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CAPÍTULO 4 – Nordeste açucareiro, séculos XVII e XV

4.1. O controle dos rendimentos dos cargos e ofícios

Como já explicado nos capítulos anteriores, o rei administrava seus domínios de além-mar com o auxílio de diferentes estratos da sociedade. Os pressupostos corporativos do poder no Antigo Regime exigiam que assim fosse. Como os governos das capitanias tendiam a ser reservados para a nobreza titulada do reino, e os postos de justiça deveriam ser ocupados exclusivamente por magistrados, os postos municipais serviam tanto para cooptar os potentados, quanto para inflar simbolicamente o seu mando no nível local.544Além desses, muitos plebeus viam nos demais postos inferiores uma oportunidade de, ao mesmo tempo, ter algum rendimento que lhes garantisse a sobrevivência e os tornassem de algum modo influentes localmente, tais como os ofícios de escrivães e tesoureiros. Nesse sentido, os cargos mais importantes, sendo considerados uma penosa tarefa que deveria ser recompensada com títulos e privilégios, eram ocupados por pessoas do mais alto escalão social, ao passo que os ofícios menores eram atrativos para as camadas inferiores da sociedade; e também traziam algum prestigio. Outrossim, ambos podiam aufeir ganhos pecuniários lícitos e ilícitos.

543 SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. Op. cit., p.95-96; FRAGOSO, João. “A noção de economia colonial tardia no Rio de Janeiro e as conexões econômicas do império português: 1790-1820”. In: __________; BICALHO, Maria Fernanda Baptista; GOUVÊA, Maria de Fátima Silva (Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos. Op. cit., p. 333; FERLINI, Vera Lúcia Amaral. Açúcar e colonização. São Paulo: Alameda, 2010, p. 106. 544 BICALHO, Maria Fernanda. “As câmaras ultramarinas e o governo do Império”. Op. cit., p. 220.

Na sociedade que ia se desenvolvendo ao redor dos engenhos de cana, o acesso à terra contribuía para a formação de uma elite privilegiada, detentora de recursos econômicos, proprietária de terras e escravos. Essa elite, comprometida com o processo de ocupação, forneceria os recursos humanos necessários para a ocupação dos quadros da administração colonial.545 Com o objetivo de angariar status e promover os seus interesses econômicos, a elite agrícola controlava as instituições urbanas como as câmaras e as misericórdias, aumentando ainda mais a sua influência na sociedade.546 Em pouco tempo o açúcar e o tráfico transatlântico de almas, associados à cadeia de vínculos políticos entre os “principais da terra”, constituíram-se no cerne do sistema produtivo e social do Brasil. Ligeiramente, as bases da estratificação sofreriam rearranjos, à medida que “o povoamento foi feito, em sua maior parte, justamente por meio dos segmentos sociais por ela excluídos das posições de mando e de estigma social.”547

No que se refere aos campos social e da justiça, estudos diversos têm demonstrado os inúmeros desafios enfrentados pela coroa no Ultramar. Como constatou Stuart Schwartz, “À medida que os verdes canaviais se espalhavam pela costa nordestina o tamanho da população e o número de litígios cresciam rapidamente.”548

Impulsionados pela economia agroexportadora, esses aglomerados urbanos se tornaram espaços propícios para a eclosão de conflitos diversos, muitos dos quais tinham suas raízes nos abusos dos agentes régios envolvidos nos facciosismos regionais. Isso também envolvia os oficiais dos Defuntos e Ausentes.

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RICUPERO, Rodrigo. “Governo Geral e a formação da elite colonial baiana no século XVI”. In: BICALHO, Maria Fernanda; FERLINI, Vera Lúcia Amaral (Orgs.). Modos de governar. Op.

cit., p. 120.

546 SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. Op. cit., p. 107-108. 547

FERLINI, Vera Lúcia Amaral. Açúcar e colonização. Op. cit., p.18. Como há muito já se sabe, a sociedade açucareira não se limitava a uma bipolaridade baseada no cerne do sistema produtivo, ou seja, tendo no topo o senhor de engenho e na base o escravo. Havia uma extensa camada de grupos intermediários, como os diversos oficiais especializados cujos conhecimentos eram peças fundamentais e sem os quais seria impossível a produção de açúcar. Além desses, havia pedreiros, carpinteiros, barqueiros, roceiros, capatazes, mercadores e artesãos, além de desocupados, índios e escravos. Havia ainda comerciantes, artesãos, médicos e letrados que prestavam serviços à população. SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. Op. cit., p. 95-96; FERLINI, Vera Lúcia Amaral. Açúcar e colonização. Op. cit., p. 27. A estrutura social do Brasil passou por notáveis alterações com a chegada de militares, administradores e religiosos. Embora a colonização tenha o seu indiscutível caráter mercantil, outras dimensões da mentalidade portuguesa colaboraram para moldar a sociedade colonial em seus aspectos diversos.

