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2 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA

2.3 Conhecendo os sujeitos da pesquisa: Experiência e pertencimento

2.3.1 A gestão e suas convicções

2.3.1.2 O coordenador pedagógico

O coordenador pedagógico responsável pelo Ensino Fundamental I na escola de nossa pesquisa é Diego, de 33 anos, pedagogo pela Universidade Federal do Ceará (UFC),

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Movimento artístico-cultural de cunho religioso, historicamente uma forma de resistência e poder dos escravos e negros no passado.

mestre em Educação pela UECE e, no período de realização da pesquisa, participando do processo seletivo para uma vaga de doutorado na mesma instituição. Há oito anos ingressou na rede pública de ensino municipal como professor do Ensino Fundamental I e há três está na gestão escolar. Assim como Thales, Diego também tem um perfil político, tendo, durante toda sua vida estudantil, participado de movimentos, apartidários e também partidários, como o de apoio ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), quando estudante do antigo Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET-CE), atual Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Mantém um pensamento de bases marxistas, tendo participado também do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e, quando estudante de graduação em Pedagogia, do Centro Acadêmico (CA) de seu curso. Diz que foi graças às suas vivências nesses movimentos que se tornou a pessoa crítica que hoje é, e que tais vivências, mais do que qualquer sala de aula, lhe permitiram aprender o que hoje sabe acerca da educação, da sociedade, da vida em si.

Diego conta que a relação professor-gestão é, de forma geral, complicada e, se tratando do espaço publico, é uma relação bem diferente da que imagina ocorrer na rede privada13, uma vez que muitos professores, por serem efetivos, não evitam situações de enfrentamento. No caso do professor Cláudio, essas situações são de cunho pedagógico, tendo em vista que o mesmo já foi chamado à atenção por fazer uso de computador na sala de aula, para outras atividades que não as de seu trabalho da escola, e também situações envolvendo o trato com os alunos, quando um deles reclamou pelo fato do professor ter sido muito grosseiro. No caso de Marcos, conta que as situações mais comuns dizem respeito a sua postura de se contrapor e direcionar muitas críticas à gestão, uma vez que é perfeccionista e pouco aberto ao que lhe parece fugir de sua rotina.

Perguntamos a Diego qual seu ponto de vista acerca das práticas docentes dos dois professores e o que seria necessário melhorar nestas, uma vez que, enquanto coordenador do Ensino Fundamental, é o profissional responsável na escola por acompanhar esse trabalho. A isso nos respondeu:

O Marcos nem tanto. A intervenção seria no sentido de ser mais parceiro, ser mais colega dos professores do 5º ano. Ele gosta muito de fazer projetos interessantes, mas acaba ficando muito nele. O Cláudio teria que ser uma reformulação geral porque ele teria que fazer atividades que interagissem mais com a turma, que não ficassem somente no tradicional do livro, da aula expositiva. Fazer coisas mais críticas. Ele até andou fazendo, sobre a Ditadura Militar, ele até reviu o posicionamento dele sobre algumas coisas, devido a minha intervenção e a do Thales, mas a prática mesmo é aquela coisa do quadro, da fala, do livro. Fica difícil hoje ficar somente nisso, né? E se fosse feito somente isso, mas bem feito, utilizando

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o tempo pedagógico como deveria ser utilizado, ao máximo, talvez ele tivesse maior resultado, mas o problema é que ele nem usa o tempo, ele usa uma parte do tempo, aí depois fica de bobeira.

Frente a esta resposta, questionamos sobre que procedimentos a gestão toma em situações dessa natureza, uma vez que discorda da postura do professor e acredita que a mesma prejudica o andamento da aula e, inevitavelmente, a aprendizagem dos alunos que ali estão. Todavia, o coordenador nos revelou que há uma complexidade muito grande para tomar providências sobre isso, o que o faz acreditar que seria mais fácil se, enquanto gestão, tivessem um apoio maior da própria SME, uma vez que, segundo ele, somente em casos mais graves é dado prosseguimento num processo administrativo referente ao trabalho docente.

