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O Continuum de Risco e as Variáveis Determinantes

PARTE IV A DISCUSSÃO

4.8. O Continuum de Risco e as Variáveis Determinantes

Este subcapítulo responde à questão de investigação número dez: Quais as variáveis que têm efeito no continuum do risco de dependência? Após verificação e tentativa de interpretação da existência de uma progressão de risco, recreativo-abusivo-patológico, serão aprofundadas, em particular, as variáveis determinantes que constituem o perfil do jogador patológico: do JPOF e do JPON.

A forma mais clara de revelar se existe um continuum de risco na carreira do jogador patológico é sobretudo avaliar as consequências e alterações de comportamento ao longo do percurso. Fomos sistematicamente evocando estas diferenças ao longo do estudo para evitar a repetição de dados neste capítulo. Este estudo não é obviamente longitudinal, mas depreende- se, pelas pontuações obtidas no SOGS e respetiva classificação do tipo de jogador, que estas são representativas de cada uma das fases referidas (recreativo-abusivo-patológico). Houve diferenças significativas de forma sistemática entre os diversos tipos e fases de jogadores, fosse no modo online ou offline, culminando nos patológicos, com valores sempre superiores. Neste capítulo, iremos focar a atenção neste facto essencial, que é a crescente severidade das consequências prejudiciais no jogador que acompanham o continuum recreativo-abusivo- patológico. Estas consequências também se manifestam ao nível da motivação e prognóstico de tratamento. Resultados obtidos em estudos já realizados nesta matéria expressaram bem a evidência de que diferentes níveis ou intensidade da patologia, como por exemplo nos jogadores abusivos versus patológicos, prediziam significativamente o aumento da disponibilidade para a mudança (Squires, et al., 2012).

Apesar de terem uma reduzida representatividade na amostra, e de se centrarem sobretudo nos JPOF, as consequências ao nível de problemas com a justiça e respetivas sentenças, a situação de sem-abrigo e até de violência doméstica como agressores, existem, revelando até que extremo pode avançar o desgoverno e descontrolo em relação ao jogo. Da mesma forma, com valores mais elevados nos JPOF do que nos JPON, encontram-se inúmeras variáveis significativas relacionadas com consequências em termos de sentimentos e

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comportamentos, tais como: serem criticados, sentirem-se culpados, não conseguirem parar, terem conflitos e discussões sobre dinheiro, perder tempo de trabalho e pedir empréstimos devido ao jogo compulsivo. No que respeita a apostar mais do que se pretendia, mentir sobre ganhos e voltar a jogar para recuperar o dinheiro perdido (resgate), os JPOF obtêm valores mais elevados, estando, no entanto, relativamente próximos dos JPON. Esta diferença com os gastos de dinheiro tende a diluir-se devido à crescente dificuldade de financiamento e aumento de obsessão/impulsividade dos JPOF, e por outro lado, à relativa facilidade de obtenção de dinheiro por parte dos JPON, cuja carreira de jogo ainda está relativamente no início.

A variável sobre a maior quantidade de dinheiro gasto num só dia pode ser verdadeiramente representativa da evolução dos jogadores via internet: os JPON vão-se aproximando dos montantes gastos pelos JPOF, sendo que já são por si só significativos para sujeitos relativamente novos, com mais de 63% a terem gasto, como máximo, num só dia, entre 10 e 1.000 Euros; e 15,8% entre 1.000 e 10.000 Euros. No escalão mais elevado, correspondente a mais de 10.000 Euros, os JPON já ultrapassam os JPOF (4.7% vs 4.1%, respetivamente) em dados retirados do SOGS. Poder-se-á falar em maior descontrolo, maior perda de noção do dinheiro, maior impulsividade e resgate, na euforia do jogo por parte dos JPON, como características do jogo online, pelo menos no que respeita a valores elevados. No meio fica uma zona cinzenta que se dilui frequentemente na pessoa e no tempo, em função de inúmeras variáveis. Contudo, alguns clínicos e epidemiologistas consideram que os jogadores patológicos constituem um grupo distinto, qualitativamente diferente dos outros. Ora a maior parte das pessoas, que já estudaram o assunto com atenção, tem a perspetiva de que os problemas de jogo repousam num continuum em que todas as consequências desta dependência estão hierarquicamente escalonadas entre ligeiras e graves (Orford, 2011).

