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O contexto político brasileiro e as alterações na política educacional a

No documento São Paulo: [s.n (páginas 75-81)

1. TRABALHO E EDUCAÇÃO: CONCEITOS E TRAJETÓRIAS NO

1.3. O contexto político brasileiro e as alterações na política educacional a

Mapa 2. IFSP – Mapa dos câmpus no Estado de São Paulo

Fonte: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP). Disponível em:

<https://www.ifsp.edu.br/sobre-o-campus>.

Essa nova instituição trouxe também uma nova configuração do corpo discente por meio das políticas de acesso e permanência (ainda que não implantadas plenamente), o que nos possibilita observar maior presença de estudantes oriundos da classe trabalhadora e com perfil de vulnerabilidade social. Esses novos estudantes foram decisivos no enfrentamento do contexto político iniciado na década de 2010.

1.3. O contexto político brasileiro e as alterações na política educacional a partir

movimentos de protesto para a política global40 (elaborado pelo The Economist Group), com a identificação de manifestações, principalmente contrárias às diretrizes políticas e aos governos, em sessenta e nove países.

No Brasil não foi diferente. A partir de junho de 2013 houve grande mobilização nacional cuja reivindicação (inicial) era a gratuidade do transporte público com ênfase para os estudantes. As manifestações, decorrentes desse movimento, aconteceram após o aumento no valor da tarifa (proposto por diversos governos locais) e a elevação do custo de vida principalmente para a população de baixa renda41.

É importante observar que naquele momento havia uma insatisfação popular com o aumento dos gastos públicos, sobretudo os vinculados às obras de infraestrutura destinadas aos eventos esportivos que o país sediou nos anos de 2014 e 2016 (a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, respectivamente), e que se tornaram alvo de diversas denúncias de corrupção. As divergências com as políticas governamentais foram manifestadas sob os lemas “Não vai ter copa!” e “Não é por 0,20 centavos, é por direitos”.

O Movimento Passe Livre42 (MPL) foi o principal articulador das manifestações que tiveram repercussão nacional, sendo identificadas em mais de 120 cidades do país. A voz das ruas era predominantemente jovem43 e sua pauta continha, para além da questão da gratuidade do transporte, a reivindicação por participação popular nas decisões políticas. Esse grito encontrou eco no Governo Federal, conforme apontou Gohn (2017):

40 Rebeldes sem causa – O que significa o aumento dos movimentos de protesto para a política global, Um relatório da The Economist Intelligence Unit, uma divisão de pesquisa do The Economist Group.

Disponível em: <http://archive.battleofideas.org.uk/documents/RebelsWeb.pdf>.

41 Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice Nacional de Preço ao Consumidor Ampliado (IPCA) de 2013 apresentou aumento em relação ao ano de 2012, sendo o seu resultado anual 5,91%. Alimentos e bebidas foram os produtos e serviços com maior elevação. Esses dados estão disponíveis no Relatório do IBGE Indicadores Sociais, Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor (IPCA/INPC, 2013).

42 O Movimento Passe Livre teve origem no Fórum Mundial Social, realizado em Porto Alegre no ano de 2005, e se define como um movimento autônomo, horizontal, independente e não partidário (mas não antipartidário).

43 Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, 53% dos manifestantes que foram às ruas em junho de 2013 tinham idade até 25 anos. A pesquisa foi realizada no dia 17 de junho de 2013, com 766 manifestantes reunidos no Largo da Batata, em São Paulo, e possui margem de erro máxima de 4%.

Disponível em: <http://media.folha.uol.com.br/datafolha/ 2013/06/19/contagaem-manifestacao-lgo-da-batata.pdf^>.

O então governo federal reformulou sua agenda política, priorizando a temática da participação social, a inclusão dos jovens etc. Passou a lidar com esses novos sujeitos sociais com identidades específicas, cujas demandas não tinham sido incorporadas nas agendas dos governos, passando a se constituir como grande desafio no campo das políticas públicas. Alguns líderes do MPL foram convidados para ir ao Palácio, em Brasília, pós-junho de 2013 (GOHN, 2017, p. 57).

