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CAPÍTULO 3 – Aspectos legais

3.3. O poder eclesiástico

Como tem sido salientado por diversos estudiosos, a religião desempenhou um importante papel no processo de colonização, visto que fornecia os valores e as visões de mundo capazes de unificar os colonos numa “cidadania” cristã voltada à salvação e, portanto, ao bem comum. A própria incorporação dos índios na monarquia por meio da evangelização pode ser compreendida a partir dessa ótica. Além de regular as normas morais de conduta, uma vez que exercia o controle das mentalidades, dos corpos e de todos os aspectos da vida social, a Igreja tinha um papel administrativo relevante, já que produzia registros de batismo, de casamentos e de óbitos. Dessa forma, o Brasil se atrelava ao reino não apenas comercialmente e administrativamente, mas também religiosamente. A religião garantia uma continuidade entre colônia e metrópole. Na assertiva de Vera Lúcia Amaral Ferlini,

Fé, lucro, razões de Estado, aspiração ao enobrecimento e ao ideal de construir na nova terra um novo Portugal aparece tão entranhadamente ligados, que se empobrece nossa história quando rotulamos de mercantis ou capitalistas, sem tais mediações, os confrontos e conflitos entre europeus e nativos na luta pelas terras do Brasil: o embate pela dominação cultural e

438 THEODORO, Janice. Descobrimentos e Renascimento. São Paulo: Contexto, 1991, p. 34. 439 BOXER, Charles R. O império marítimo português. Op. cit., p. 304-305; SÁ, Isabel dos Guimarães. “As confrarias e as Misericórdias”. Op. cit., p. 60.

as leituras da realidade americana pelos códigos culturais ibéricos. 440

A acomodação de vários interesses caracterizava uma extensão cultural e assegurava, de algum modo, certa identidade que unia a colônia à metrópole. 441

Tal como nos referimos no item anterior, com a instalação do Governo- Geral, iniciou-se a atividade missionária evangelizadora jesuítica. A partir de então a Igreja entrava de vez na empresa colonizadora, tendo a missão de garantir o bem estar espiritual dos colonos. Paralelamente à estrutura secular da Coroa, foi criada também uma estrutura eclesiástica. No âmbito administrativo, as circunscrições territoriais da Igreja e do Estado comumente se superpunham. Houve a criação de bispados, arcebispados e tribunais eclesiásticos que se subordinavam hierarquicamente à Mesa da Consciência e Ordens, instância máxima de administração das questões tocantes ao campo espiritual.

Os serviços espirituais tiveram maior relevância a partir da instituição do poder eclesiástico, com a fundação do Bispado de Salvador em 1551.442 A criação de dioceses se deu em escala imperial: Brasil (1551), Japão (1588), Angola (1596), Congo (1596), e Moçambique (1612).443 No Brasil, todas as terras estavam sob a jurisdição da nova diocese, que, por sua vez se subordinava ao Arcebispado de Lisboa. Pouco tempo depois, criaram-se no Brasil duas prelazias cujos agravos iam para a diocese baiana: a do Rio de Janeiro foi criada em 1575 com jurisdição sobre São Vicente, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Porto Seguro; a de Pernambuco tinha jurisdição sobre Pernambuco, Paraíba e Maranhão, mas foi suprimida uma década depois.444 Mais de um século depois, em 1676, a diocese de Salvador foi elevada à categoria de arcebispado, ao mesmo tempo em que novos bispados foram criados e circunscritos à sua jurisdição, a saber: Rio de Janeiro e Olinda. O Bispado do Maranhão, no entanto, subordinava-se ao Arcebispado de Lisboa. É nesse sentido que a instalação do bispado e a posterior

440 FERLINI, Vera Lúcia Amaral. Açúcar e colonização. Op. cit., p. 42. 441 Ibidem, p. 48.

442 Desde 1514, o Brasil sujeitava-se à diocese de Funchal. SALGADO, Graça (coord.) Fiscais e

Meirinhos. Op. cit., p. 114.

443 GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. “Poder político e administração na formação do complexo atlântico português (1645-1808)”. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda Baptista; __________. (Orgs.). O Antigo Regime nos trópicos. Op. cit., p. 290.

