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2 AS REPRESENTAÇÕES NEGRAS PARA A CONSTRUÇÃO DA MÍDIA

3.2 Escute sua voz: o ativismo digital negro na rede

3.2.2 O contexto social do movimento negro no Brasil e no Ceará

Pensar narrativas negras na web como espaço de ruptura e resignificação da história para a população negra é a possibilidade de compreender como esses sujeitos podem ser agentes de rede (VAZ, 1999) que produzem um lugar de fala nas redes sociais. Para isso, é importante lembrar que o movimento negro tem caminhando, por séculos, na tentativa de afirmar seu lugar de fala (RIBEIRO, 2017) na sociedade. Vemos isso com a criação do movimento negro como uma ruptura ao modelo de organização e participação que não representavam as especificidades do segmento. As opressões que se cristalizam na discriminação racial produzindo desemprego, educação inadequada e violência causam um processo de desumanização diário (DAVIS, 2016) entre a população negra. Ela buscava proteção do Estado que não respondia por suas demandas e, na sociedade, silenciava as pautas. As ideologias apresentadas pelos movimentos sociais em geral, que, por muitas vezes, secundarizou suas temáticas, afirmando estarem em prol de um bem comum que podia

responder por todas as temáticas. Isso ocorreu também com o movimento de mulheres, juventude, pelos direitos da população LGBT, entre outras.

Compreendendo o contexto histórico, Sousa (2008) explica que o movimento negro nasce a partir da luta do povo negro por condições de vida digna. Ele afirma que “cada luta revelava a necessidade de estabelecer a dignidade do negro, e, assim sendo, alguns dos pontos fundamentais em questão eram os processos de negação dos estigmas sociais e de afirmação das identidades negras” (SOUSA, 2008, p. 35). Ele ainda afirma que diversos fatores na história ajudaram no fortalecimento das organizações negras, de cunho político, social e/ou artístico, na luta antirracista no Brasil. A pauta do movimento negro ganhou o mundo com revoltas, malês, criação de Frentes de artistas negros, Congressos sobre negritude, comunicação negra como fatores que evidenciaram a luta do povo negro.

No mundo, países no Continente Americano, como os Estados Unidos da América, debatiam o pensamento da luta antirracista; na Europa, estudiosos negros discutiam sobre as lutas dos países africanos por libertação. O continente negro, África, a luta pela libertação das colônias e a luta por direitos civis ganhavam pauta nos meios de comunicação. A conscientização da população negra no mundo inteiro tornava-se real com a afirmação “a uma conscientização da necessidade de se auto-afirmarem como negros” (SOUSA, 2008, p. 39).

Os avanços percebidos na luta pelos direitos civis dos negros americanos foram decisivos para que os negros brasileiros percebessem a importância da mobilização política em linhas raciais. Além disso, havia uma espécie de descontentamento dos militares com a forma como as questões particulares dos movimentos sociais eram tratadas dentro dos partidos políticos, onde se acreditava que as demandas específicas (negros, mulheres...) viriam a reboque da Revolução. (SOUSA, 2008, p.41).

Ele mostra que os acontecimentos históricos e sociais culminaram na formação do Movimento Negro que não se percebia nas representações apresentadas pelos movimentos sociais. Ascensão social, cidadania e liberdade faziam parte deste negro que busca sua cultura. Ou, como afirma Sousa (2008), “para os negros, a busca por essas raízes, não se dava dissociada do discurso político e se tornou, pouco a pouco, dentro daquilo que era permitido pelo regime político, mola propulsora de um discurso político negro”. (SOUSA, 2008, p.39). Esse levante negro será incorporado em diferentes estados brasileiros, incluindo o Ceará, que também iniciará sua luta por direitos para a população negra. No Ceará, é importante considerar que a atividade econômica ligada ao setor agropastoril na região sertaneja, em especial no Ceará, culminou na formação diferenciada do engenho, como explica Ferreira. Ele

afirma que a ocupação do Ceará ocorre com a presença do homem livre, de cor ou não, e refletirá na estruturação das relações na sociedade cearense. No entanto, não será diferente de outros estados brasileiros que têm a ideologia escravagista (FERREIRA, 2009) como forma de inferiorizar o negro. Com isso, o Movimento Negro no Ceará também disputou as ações político-sociais para definir sua negritude cearense (SOUSA, 2008).

Percebemos assim que, na história do Movimento Negro cearense, apesar das insistentes tentativas em contrário, os questionamentos em torno da realidade social do negro e a possibilidade discursiva em torno de uma negritude estavam já em curso e surgiam em vários locais e em vários espaços de atuação socio-política, promovendo discursos que procuravam ressignificar a própria negritude ao mesmo tempo em que surgiam com o propósito de contrapor-se a diversas situações de discriminação. (SOUSA, 2008, p.55).

O Movimento Negro no Ceará iniciará uma caminhada pela identificação apresentando questões relativas à negritude e à identidade que culminaram na criação de várias organizações que trazem o discurso das relações raciais como o grupo Juventude Negra Kalunga que, compreendendo a necessidade de integração da pauta da juventude negra, estabelece demandas específicas. Como enfatiza Peruzzo (1998), ao determinar que movimentos e organizações criam estratégias de participação social para cobrar direitos civis. Ela discorre a questão da participação como um elemento que a população brasileira excluída busca, incessantemente, para tentar validar seus direitos e exercer sua cidadania, como a população negra. Sendo assim, a participação do Movimento Negro na luta antirracista acarretará em um importante papel na formação de novos sujeitos conscientes de sua identidade, refletindo sobre seu posicionamento diante de práticas racistas e afirmando sua negritude para a promoção de uma sociedade que discuta as relações raciais. Isso só é possível com o aparecimento de novas possibilidades de lutas sociais na qual a população negra consegue visibilizar suas pautas e afirmar o pertencimento de sua consciência negra. Esse será o pontapé do movimento negro pela disputa por outros lugares, como exemplo as comunidades virtuais, nas quais podem compartilhar formas diferentes de defesa e resistência negra.