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3 TUTELA JURISDICIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

3.2. O CONTROLE JURISDICIONAL DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA

Pode-se conceituar a atividade de controlar como o ato de submeter certa coisa a algum parâmetro estabelecido, de modo a fazer adaptar aquela primeira coisa às coordenadas desta última. Para trazer palavras mais precisas, vale apropriar-se do conceito de Gérard Bergeron28, segundo o qual:

[...] controle consiste em estabelecer a conformidade de uma coisa em relação a outra coisa. Daí a necessidade de um rôle ideal, forma, modelo ou standard, que serve de medida para a comparação. Há controle quando há relação, aproximação ou confrontação entre esta coisa, objeto de controle, e esta outra coisa ou rôle ideal, que serve de escala de valor para a apreciação.

Controlar a moralidade administrativa significa, assim, fazer adaptar a atividade administrativa aos contornos determinados pela própria moralidade administrativa. Efetuar este controle jurisdicionalmente significa, portanto, nos termos do conceito retro delineado, submeter a atividade dos agentes estatais, por meio da via judicial, aos parâmetros da moralidade administrativa, para o fim de conformar aquela primeira aos ditames desta última.

E por “parâmetros da moralidade administrativa” não se entenda estritamente a lei. Trata-se de conformar a atividade administrativa também à lei, mas não somente a ela. Em verdade, o controle que tem como paradigma a moralidade administrativa deve conformidade a diversos outros fatores extranormativos que subordinam e densificam aquela garantia constitucional.

Foi como fez questão de asseverar o professor Manoel de Oliveira Sobrinho quando, embora tratando especificamente da Ação Popular, fez as seguinte afirmação:

Não é o ato não legal que justifica a ação popular, pois legal o ato é, deve

ser. O que se exige é que, dentro dos pressupostos legais, seja moral, não

conflitante com as regras da boa administração, ou com a moralidade administrativa. Não será nunca demais repetir que a equidade e a imparcialidade fazem na normalidade obrigações de relação jurídica. E que o dano, que atinge o cidadão pelos seus efeitos pode atingir a comunidade.

[...]

28BERGERON, Gérard. Fonctionnement de l’État. 2. éd. Paris: Armand Colin, 1965. p. 52, apud

MEDAUAR, Odete. Controle da administração pública. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 23-24.

A finalidade da lei, a intenção do legislador no acautelamento da ordem administrativa, manda que a lesividade também seja apurada em razão da moralidade. Do contrário, o exercício do direito à ação não alcançaria jamais os propósitos pretendidos, uma vez que se apreciando apenas a legalidade nada de novo se faria em favor da tutela do patrimônio público.29

No ordenamento jurídico brasileiro, são diversos os instrumentos que podem ser utilizados para tal finalidade. Em termos processuais, por exemplo, existem a Ação Civil Pública (que pode veicular demanda por Ato de Improbidade), a Ação Popular e o Mandado de Segurança (individual e coletivo). Em termos extraprocessuais, por sua vez, destacam-se, sobretudo, o direito de petição, o Termo de Ajustamento de Conduta e a Recomendação. Desde logo, contudo, necessário registrar que tais espécies não serão aqui analisadas detidamente, uma vez que a questão de direito processual/procedimental extrapola a finalidade proposta neste trabalho.

De todo modo, insta observar que qualquer controle da atividade estatal costuma encontrar, por si, diversos entraves, já que se trata de um fazer com aptidão para subordinar a atuação dos administradores a um juízo analítico a ser desenvolvido por uma entidade alheia à sua estrutura. Essa preocupação remete ao fato de que a atividade de controle está sujeita a desvios que, como tal, podem ser lesivos à própria democracia.

Nesse diapasão, não é difícil encontrar na doutrina manifestações que registram uma significativa preocupação quanto aos excessos possivelmente cometidos pelo Poder Judiciário quando, em atividade de controle (certamente iniciados por alguma outra entidade controladora, diante da inércia a que está submetido aquele poder), supostamente se apropria da margem política da decisão originariamente pertencente aos demais poderes:

Isso não estaria em conformidade nem com o Estado de Direito, nem com a democracia. Também os tribunais devem agir estritamente dentro dos limites legais e nunca impor suas próprias decisões em substituição às dos órgãos administrativos. O controle judicial das decisões da Administração Pública, nos casos em que se oferece a ela a discricionariedade, deve estar sujeito a regras restritivas para que a divisão de Poderes, imprescindível ao Estado democrático de Direito, não seja burlada.30

29 FRANCO SOBRINHO, Manoel de Oliveira. O controle da moralidade administrativa. São Paulo:

Saraiva, 1974. p. 210-212.

30 BROSS, Siegfried. O sistema de controle judicial da administração pública e a codificação da jurisdição

administrativa. Revista CEJ, Brasília, DF, n. 34, p. 35-42, jul./set. 2006. Disponível em:

A preocupação fundamental, portanto, seria a de que o exercício indiscriminado do controle da Administração Pública possa vir a malferir a repartição de poderes e, assim, a própria democracia.

Sobre esse suposto risco de desequilíbrio da tripartição de poderes já se manifestou de maneira oposta Rodolfo de Camargo Mancuso. Na oportunidade, embora em verdade tenha tratado especificamente de direitos transindividuais, elaborou conclusão com amplitude bastante a ilustrar a questão de maneira mais abrangente:

Não se trata de “inchamento” do Poder Judiciário, porque, quando ele outorga tutela aos interesses metaindividuais, não está desenvolvendo atividade de “suplência”; é sua própria atividade, de outorgar tutela a quem pede e merece. No caso dos interesses difusos, a intervenção jurisdicional é hoje considerada fundamental; não é que esse Poder esteja a invadir a seara dos outros; será, antes, um sinal de que os outros não estão a tutelar esses interesses, obrigando os cidadãos (Através de ação popular, v.g.) a recorrerem diretamente à via jurisdicional.31

O controle da moralidade administrativa não deve ser temido. É, ao revés, maneira eficiente de prestar solução concreta para a omissão/ação que prejudique a efetiva realização de direitos fundamentais. Não se pode permitir, desse modo, dentro de uma ótica democrática de participação comunitária na gestão da coisa pública, que se restrinjam os legitimados à proteção da moralidade administrativa, com prejuízo direto à tutela dos direitos fundamentais.

31

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 6. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 137.