that sense NGOs undermine democracy by taking social programs out of the hands of the local people and their elected officials to create dependence on non-elected, overseas officials and their locally anointed officials.

24 O Grupos dos Oito Países Líderes é um fórum internacional de governos do Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos.

políticas de apoio. (CGAP, http://www.cgap.org/keyprinciples.html. Acessado em 28 de fevereiro de 2007. Tradução nossa).

Outro princípio que foi difundido pelas agências de desenvolvimento e multilaterais refere-se à

auto-sustentabilidade das instituições de microfinanças, ou seja, que essas possam cobrir todos

os seus custos com as taxas de juros cobradas, pois, de acordo com os formuladores, essa é a única forma de atingir escala, uma vez que os recursos de doações não serão suficientes para atender a toda a demanda.

As microfinanças podem e devem ser auto-suficientes para atingir um grande número de pessoas pobres. A maioria dos pobres não tem acesso a

bons serviços financeiros que atendam suas necessidades porque não existem instituições fortes o suficiente que forneçam esses serviços. Instituições fortes têm de cobrar o suficiente para cobrir seus custos. A recuperação dos custos não é um fim em si mesmo, mas antes a única forma de atingir a escala e o impacto para além do que os doadores podem financiar. Uma institutição auto-suficiente em termos financeiros pode continuar a expandir a sua oferta de serviços no longo prazo. Atingir esta forma de sustentabilidade significa diminuir custos de transação, oferecendo serviços mais úteis aos clientes, e encontrando novas formas de alcançar os pobres desprovidos de acesso ao sistema bancário

(CGAP, <http://www.cgap.org/docs/KeyPrincMicrofinance_por.pdf>. Acessado em 28 de fevereiro de 2007.)

Esses princípios conformam um campo de pensamento sobre as microfinanças e o microcrédito que é hegemônico entre organizações multilaterais e agências de cooperação internacional.

Em sentido contrário ao campo ideológico acima descrito, foram criados no Brasil, nos últimos dez anos, diversos programas de microcrédito estaduais e municipais com recursos

orçamentários. Esses programas se beneficiaram dos conhecimentos técnicos disseminados por

essas agências de fomento e instituições multilaterais, embora não tenham tido acesso ao seu suporte financeiro, conforme é apresentado nos capítulos 4 e 5 deste estudo.