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3 TUTELA JURISDICIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

3.1. CONTROLE JURISDICIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

3.1.2. Sistemas de Controle Jurisdicional

3.1.2.2. Sistema Dualista

Quanto ao sistema de dualidade de jurisdição (também chamado de sistema de jurisdição dupla ou sistema dualista), de proêmio insta registrar a identificação imediata com o modelo francês. Trata-se de um modelo de controle jurisdicional em que se veda à jurisdição comum do Poder Judiciário o conhecimento de matérias afetas à Administração Pública, ficando estas sujeitas ao julgamento por Cortes específicas de jurisdição administrativa.

Noutras palavras, o que caracteriza esse modelo de controle jurisdicional da administração pública é a existência paralela de duas ordens de jurisdição: a jurisdição comum e a jurisdição administrativa, cada uma com os seus próprios órgãos de decisão, com estruturas particulares de hierarquia, com seus próprios arcabouços administrativos e subordinadas a órgãos supremos distintos.

Malgrado a adjetivação de administrativa, é válido ressaltar que a jurisdição administrativa é tão jurisdição quanto a jurisdição comum.

Não obstante o nome possa induzir a uma interpretação equivocada (mormente quando se faz uma leitura tendo por parâmetro o ordenamento jurídico brasileiro), nenhuma ideia estaria mais errada do que aquela que dissesse que os juízes da jurisdição administrativa não exerceriam uma jurisdição efetiva. São tão juízes quanto os demais:

El juez contencioso-administrativo, es bien sabido, no es un cuasi-juez, o un juez con menores poderes que los de los otros órdenes jurisdiccionales, o aplastado por la maiestas de una de las partes a la que deba deferencia o reverencia; a él es aplicable, en el mismo grado que a los demás jueces, la función que encomienda a éstos el artículo 24 de la Constitución de otorgar ‘tutela judicial efectiva’ de la Administración implica para ésta, inexcusablemente, sometimiento pleno al juez.26

26

ENTERRÍA, Eduardo García de. Democracia, jueces y control de la administración. 5. ed. ampl. : Madrid: Thomson Civitas, 2005. p. 249.

Não há, portanto, dentro do modelo de duplicidade de jurisdição, qualquer noção de hierarquia entre os juízes e cortes da jurisdição comum e os juízes e cortes da jurisdição administrativa.

Para a boa compreensão do tema, é válido ainda registrar, como ensina a doutrina, que a existência desse modelo dualista de controle jurisdicional do poder público teve origem na França, como consequência direta de alguns fatos históricos anteriores à Revolução Francesa.

Isso porque, à época, os cargos de juízes eram ocupados pela nobreza, justamente o estrato social do qual foi usurpado o poder pela burguesia revolucionária. Havia, assim, uma desconfiança natural, por parte do novo estrato social dominante, em relação às decisões dos então juízes, de maneira que a solução encontrada para a manutenção da nova ordem de poder foi retirar daqueles juízes-nobres a possibilidade de julgar causas que envolvessem o novo Estado-burguês.

Evitar o poder nas mãos dos antigos juízes era, assim, reforçar a nova legalidade, de maneira que, no surgimento desse modelo duplo de jurisdição, torna-se muito evidente a iniciativa de evitar problemas políticos:

[...] como ya se había comprobado en la Francia anterior a la primera postguerra, resultaba que el desarrollo de una jurisdicción contencioso- administrativa extensa no creaba grandes problemas políticos, precisamente porque venía en refuerzo de la propia legalidad del Estado y del orden y control de la Administración.27

A Revolução, assim, galgou alcançar êxito para além da própria reforma do Estado, evitando problemas políticos e garantindo, também, a manutenção da estrutura de poder conquistada.

Em oposição ao sistema anteriormente mencionado, a doutrina costuma apontar, como vantagem desse modelo de jurisdição, a especialização dos magistrados no que se refere ao direito administrativo. Ora, a especialização da justiça, de fato, tem o condão de especializar os respectivos magistrados, de modo que é natural esperar que um juiz especificamente preparado para atuar em causas que envolvam o poder público tenha mais condições de melhor julgá-las do que aquele que, além dessa matéria, tem também

que se envolver em questões da jurisdição ordinária (Direito Penal, Civil, Trabalhista, entre outros).

Quanto ao aspecto desfavorável, menciona-se a proliferação de conflitos de competência que costumam afligir as Justiças dos países que possuem esse tipo de jurisdição.

Isso porque não são exatamente todos os conflitos envolvendo a Administração os que são julgados pelos Tribunais Administrativos. Em verdade, mesmo nos países que adotam o sistema de dualidade de jurisdição, a Administração por vezes é julgada pela jurisdição comum, a depender do critério de competência estabelecido pelas leis internas. Na França, por exemplo, os Tribunais da jurisdição comum são os responsáveis por julgar os conflitos que envolvem contratos de natureza privada, mesmo quando celebrados com a Administração.

Ocorre que os critérios da lei estão sempre sujeitos a interpretações e casuísticas que, invariavelmente (como acontece em qualquer caso de interpretação de dispositivos legais), geram dificuldades para o seu entendimento pleno e sua aplicação uniforme.

Assim, ao contrário do que ocorre no modelo de jurisdição una, neste modelo dualista de jurisdição a questão acerca da análise primária sobre “[...] no Tribunal de que jurisdição deve ser ajuizada a ação?” é condição prévia e essencial à regular tramitação da causa, podendo sua escolha equivocada acarretar consequências jurídicas absolutamente indesejadas.

Ademais, essa questão preliminar acerca da jurisdição competente envolve, necessariamente, uma decisão de um juiz sobre a confirmação ou não da competência afirmada. A inevitabilidade desse tipo de decisão, por sua vez, acaba por exigir a existência de uma estrutura externa (e hierarquicamente superior a ambos os Tribunais), responsável por dirimir os conflitos de competência, o que pode acabar complicando e atrasando a prestação jurisdicional, configurando outra desvantagem deste modelo dualista.