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Numa carta enviada ao rei pelo provedor-mor da Fazenda do Estado do Brasil, Manuel Ferreira de Figueiredo, em janeiro de 1628549, este informava que certos desembargadores recebiam mais do que o permitido por acumular ordenados de quando ainda atuavam na Relação da Bahia.O correspondente faz referência à proibição régia de que os desembargadores continuassem a receber os seus ordenados, já que os seus ofícios haviam sido extinguidos juntamente com a Relação do Brasil, ocorrida em 1626 no contexto da invasão holandesa em Salvador.550 Com a supressão do Tribunal Superior, inicialmente os salários dos membros da Relação colonial foram destinados para prover as tropas de resistência na Bahia.551 Posteriormente, após a vitória das forças reais – e como alegou o missivista –, aqueles ordenados deveriam ser aplicados nos presídios. Manuel Ferreira de Figueiredo alegava ainda que o principal motivo da extinção da Relação da Bahia e dos seus ofícios fora justamente o excessivo gasto despendido com os ministros e que por isso não poderiam levar mais do que o consignado em seus regimentos.

Segundo o provedor-mor da Fazenda do Estado do Brasil, o monarca havia decidido também que, enquanto não se nomeasse outra pessoa, servisse no cargo de ouvidor-geral da Bahia o doutor Antão de Mesquita de Oliveira, que já havia sido ouvidor-geral da extinta Relação. De fato, com o fim do Tribunal Superior, houve a reintrodução do cargo de ouvidor-geral (nos moldes do Governo-Geral) e Antão de Mesquita fora escolhido para ocupá-lo.552 Segundo Figueiredo, Mesquita deveria receber 200 mil reis de salário, assim como aqueles que o antecederam. No entanto, era acusado pelo provedor-mor da Fazenda de receber um valor muito acima disso. E parecia sugerir que o ouvidor-geral tinha o apoio do escrivão da Fazenda da Bahia e do governador-geral. Conforme relatou, ao fazer o assentamento da capitania no ano anterior, o escrivão lançou em folha trezentos e cinquenta mil reis, dos quais trezentos mil eram do tempo em que o dito Antão servira na Relação e cinquenta mil do ofício de ouvidor-geral. Por sua

549 AHU.BAHIA, cx.2, doc. 171.CONSULTA do Conselho da Fazenda sobre a dúvida que o provedor-mor da fazenda do Brasil teve em pôr o visto na folha da Bahia, por levarem maiores ordenados as pessoas que servem de ouvidor geral e provedor dos defuntos e ausentes, do que lhes é permitido. Lisboa, 12 de abril de 1618. Como se nota, houve um erro de identificação da data do documento. Embora na sua descrição conste a data de 12 de abril de 1618, a data correta da correspondência é 12 de abril de 1628.

550 SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. Op. cit., p. 182. 551 Ibidem, p. 184.

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vez, o governador-geral não assinara a folha que estava já há muito tempo em seu poder, mas mandara verbalmente ao tesoureiro-geral pagar os trezentos e cinquenta mil reis anuais, e se o rei não houvesse por bem, que restituísse o que levasse acima dos duzentos mil reis.