Elaborando uma clara e inequívoca formulação, poderá asseverar-se que tanto os JPOF como os JPON acentuaram: o tempo de jogo e o dinheiro gasto; apostaram em horários tardios; em forte isolamento; com consumos de álcool e tabaco; com ideação suicida; com problemas de depressão e ansiedade, implicando, na maior parte dos casos, uma troca de prioridades, em que áreas da vida familiar, conjugal, social, profissional, maiores necessidades de substituição por outras atividades, entre outras, foram/serão fortemente afetadas, ao ponto de perder o controlo, que é, por definição, a principal característica da adição, mas que também já se manifesta nos jogadores abusivos. Nos jogadores patológicos e abusivos existe um elevado nível de impulsividade, ou historial de perturbações da ansiedade, que constituem um fator de risco para comorbilidades como a hiperatividade e défice de

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atenção (Grall-Bronnec, et al., 2011). A produtividade, assiduidade e pontualidade são afetadas na componente profissional, assim como alguns outros estudos já realizados estabelecem mesmo uma relação com processos de insolvência e falência.

Nem sempre é fácil perceber se o jogo patológico foi diretamente responsável pelas consequências significativamente negativas na vida do jogador, ou se o jogo é mais uma consequência prejudicial, resultado de algum tipo de perturbação anterior ou a montante. Isso será, eventualmente, objeto de outro estudo. Independentemente de se considerar que o jogo patológico e os seus danos sejam devidos a causas multifatoriais, o objetivo neste estudo será sempre o de quantificar, e, se possível, esclarecer as diferenças entre os modos offline e online e a sua perigosidade.

Nesse mesmo sentido, irá proceder-se à interpretação das determinantes do jogo patológico. A regressão linear vem confirmar as diferenças entre jogadores patológicos offline e jogadores patológicos online. O jogador patológico, no sentido lato, ou seja, abrangendo os JPOF e os JPON, tem características que pertencem a ambos os modos.

4.8.1. O perfil do jogador patológico.

As determinantes encontradas na regressão linear para todos os jogadores patológicos, considerando ambas as vertentes, jogo offline e jogo online, foram as seguintes: género masculino, jogarem preferencialmente no modo offline, sofrerem de stresse e de ideação suicida, consumirem tabaco, terem relação conjugal, jogarem elevado número de horas, sentirem forte euforia/excitação, evasão/alheamento e rápida passagem do tempo enquanto jogam. Se se tentasse caracterizar ou traçar um perfil do jogador patológico, poderia acrescentar-se, pelas elevadas percentagens, médias e diferenças estatísticas obtidas nos resultados: média de idade de 35 anos, a residência em área urbana e todas as outras características comuns aos modos offline e online, e que se apresentam de seguida nos respetivos perfis de JPOF e JPON. De facto, cada grupo tem algumas características próprias e outras que são comuns aos dois grupos, tal como sugerido no trabalho de Cole, et al. (2010). Para além das características próprias de cada um destes grupos de jogadores patológicos, é confirmado neste estudo que, em todo o seu conjunto, a maior parte aposta tanto online como

offline, aumentando desta forma a integração, sobreposição ou mesmo fusão destas

modalidades, num só jogador tipo (o misto), que terá tantos mais problemas quanto mais for eficaz no acesso, obtenção e gratificação do comportamento de jogo. O essencial da questão é que se estará, eventualmente, a formar um novo tipo de jogador, que tanto joga no modo

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offline como online, apesar de optar por jogar preferencialmente num dos modos (Griffiths,

2011). No entanto, assiste-se no presente a uma separação clara entre online e offline, pois a maior parte dos jogadores opta essencialmente por um dos modos.

4.8.2. O perfil do jogador patológico offline.

O perfil do JPOF mudou consideravelmente ao longo dos últimos anos. Para além do jogo via internet, houve uma grande disseminação de locais físicos de jogo, programas de marketing muito apelativos, aprovação de legislação favorável ao jogo, novas e mais sofisticadas formas de apostar, assim como novos tipos de jogo, que desestigmatizaram, democratizaram e aumentaram a população jogadora. No caso específico do jogo e problemas de jogo existe muita evidência: estudos entre zonas geográficas com diferentes concentrações de estabelecimentos de jogo; outros que revelam o aumento do jogo e de problemas de jogo após a inauguração de novas instalações de jogo, como um casino ou a implementação de lotarias nacionais (Orford, 2011). As determinantes encontradas para os JPOF foram: média de idade de 40 anos, género masculino, sofrerem de stresse e ideação suicida, consumo de tabaco problemático, jogarem elevado número de horas, sentirem forte euforia/excitação e evasão/alheamento. Tanto ao nível do perfil mais restrito, do ponto vista estatístico, como ao nível do perfil mais alargado, contemplando maior número de características, existem semelhanças e diferenças. Este perfil continua a evoluir, mas são os fatores de risco estruturais e situacionais que mais parecem contribuir para esta evolução.