Uma das ações práticas de resposta do Governo da presidenta Dilma Rousseff às demandas das ruas foi a promulgação do Estatuto da Juventude44, por meio da Lei n. 12.862, de agosto de 2013, que estabeleceu os princípios e as diretrizes para as políticas públicas destinadas à juventude, bem como normatizou a atuação do Conselho Nacional da Juventude e a obrigatoriedade da realização das Conferências Nacionais, com periodicidade máxima de 4 anos.

Contudo, outros atores surgiram durante as manifestações de 2013, se organizaram, aproveitaram o clima de insatisfação e se utilizaram da mobilização, porém com outro repertório de reivindicações, vinculado à direita e a um projeto de retomada do pensamento conservador. O Movimento Brasil Livre (MBL) e o Movimento Vem Pra Rua (VPR) foram os grandes destaques dessa atuação.

A partir de 2014, esses dois movimentos foram responsáveis por iniciar uma ofensiva campanha contrária ao governo vigente e ao Partido dos Trabalhadores, que ocupava o Poder Executivo no âmbito federal desde o ano de 2002. Sob o lema “Fora PT” esses movimentos utilizavam os estratégicos “vazamentos” das informações da Operação Lava Jato45 para criminalizar os principais políticos do partido, apresentando como proposta o combate à corrupção, uma profunda mudança na forma de executar a política e um projeto de estado liberal, baseado em um pensamento conservador e de extrema direita. Esses movimentos contaram com

44 O Estatuto da Juventude, mais do que um documento legal, significa o reconhecimento das reivindicações dessa parcela importante da população de 15 a 29 anos que, em 2010 (ano do último censo populacional realizado no Brasil) representava quase 20% dos brasileiros. Dentre os direitos assegurados pela legislação, destaca-se a participação social e representatividade nas instâncias de controle social das políticas públicas, possibilitando uma ruptura com a ausência histórica de políticas voltadas exclusivamente às demandas juvenis. A construção do Estatuto é decorrente de um processo histórico iniciado em 2005, com a criação do Conselho Nacional da Juventude por meio da Lei n.

11.129/2005 que, dentre outras atribuições, estabelece que o CNJ tem a finalidade de formular e propor diretrizes para as políticas públicas de juventude.

45 A Operação Lava Jato é uma investigação da Justiça Federal, iniciada em 2014 no estado do Paraná, com o objetivo de investigar casos de corrupção e lavagem de dinheiro. Até o ano de 2018, essa operação estava vinculada ao juiz federal Sergio Moro, que se tornou Ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro, em 2019, abandonando a magistratura.

ampla divulgação da mídia e com investimentos financeiros internacionais46, constituindo-se como uma forte influência no processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff e na candidatura de seus integrantes nas eleições de 2016.

As manifestações populares ocorridas no Brasil passaram por alterações de perfil e composição, sendo categorizadas por Gohn (2017) como “ciclo de protestos”

de 2013 a 2016, com destaque para três momentos distintos: o primeiro a autora denomina como “novíssimos atores em cena em junho de 2013” (que corresponde ao movimento iniciado pelo MPL); o seguinte ocorre com o “surgimento de contracorrentes nos novíssimos” (que é o surgimento dos movimentos vinculados à direita e que retomam pensamentos conservadores, vinculados à uma proposta liberal, representados pelo MBL e o VPR); e, por último, o terceiro ciclo, denominado pela autora como “a multidão retoma às ruas, em 15 de março de 2015” (quando há uma reação mais articulada dos movimentos sociais clássicos em defesa da democracia no país).

É exatamente nesse terceiro ciclo que ocorre o fato que deu origem ao objeto de estudo desta tese. Os movimentos sociais no país compuseram as “Frentes” de ação política (formadas por movimentos populares, centrais sindicais e partidos) das quais podemos destacar a Frente Brasil Popular e a Frente Povo sem Medo. Essa articulação objetivava “recuperar as ruas” e denunciar, entre outras demandas, a possibilidade de golpe contra a democracia (concretizado por meio do processo que culminou com o impeachment da presidenta democraticamente eleita, Dilma Rousseff no ano de 2016) e, ainda, denunciar a ameaça latente de perdas de direitos sociais com as propostas de reformas trabalhista, previdenciária e do Ensino Médio47.