A mesma denúncia recaía sobre Nunes Vaz Fialho, provedor-mor dos Defuntos e Ausentes. Este ministro também foi acusado pelo provedor-mor da Fazenda do Estado do Brasil, Manuel Ferreira de Figueiredo, de receber os mesmos 350 mil reis de salário da época em que atuava no Tribunal da Relação. Figueiredo dizia que o governador não podia permitir tal situação sem a ordem de Sua Majestade. Argumentava, enfim, ser preciso arrecadar o dinheiro excedente pago aos ministros. Dada vista ao procurador da Fazenda em Lisboa, que participava das consultas do Conselho Ultramarino, este também concordou que o rei deveria mandar o governador-geral do Brasil não pagar a nenhum ministro e oficiais mais do que estava estabelecido em seus regimentos e provisões reais.553

Não sabemos porque o governador-geral fora conivente com os salários excessivos do ouvidor-geral e do provedor-mor dos Defuntos e Ausentes. Ele parecia ciente da ilegalidade na qual estava incorrendo, pois, mesmo sem assinar a folha de pagamento, autorizou o recebimento dos 350 mil reis. Segundo o missivista, o desembargador Antão de Mesquita de Oliveira já havia servido como ouvidor geral da Relação. Sabemos também que o magistrado atuara como chanceler da mesma Relação. Como vimos no capítulo anterior, o chanceler era o cargo mais alto do Tribunal superior e entre as suas incumbências estava a de revisar decretos e sentenças, podendo proceder contra o governador em caso de injustiças ou irregularidades cometidas pelo mesmo. Por sua vez, o governador- geral do Estado do Brasil presidia a Relação, embora não tivesse direito de voto ou de sentenciar os casos. Era também ele o responsável pelo pagamento dos salários dos desembargadores.554 Logo, poderiam surgir atritos decorrentes de possíveis rivalidades entre o governador-geral e o antigo chanceler. Talvez a conivência do governador fosse uma forma de fazer vista grossa de modo a evitar

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AHU. BAHIA, cx. 2, doc. 171. CONSULTA do Conselho da Fazenda sobre a dúvida que o provedor-mor da fazenda do Brasil teve em pôr o visto na folha da Bahia, por levarem maiores ordenados as pessoas que servem de ouvidor geral e provedor dos defuntos e ausentes, do que lhes é permitido. Lisboa, 12 de abril de 1618.

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conflitos com o provedor dos Defuntos e com o ouvidor-geral – que era o antigo chanceler da Relação.

Desse modo, é possível que houvesse alguma circulação de influência entre o governador e os magistrados. Segundo Stuart Schwartz, Antão Mesquita de Oliveira era um magistrado experiente e poderoso. Ocupou o cargo de chanceler, o mais alto da Relação, até a sua extinção.555 Depois disso, a Coroa cogitou a possibilidade de nomeá-lo provedor dos Defuntos e Ausentes, mas acabou empossando Diogo de São Miguel Garcês556, enquanto Mesquita foi escolhido para ser ouvidor-geral. Ele ainda foi eleito para chefiar a resistência aos batavos, embora tenha sido afastado do comando das tropas devido ao seu envolvimento nos facciosismos e rivalidades locais.557 O desembargador Antão Mesquita de Oliveira estava ligado por vínculos de parentesco e matrimoniais a pessoas poderosas da terra. Talvez, por ser um homem influente e ligado a pessoas poderosas, o precavido governador buscasse não se envolver, evitando o conflito. Mas poderia também estar associado ao poderoso magistrado.

O que parece fazer mais sentido é a lisura da denúncia do conluio envolvendo o governador, o provedor dos Defuntos e o ouvidor-geral. Os dois últimos eram magistrados que haviam servido como desembargadores na Relação da Bahia. Stuart Schwartz explicou que no período em questão, entre as muitas irregularidades cometidas pelos membros do Tribunal, estavam os salários excessivos que tornavam caras a justiça e a manutenção da Relação. Tudo isso desgastara a imagem do Tribunal perante a sociedade, sendo este um dos motivos alegados para a sua liquidação.558 E foram justamente os salários excessivos que motivaram a denúncia de Manuel Ferreira de Figueiredo, provedor-mor da

555 Ibidem, p. 182. 556

Ibidem, p. 193-194.

557 Ibidem, p. 182.

558 A supressão da Relação do Brasil ocorreu oficialmente em 5 de abril de 1626. Para Schwartz, há uma combinação de fatores que explicam a extinção da Relação. Segundo o autor, além do alto custo de manutenção, havia a insatisfação geral com o sistema judicial, devido ao crescimento da burocracia e a corrupção judicial de advogados e magistrados. Outro fator de peso foram as rivalidades com a aristocracia açucareira da Bahia (representada na Câmara Municipal) e de Pernambuco, sobretudo com a família dos Albuquerque Coelho, os poderosos donatários de Pernambuco que resistiam à intromissão dos desembargadores reais nos assuntos pernambucanos. A Relação ainda se envolveu em muitos conflitos com a Diocese, que também teve influência na deposição do Tribunal, que só foi reestabelecido em 1652, já no fim da guerra contra os holandeses. SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. Op. cit., p. 184-191, 194.