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expansão da estrutura eclesiástica foi um importante passo para assegurar o domínio português sobre a sua colônia.445

Aos poucos, novas circunscrições da administração eclesiástica eram criadas, como as freguesias446, as paróquias, as comarcas e os bispados que tinham apelação para a Mesa da Consciência, no reino. À medida que a urbanização se intensificava, templos eram erguidos e dedicados aos cultos, à aplicação dos sacramentos, às festas e demais cerimônias religiosas. A proliferação de irmandades, confrarias e ordens terceiras responderia às demandas espirituais dos colonos. Essas instituições se dedicavam também à assistência social, já que eram beneficiadas com as missas e os demais legados pios pelas almas dos defuntos coloniais. Entre elas, merecem destaque, como já mencionado no capítulo anterior, as Misericórdias. Embora seus quadros administrativos fossem compostos pelas elites locais, essas instituições aceitavam os estratos menos favorecidos da sociedade entre os irmãos. Diferentemente das demais irmandades e confrarias, as Misericórdias, através das suas Santas Casas, prestavam serviços assistenciais não apenas aos seus membros, mas também e principalmente aos pobres e desamparados, incluindo o seu funeral e as missas pelas suas almas.447 Essas questões serão tratadas no primeiro capítulo da terceira parte desta tese.

Por hora, interessa-nos sublinhar que a elevação do Bispado da Bahia à categoria de arcebispado em 1672, cujos desdobramentos resultaram também na criação de um Tribunal Eclesiástico, ressalta bem o intuito expansionista e demonstra que as questões espirituais não foram deixadas de fora desse processo de institucionalização. Tal soerguimento era uma forma de ampliar o espaço colonial de propagação da fé e aumentar o controle e a vigilância sobre os vários aspectos da vida social que se intensificava. Se a Justiça era a face mais visível do rei e se o seu poder tinha, em certa medida, uma conotação divina, o estabelecimento de um Tribunal Eclesiástico pode ser compreendido sob a ótica de “(...) um mecanismo altamente racionalizado de administração judicial, um sistema baseado no conceito de que a obrigação de fornecer os meios legais para

445 HOLANDA, Sérgio Buarque de. “A instituição do Governo-Geral”. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira. Op. cit., p. 113-114.

446 Que eram as áreas de influência das igrejas matrizes, com ou sem capelas de irmandades. 447

corrigir os erros constituía a essência da autoridade do Rei.”448

Nesse sentido, se o Governo-Geral representou uma medida de centralização dos assuntos coloniais e envolveu os campos administrativo, judicial, militar e fazendário, é de se compreender que tal medida se estendesse também à esfera religiosa, afinal o regime de padroado colocava a Igreja colonial debaixoda tutela real.449

À justiça eclesiástica cumpria um importante papel na colonização e a sua linha de frente erafazer respeitar as regras comportamentais, morais e institucionais defendidas pela Igreja. Nesse sentido, uma nova legislação fora criada para atender às necessidades eclesiásticas coloniais, as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia.450 O novo corpo legislativo, embora tardio, viera corroborar as normas morais e de conduta para leigos e eclesiásticos. Mas não se deve perder de vista que essas normas já eram asseguradas antes mesmo da promulgação das Constituições, por meio das legislações vigentes no reino e que eram válidas também no mundo colonial. Elaboradas em reuniões sinodais presididas por D. Sebastião Monteiro da Vide, quinto arcebispo de Salvador, as Constituições sofreram notável influência das Ordenações, do Direito Canônico, das determinações do Concílio de Trento e dos escritos de juristas como Luís de Molina e Manuel Álvares Pegas, entre outros. Elas reafirmavam os preceitos católicos, ou seja, os comportamentos esperados do bom cristão do nascer ao morrer. Isso envolvia obrigações como ter ministrados os sacramentos, a participação nos cultos e o pagamento dos dízimos e, entre tantas outras, os aspectos relacionados à boa morte.

Uma questão importante de ser levantada em relação ao “Regimento dos provedores e mais oficiais das Fazendas dos Defuntos e Ausentes do Ultramar, e das Ilhas Adjacentes” é que nele são feitas apenas menções genéricas e superficiais acerca das questões que envolviam as Capelas e os Resíduos. Nele diz-se apenas que os oficiais “(...) deveriam cuidar para o cumprimento dos

448

SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. Op. cit. p. 34.

449 Para uma melhor compreensão da dinâmica da Igreja no Brasil articulada aos aspectos normativos, cf.: FEITLER, Bruno; SOUZA, Evergton Sales (Orgs.). A Igreja no Brasil. Normas e práticas durante a vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo: UNIFESP, 2011.