Segundo Abbott (2007), os fatores situacionais podem ser determinantes no desenvolvimento do comportamento de jogo, mas também podem servir para o diminuir ou prevenir. Esta tendência fornece linhas orientadoras para intervir na área estrutural (tipos de jogos, tipo de prémios, frequência e rapidez de apostas, informação preventiva, etc.) ou situacional (legislação, acessibilidade, marketing, autoexclusão, localização, horários, etc.) de forma mais cirúrgica. No mesmo sentido, sendo “recém-nascido”, mas tão evolutivo quanto são as novas tecnologias, surge o jogador patológico online.

4.8.3. O perfil do jogador patológico online.

Foram encontradas algumas variáveis preditoras de comportamentos problemáticos no que se refere aos jogadores online. Os estudos nesta área começaram essencialmente no final

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da década passada e revelam dados relativamente próximos, que agora mesmo se observam. As recentes investigações evidenciaram que os níveis de envolvimento em jogo (medido em grande parte pelo número de atividades iniciadas e a quantidade de tempo e/ou dinheiro gasto no jogo) são, em geral, melhores preditores de problemas de jogo do que a participação em atividades específicas (NATCEN, 2011).

As determinantes encontradas na regressão linear para os JPON foram: média de idade de 30 anos, género masculino, terem o 12º ano, sofrerem de stresse e ideação suicida, consumo de tabaco problemático, serem solteiros, jogarem um elevado número de horas, e sentirem forte euforia/excitação e evasão/alheamento. Apesar de uma menor significância estatística, mas sendo relevante pelas diferenças, as características próprias dos JPON, que não existem em JPOF, são: serem solteiros, mais habilitações, relação mais estável com pai, menos filhos, serem mais atraídos pela acessibilidade, disponibilidade e comodidade e, finalmente, apostarem preferencialmente em poker e apostas desportivas. Existe uma nova população, com novas características, que aderiu ao jogo via internet. Esta população é tão variada quanto a diversidade de tipos de jogos e acesso que existem na internet. Para além deste facto, o jogo online está a conquistar também o típico jogador offline. Este novo jogador (misto), e seu respetivo conceito, está a começar a ser definido nestes últimos anos, desconhecendo-se ainda claramente as suas implicações (Kairouz, et al., 2012).

O perfil reduzido tem cerca de dez características, ao passo que o extenso apresenta cerca de trinta, tanto para JPOF como para JPON. Um exemplo de perfil reduzido, com base em dados sociodemográficos oriundos de um estudo de prevalência, será o do jogador via internet na Grã-Bretanha, com os jogadores via internet a terem mais probabilidades de serem: homens, jovens adultos, solteiros, com boas habilitações, e empregados ou gestores (Griffiths, et al 2009). Um exemplo de caracterização extensa é-nos fornecido sobre o jogador

online no Canadá, por Derevensky (2012): predominantemente homens, aumentando nas

mulheres, dependentes de um tipo de jogo, abaixo dos 40 anos, na maioria jovens adultos, habilitações elevadas, bons salários, maioria já jogou em sites sociais, sites sem ser a dinheiro, e em vários sites, sobretudo em princípio de noite, por pequenos períodos de menos de 2 horas, apostando entre 30 e 60 $ por sessão, solitariamente mas também para socializar, quanto maior a dependência mais apostadores/apostas a dinheiro e maiores as quantias gastas e ganhas, sendo prática comum o jogo sem ser a dinheiro e que tanto os jogadores abusivos como patológicos jogam mais, com e sem dinheiro, do que os recreativos.

Estas diferenças entre JPOF e JPON podem assumir proporções muito relevantes quando contempladas e enquadradas em contexto clínico, ou preventivo, determinando

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probabilidades de sucesso terapêutico. Com efeito, estas diferenças são significativas, obrigando à constante referenciação do jogador patológico como online ou offline, com fortes implicações em diferentes domínios: teoria, programas de apoio estatal, programas de investigação, parcerias nacionais e internacionais. Esta emergente população condiciona e obriga a nova legislação que contemple regulamentação a vários níveis, tais como: prevenção, tratamento, formação de pessoal das empresas promotoras de jogo e de técnicos fiscalizadores, formas de pagamento, impostos, marketing, tipo de prémios, redistribuição dos lucros, jogo responsável (autoexclusão, limites tempo e prémios online, etc.), linhas de ajuda e controlo do impacto destas atividades na economia.