Fazenda do Estado do Brasil. Denúncia essa que foi acolhida pelo Conselho Ultramarino, que reprovara os pagamentos excessivos.

O acúmulo indevido de donativos e emolumentos, como exemplificado acima, envolvia tanto a Provedoria dos Defuntos e Ausentes quanto outras instâncias. Situações como essas podem ter despertado a atenção da Coroa para tomar conhecimento dos rendimentos dos ofícios das instituições locais. Fato é que o poder central buscou, por um lado, conter os abusos cometidos pelos oficiais e, por outro, apurar os seus instrumentos de arrecadação de impostos que recaíam sobre os rendimentos dos ofícios. No final do século XVII, o rei ordenou ao doutor João da Rocha Leta, chanceler da Relação da Bahia (reestabelecida em 1652) o envio de informações acerca do rendimento do ofício de promotor dos Defuntos e Ausentes, Capelas e Resíduos da Cidade da Bahia, do qual Sua Majestade havia feito mercê ao bacharel Antônio Cardoso. A ordem foi satisfeita e as informações foram dadas pelo chanceler. De posse das informações, em 29 de outubro de 1699, o Conselho Ultramarino aconselhava o rei a levar o assunto para a Junta dos Três Estados.559 A mesma preocupação se observou em relação ao ofício de tesoureiro dos Defuntos e Ausentes da repartição do ouvidor da comarca da Bahia. A ordem foi enviada na mesma época ao doutor João da Rocha Leta, chanceler da Relação, o que foi satisfeito com a carta de 25 de julho de 1699.560

Segundo José Subtil, a Junta dos Três Estados foi criada em 1643 para administrar a arrecadação de impostos destinados à defesa do reino.561 No contexto das guerras da Restauração, por indicação das Cortes reunidas em 1642, um Alvará de 18 de Janeiro de 1643 estabelecia a nova instituição da administração central, que contava com uma estrutura específica de cargos e funções. As receitas eram provenientes de vários impostos advindos das atividades produtivas, comerciais e administrativas do Império ultramarino e eram

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AHU. BAHIA, cx. 33, doc. 4228. CONSULTA do Conselho Ultramarino sobre o rendimento do ofício de promotor dos defuntos e ausentes, capelas e resíduos da Bahia. Lisboa, 29 de outubro de 1699. Embora tenha subsistido até a Revolução Liberal de 1820, teve algumas de suas funções administrativas esvaziadas pelo Erário Régio, criado em 1761. SUBTIL, José. “Governo e administração”. In: HESPANHA, António Manuel. (coord.). O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Estampa, 1993, p. 162. (História de Portugal. Direção de José Mattoso, vol.4.)

560 AHU. BAHIA, cx. 33, doc. 4229. CONSULTA do Conselho Ultramarino sobre o rendimento do ofício de tesoureiro dos defuntos e ausentes da ouvidoria da comarca da Bahia. Lisboa, 29 de outubro de 1699.

561 Embora tenha subsistido até a Revolução Liberal de 1820, a Junta teve algumas de suas funções administrativas esvaziadas pelo Erário Régio, criado em 1761. SUBTIL, José. “Governo e administração”. In: HESPANHA, António Manuel. (coord.). O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Estampa, 1993, p. 162. (História de Portugal. Direção de José Mattoso, vol.4.)

destinadas ao custeamento do exército (fortificações, soldos, armamento, fardamento, alimentação e o cuidado com os feridos) e da diplomacia nas cortes europeias.562 Entre essas rendas, estavam aquelas advindas da ocupação de ofícios no Império.

A prática tributária da Coroa portuguesa incluía uma taxação que recaía sobre os rendimentos dos ofícios. Como dissemos anteriormente, os cargos mais importantes eram ocupados por agentes de confiança, nomeados pelo rei, para assumir os postos de vice-reis, governadores, desembargadores, ouvidores, provedores e juízes de fora. Os ofícios menores eram ocupados pelos agentes locais que, impedidos de alcançar os postos mais altos da governança, foram incorporados à administração e à justiça local, como advogados (servindo como procuradores), solicitadores, escrivães e fiscais e meirinhos, entre outros. Essa hierarquia de funções dentro dos serviços de governo da monarquia já havia sido explicitada por Stuart Schwartz, que a caracterizou como uma burocracia profissional e não profissional.563 Como se tratava de bens pertencentes ao patrimônio real, todos os cargos e ofícios eram de propriedade da Coroa.