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VIDE, Dom Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Impressas em Lisboa no ano de 1719, e em Coimbra em 1720. São Paulo: Tipografia2 de

Dezembro, 1853. Disponível em:

https://play.google.com/store/books/details/Abp_Sebasti%C3%A3o_Monteiro_da_Vide_Constitui

legados e obras pias que os defuntos deixarem sob incumbência de quaisquer pessoas da terra, pelas suas almas, o que tudo pagaria das fazendas dos defuntos, incluindo as despesas do funeral (...)”.451 Mas não há, no entanto, nenhum pormenor a esse respeito. Essas questões vão ser contempladas pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia e pelo regimento do seu Tribunal Eclesiástico452, ambos elaborados tardiamente no contexto da virara para o século XVIII.453 Ao que parece, enquanto a administração secular cuidava dos espólios testamentários relacionados aos legados temporais, o Tribunal Eclesiástico tinha atribuições concernentes às disposições testamentárias que tangiam os legados pios. Em suma, as questões atinentes ao bem morrer eram divididas entre os poderes temporal e espiritual. A esse respeito, vale a assertiva de Sérgio Buarque de Holanda, segundo a qual, no contexto da institucionalização da colônia, a associação entre o governo eclesiástico e o temporal completava a estrutura administrativa do Brasil.454

O Auditório Eclesiástico também era conhecido como Relação Metropolitana, já que o seu bispo era responsável por uma arquidiocese. Assim como no caso da Provedoria de Defuntos e Ausentes, era a Mesa da Consciência e Ordens a última instância em assuntos eclesiásticos.455 A Relação Metropolitana recebia apelações e agravos em segunda instância vindas dos bispados subordinados, incluindo as questões tocantes aos testamentos. O Auditório Eclesiástico da Bahia era formado pela seguinte estrutura de cargos:

(...) provisor, vigário-geral, chanceler, desembargadores, juiz dos casamentos, juiz das justificações, juiz dos resíduos, visitadores, vigários da vara, promotor da Justiça, advogados do Auditório, escrivão da câmara, escrivão da chancelaria,

451 Regimento dos oficiais das Fazendas dos Defuntos e Ausentes. Op. cit., Capítulo XI.

452 Regimento do Auditório Eclesiástico, do Arcebispado da Bahia, metrópole do Brasil e da sua

Relação, e Oficiais da Justiça Eclesiástica, e mais coisas que tocam ao bom Governo do dito Arcebispado, ordenado pelo Ilustríssimo Senhor d. Sebastião Monteiro da Vide. São Paulo:

Tipografia 2 de dezembro, 1853. Disponível em:

https://play.google.com/store/books/details/Sebasti%C3%A3o_Monteiro_da_Vide_abp_of_Bahia_

Regimento?id=8W8CAAAAYAAJ.

453 Na realidade, Dom Constantino Barradas, quarto bispo da Bahia, já havia organizado, em 1605, as Constituições para o Bispado. Porém, como elas não foram impressas e publicadas, nunca foram observadas, caindo no esquecimento. Cf.: MOTT, Luiz. Bahia: inquisição & sociedade. Salvador: EDUFBA, 2010, p. 51. Nesse sentido, antes da publicaçã das Constituições Primeiras, eram observadas as Constituições de Lisboa. É provável também que os documentos normativos sobre as Capelas e os Resíduos abordados no decorrer do capítulo anterior (contemplados nas

Ordenações e nas Leis Extravagantes) mantiveram a sua validade no mundo colonial.

454 HOLANDA, Sérgio Buarque de. “A instituição do Governo-Geral”. Op. cit., p. 114. 455

escrivães da visitação, notários apostólicos, escrivães do Auditório, meirinho do Arcebispado, escrivão da vara e armas, inquiridor, distribuidor, contador, solicitador da justiça e resíduos, porteiro da Relação e Auditórios, depositário do Juízo e seu escrivão.456

Todos os cargos eram subordinados ao chanceler, a quem deveriam prestar juramento.457 Sob a responsabilidade do Tribunal ficavam também as demandas que envolviam obras pias como as capelas de missas458 e os resíduos. Essas questões foram contempladas nas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia459 (1707) e no Regimento do Tribunal Eclesiástico460 (1704). Como já dissemos acima, havia diferentes regimentos de cargos, órgãos e funções que garantiam a autonomia necessária para o exercício de suas prerrogativas. Todavia, como veremos mais especificamente no primeiro capítulo da terceira parte desta tese, os limites jurisdicionais entre as esferas episcopal e secular eram tênues e muitas vezes se esbarravam.