46 O Movimento Vem Pra Rua teve sua página na internet criada pela Fundação Estudar, vinculada ao empresário Paulo Lemman, conforme reportagem da BBC Brasil, disponível em: <https://www.bbc.com/

portuguese/noticias/2015/03/150313_financiamento_protestos_rs>.

Já o Movimento Brasil Livre tem como um de seus fundadores Fábio Ostermann, que é membro e foi cofundador do Estudantes pela Liberdade (EPL) no Brasil. O EPL é uma organização estudantil internacional, fundada nos Estados Unidos da América, apoiada por fundações de grupos empresariais que defendem o ideário liberal para a economia. O MBL teve oito candidatos eleitos em 2016, conforme aponta a reportagem da Revista Carta Capital, de 03 out. 2016, disponível em:

<https://www.cartacapital. com.br/politica/mbl-elegeu-oito-de-seus-45-candidatos/>.

A campanha a favor do impeachment teve apoio, ainda, da área industrial nacional, por meio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), que utilizava o lema: “Não vou pagar o pato!”, em referência direta às denúncias de corrupção, à crise econômica e aos índices de desemprego.

47 A Reforma do Ensino Médio teve início no ano de 2013, com ampla discussão com a comunidade escolar, sendo realizados diversos encontros e fóruns para a construção da Base Nacional Curricular Comum. Contudo, ao ser implementada por Medida Provisória, o governo interino de Michel Temer

O movimento estudantil, participante ativo desse terceiro ciclo de protesto, somou à pauta mais ampla as propostas que tramitavam nas diversas esferas de poder e que afetavam a política educacional frontalmente, como o Projeto Escola sem Partido, os cortes orçamentários na política de educação e, nos âmbitos estaduais, a proposta de reorganização na gestão e disposição das escolas.

Após a conclusão do processo de impeachment e com o início do governo interino de Michel Temer, as reformas foram iniciadas. A Reforma do Ensino Médio foi efetivada por meio de Medida Provisória (MP n. 746/2016), os projetos de emendas constitucionais visando o congelamento dos gastos com as políticas de saúde e educação foram aprovados pelo Congresso Nacional (EC nº 95/2017) e a perseguição aos docentes sob a alegação de doutrinação no ensino, pregada pelo Projeto Escola sem Partido48, foi acentuada e incentivada inclusive ocasionando gravações e divulgações de aulas de diversas escolas do país.

A proposta do Projeto Escola sem Partido se constitui como uma perigosa armadilha ao propor a inexistência de ideologia no ambiente escolar, pois, como vimos anteriormente a partir de Iasi (2013), a classe dominante impede, por diferentes estratégias, que a classe trabalhadora tome consciência de sua condição de classe e, a partir de um “consenso” mediado pelo Estado, difunde a sua ideologia, tornando-a dominante. O mesmo ocorre com o exercício do pensamento crítico nas escolas que, para a burguesia, é uma ameaça à manutenção de seu status quo, sobretudo quando ocorre em escolas públicas de nível fundamental e médio, socialmente destinadas aos filhos da classe trabalhadora.

Nesse sentido, a educação se torna uma importante possibilidade de ruptura com a ideologia dominante, divulgada em massa na sociedade capitalista, requerendo rigoroso controle pelo Estado. A resposta do movimento estudantil, entretanto,

desconsiderou os apontamentos anteriores, acarretando a aprovação de medidas que trarão vários impactos para os estudantes, com prejuízos sobretudo para a educação pública e formação profissional (como a redução da carga horária do ensino técnico, obrigatoriedade dos conteúdos apenas de português e matemática e, ainda, a possibilidade de contratação dos professores do conteúdo técnico baseado no notório saber, apenas).

48Os projetos “Escola Sem Partido”, visando a eliminação do que denominaram como “doutrinação ideológica” no conteúdo escolar, tramitaram em diversas instâncias do Poder legislativo no país. Em abril de 2020, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, declarou que os projetos são inconstitucionais. A origem desses projetos é associada ao movimento político de mesmo nome, iniciado no ano de 2004, cujo principal divulgador foi o advogado e procurador do Estado de São Paulo, Miguel Nagib.

aconteceu com a mesma intensidade do ataque às políticas de educação, como veremos no capítulo III desta tese, denominado Juventude em Movimento.

No documento São Paulo: [s.n (páginas 75-81)