Como vimos no primeiro capítulo, Raymundo Faoro, influenciado pelo modelo tradicional weberiano, chamou esse sistema de estamento burocrático. O historiador considerou que a ordem estamental e burocrática que se estabeleceu na colonização do Brasil, tinha sua origem no patrimonialismo real. Faoro entendia que, por meio do cargo burocrático a Coroa cooptou os diversos segmentos sociais, absorvendo seus interesses econômicos e de prestígio. Ao mesmo tempo, o cargo burocrático forneceu parte das rendas que ampliaram o patrimônio real.564 Como explicou Arno Wehling, os indivíduos interessados em servir nesses ofícios menores arrematavam a serventia, cedendo à Coroa determinadas quantias. Eram os donativos, ou pagamentos que os indivíduos faziam ao rei, atraídos pelos rendimentos e pelo prestígio atrelado à serventia dos ofícios régios. No entanto, nem sempre os donativos correspondiam à capacidade de arrecadação dos ofícios

562 “Junta dos Três Estados”. Associação de Amigos da Torre do Tombo. Disponível em:

http://www.aatt.org/site/index.php?op=Nucleo&id=211.

563 SCHWARTZ, Stuart. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. Op. cit., p. 76. 564

e por isso a Fazenda Real recolhia ainda a terça parte dos seus rendimentos anuais.565

Como vimos, a Coroa buscava conhecer os rendimentos do ofício de promotor e do tesoureiro dos Defuntos e Ausentes, Capelas e Resíduos da Bahia. Diferentemente deste último, ao que parece, na Provedoria o ofício de promotor era mais recente. Segundo Angélica Ricci Camargo, havia, na estrutura do Desembargo do Paço e na Mesa da Consciência e Ordens, o cargo de promotor fiscal dos Defuntos e Ausentes. Ele era responsável pela fiscalização da arrecadação das fazendas dos defuntos e ausentes, devendo tomar as contas dos oficiais daquela provedoria.566 No Brasil, existia o promotor dos Defuntos e Ausentes no Auditório Eclesiástico567, como vimos no capítulo anterior, e também na Provedoria dos Defuntos e Ausentes. Infelizmente não temos muitas informações a respeito desse promotor na Provedoria. Possivelmente esse ofício, que não consta do Regimento de 1613, foi criado a posteriori, atendendo às necessidades advindas de uma oferta maior de demandas, decorrentes, por sua vez, do aumento dos litígios. Se tomarmos por base as incumbências do promotor do Auditório Eclesiástico, ele deveria ser um advogado com formação acadêmica para encaminhar demandas ao juízo. Isso possivelmente envolveria a sua participação das audiências para tomar ciência das causas, de modo a proceder a favor dos defuntos e ausentes nos casos de irregularidades ou sempre que julgasse necessário.

Sendo assim, à medida que se criavam novos ofícios para as instituições coloniais, era interessante para a Coroa tomar conhecimento acerca dos seus rendimentos anuais. E a Provedoria de Defuntos e Ausentes também não fugia à regra. Nesse sentido, o intento da Coroa em solicitar tais informações pode ser compreendido como forma tanto de conter os abusos, como aqueles praticados pelos desembargadores após a supressão da Relação do Brasil, quanto recolher a terça parte, proporcionalmente aos rendimentos anuais dos novos ofícios, já que a arrecadação dos mesmos variava conforme as demandas pela Provedoria.

565 WEHLING, Arno. Administração portuguesa no Brasil: de Pombal a D. João (1777-1808). Brasília: Fundação Centro de Formação do Servidor Público, 1986. História administrativa do Brasil. Coordenação de Vicente Tapajós. V.6, p. 134.

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CAMARGO, Angélica Ricci. “Provedor/Provedoria dos Defuntos e Ausentes” Dicionário

online da administração pública brasileira do período colonial (1500-1822). Disponível em: http://linux.an.gov.br/mapa/?p=1181.

567 Regimento do Auditório Eclesiástico do Arcebispado da Bahia. Título XI. Do Promotor da Justiça.