Nisto, é importante destacar que, embora o “Regimento dos provedores e mais oficiais das Fazendas dos Defuntos e Ausentes do Ultramar, e das Ilhas Adjacentes” de 10 de dezembro de 1603 seja pouco esclarecedor, a execução das últimas vontades pertencia tanto ao foro eclesiástico quanto ao secular. De modo a evitar dúvidas e inconvenientes entre os ministros dos dois foros, uma concordata foi aprovada pelo Papa Gregório XV (1554-1626). Por meio dela convencionou- se que os testamentos redigidos nos meses ímpares seriam da responsabilidade dos prelados e seus ministros, enquanto aqueles redigidos nos meses pares seriam

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CAMARGO, Angélica Ricci. “Auditório Eclesiástico”. In: Dicionário da Administração

Pública Brasileira do Período Colonial, 2013. Disponível em:

http://linux.an.gov.br/mapa/?p=4445.

457 Regimento do Auditório Eclesiástico do Arcebispado da Bahia. Título III. Do chanceler da nossa Relação.

458 Segundo Isabele de Mello, na América portuguesa do século XVIII, o conjunto de 50 missas equivalia a uma capela de missas. Cf: MELLO, Isabele de Matos Pereira de. Magistrados a

serviço do rei: a administração da justiça e os ouvidores gerais na Comarca do Rio de Janeiro

(1710-1790). Tese. Universidade Federal fluminense, Niterói, 2013, p. 138, nota de rodapé nº 476. Como explicamos no capítulo anterior, não se deve perder de vista que havia outra significação para a palavra capela, qual seja, a vinculação das propriedades que não podiam ser alienadas. 459 VIDE, Dom Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Impressas em Lisboa no ano de 1719, e em Coimbra em 1720. São Paulo: Tipografia2 de

Dezembro, 1853. Disponível em:

https://play.google.com/store/books/details/Abp_Sebasti%C3%A3o_Monteiro_da_Vide_Constitui

c%CA%B9oes_prim?id=S5AwAQAAMAAJ.

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da responsabilidade dos provedores de Sua Majestade.461 Não sabemos, no entanto, em que medida essas determinações funcionavam na prática, já que a tensão resultante de tal divisão poderia levar à eclosão de eventuais conflitos jurisdicionais entre os juízos secular e eclesiástico. Seja como for, vamos nos ater brevemente em algumas funções eclesiásticas que tocavam às disposições testamentárias.

O provisor do Tribunal era nomeado pelo bispo e deveria ser sacerdote graduado em direito canônico. Entre as suas várias incumbências estava aquela de nomear e rubricar os livros de sacramentos (como batismo, crisma, casamento, óbito) e também o livro das obrigações perpétuas.462 O entendimento acerca das obrigações perpétuas poderia ser amplo: obrigações matrimoniais, últimas vontades legadas nos testamentos (missas, esmolas, sepulturas, rendas de bens vinculados), responsabilidades ligadas à vida e carreira eclesiásticas.463 Como se observa, entre as obrigações perpétuas estavam os legados pios.

No regimento do juiz dos resíduos, de 1704, estavam registradas as suas atribuições, entre as quais podemos destacar a fiscalização dos testamentos, codicilos e últimas vontades dos defuntos da cidade da Bahia (Salvador), conforme os meses concordados (ou seja, ímpares). Esta fiscalização recaia sobre os testamenteiros e sobre os herdeiros, de modo a assegurar o cumprimento dos legados em favor da alma dos testadores, sobretudo as celebrações de missas e ofícios, respeitando-se os prazos legais e procedendo-se contra os negligentes. Era sua função a tomada de contas de receita e despesa, além de proferir sumariamente as sentenças de modo a abreviar as causas.464

Os testamenteiros, por sua vez, deveriam juntar documentos de quitação (missas, dívidas, cobranças e créditos) de tudo que fizessem na testamentaria. Se fosse constatada qualquer irregularidade sem justificativa plausível, a execução do

461 Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Livro IV. Título XLIII. A quem pertence tomar contas aos testamenteiros, ou aos herdeiros do cumprimento dos testamentos; do que nelas se deve guardar; e como os testamenteiros não podem comprar os bens dos defuntos.

462 SALGADO, Graça (coord.) Fiscais e Meirinhos. Op. cit., p. 318.

463 No caso do falecimento dos herdeiros e beneficiados ab-intestados dos eclesiásticos, os bens voltados para o culto divino, como cálices, vestimentas e outros, ficavam perpetuamente para a Igreja. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Livro IV. Título XXXVII. Dos Testamentos. Como os clérigos podem testar livremente de seus bens, ainda que sejam adquiridos em razão de suas igrejas.

464 Regimento do Auditório Eclesiástico... Op. cit. Título VII. Do juiz dos resíduos e da conta que deve tomar dos testamentos.

testamento retornaria aos Resíduos.465 O juiz dos Resíduos era responsável por viabilizar as capelas de missas perpétuas e as obras pias instituídas pelo testador.466 Por isso, ele tinha a atribuição de lançar no inventário das irmandades, confrarias e igrejas os legados deixados para tais instituições.467 Eis aqui uma importante sugestão de fontes para o estudo das Capelas e Resíduos no mundo colonial, já que possivelmente aquelas associações religiosas de leigos centralizavam as informações sobre os legados pios deixados sob sua responsabilidade, as quais cabia ao Tribunal Eclesiástico fiscalizar. Nos casos não previstos no regimento do Auditório, deveriam ser observadas as Constituições Primeiras do Arcebispado, o Direito Canônico e as leis do Reino.468

Do mesmo ano de 1704 é o Regimento do solicitador da justiça e dos Resíduos do Auditório Eclesiástico. Esse requerente participava das audiências, realizava as diligências e executava as sentenças, cobrando as penas e condenações. O solicitador, a pé, acompanhava o juiz dos Resíduos pela cidade na ida e vinda das audiências. Ele deveria ter conhecimento dos falecimentos (mês, ano) ocorridos na cidade de Salvador e seu distrito nos meses ímpares, bem como trazer um rol de todas as informações dos testamentos a cumprir, dos testamenteiros e dos herdeiros, notificando-os para prestarem conta em juízo.469 Depois de citados, o solicitador passava certidão de citação para o promotor do Juízo proceder contra os faltosos e negligentes. Se necessário fosse, deveria ainda juntar testemunhas para os feitos dos Resíduos em que o promotor atuasse.470Ao solicitador cabia ainda a fiscalização dos escrivães (a fim de saber se recebiam mais salário do que o estipulado em seus regimento) e do promotor, de modo a verificar sua frequência nas audiências e possíveis negligências para levar ao conhecimento do juiz dos resíduos.471

465 Ibidem. 466

Ibidem.

467 Caso os defuntos não declarassem o lugar de celebração das missas (igreja, cidade), metade seria no local do sepultamento e metade em sua paróquia (quando fosse sepultado fora dela). Se houvesse despesas incertas, caso o testador não especificasse os gastos com missas e obras pias, ou na impossibilidade de se cumprir alguma disposição, mesmo que houvesse dinheiro para tal, o arbítrio e a distribuição retornariam para o Tribunal. Havendo qualquer dúvida, deveria ser dada vista ao promotor. Regimento do Auditório Eclesiástico do Arcebispado da Bahia. Título VII. Do juiz dos resíduos e da conta que deve tomar dos testamentos.

468

Ibidem.

469 SALGADO, Graça (coord.) Fiscais e Meirinhos. Op. cit., p. 238-239.

470 Regimento do Auditório Eclesiástico... Op. cit. Título XXIII. Do solicitador da Justiça e Resíduos.

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Por seu turno, o promotor – preferencialmente um sacerdote graduado em Cânones – deveria abrir denúncia contra os pecados públicos, vícios e crimes contra a fé – tanto de pessoas leigas quanto de eclesiásticos –, incluindo os crimes contra as disposições testamentárias. A exemplo do solicitador, em tese o promotor participava de todas as audiências, podendo pedir vista dos autos. Ele tinha que ter conhecimento das causas que corriam no Juízo dos Resíduos, dos testamentos não cumpridos e das sentenças não executadas. Era sua função requerer a parte das condenações em dinheiro que pertencia à justiça eclesiástica e às obras pias.472

Havia ainda um contador que fazia as contas dos Resíduos e dos testamentos, embora tais contas pudessem também ser feitas pelo juiz dos Resíduos. O pagamento por esse serviço contábil viria das fazendas dos