O coordenador sintetiza o que observa da prática docente dos dois professores, de maneira geral, dizendo que “um dá realmente aula, planeja, programa, faz acontecer. O

outro não está tão interessado assim, mas já melhorou muito, com a intervenção da gestão”.

Questionado sobre a postura da coordenação frente a situações de conflito envolvendo professores, Diego explica que costuma chamar o aluno afetado, se for algo disciplinar, e fazer acareação quando percebe ser necessário, ouvindo tanto o aluno, como o professor, “pra pegar a realidade dos fatos, a verdade do que está acontecendo”. Dependendo da situação, acha válido conversar com a turma de alunos a sós, por acreditar que

“o crio da verdade geralmente é a sala de aula toda”.

Sobre o papel da escola atual, Diego também expressa sua opinião:

O papel da escola é o conhecimento escolar, digamos assim, seria o letramento, a alfabetização, nas séries iniciais, o conhecimento científico que só pode ser dado por essa instituição, ele [o aluno] não vai ter isso na família. E também a educação no sentido mais amplo, dos valores e tudo mais, que a gente vê que não é dada em casa, ou é dada parcialmente. A gente tem que questionar até filosoficamente o que são essas famílias. Porque cada criança que tá aqui tem uma família diferente, né? E nas condições sociais que eles vivem... eles moram numa casa que não tem nem banheiro, todos juntos, num mesmo compartimento. Tem essas questões sociais. Um irmão filho de um pai, o outro, filho de outro.

O coordenador complementa sua fala ao refletir sobre uma educação para a vida, expondo seu preciso ponto de vista acerca da realidade da escola e da sociedade atuais, fazendo considerações sobre a prática do professor nesse cenário:

A escola é uma das instituições que a sociedade tem. Ela, enquanto tal, não vai dar conta dos problemas sociais que atingem as crianças, os alunos, as famílias. Só pode dar conta do mundo escolarizado, dos conteúdos, dos conhecimentos produzidos historicamente, pela humanidade acumulados. A educação pra vida, a educação pra se tornar um cidadão, tem que ser dada na escola, mas depende da família. E qual é o tipo de cidadão que a gente quer? Essa pergunta decorre outras.

Qual o cidadão que se tá pretendendo ter nessas escolas? Um projeto é o do Governo, dos Estados e outro é a concepção de cada um. Então a educação tem essa dualidade porque tem uma concepção do Sistema, mas tem a concepção de que você, dentro do Sistema, pode fazer atividades que burlem isso aí, dependendo da sua posição enquanto professor. Você pode simplesmente reproduzir, mas você pode também fazer atividades que questionem, até porque nós sabemos que os alunos podem atingir todo o perfil de conhecimento, mas não adianta ter todo o conhecimento necessário, como dar conta da Matemática, saber ler muito bem, e não ter [socialmente falando] emprego, não ter salário, não ter saúde. São coisas que a gente tem também que questionar com os alunos e estamos vendo que há um ataque nesse sentido à escola, de tirar esse conhecimento que questiona, de mudar os valores, de inverter a situação.

Em resposta ao que seria mais urgente mudar na escola atual, em sua visão de coordenador, assevera:

Tem muitas coisas pra mudar, o primeiro problema é a desvalorização do professor. Eu acho que daí decorrem as outras coisas, sabe? Quando a gente é desvalorizado, a gente vem desmotivado e desmotivado a gente não dá uma boa aula, então essa motivação é o que tá faltando. A gente vê professores muito novos e já desmotivados, então primeiro seria isso. A estrutura da escola, até então, não

sabemos agora como vai ficar depois dessa aprovação da PEC [241]14 com o corte

de recursos, mas até então vinha melhorando o volume de recursos na escola, então a estrutura melhorou bastante, mas ainda não é o suficiente. A mudança também na seleção dos professores, no sentido de que a pessoa faria o concurso, mas pra ir pra determinada sala de aula a pessoa teria que fazer um perfil. Às vezes por conveniência você fica numa turma de 2º ano porque é mais perto da sua casa e esse critério poderia ser mais rigoroso. Só quem tem mesmo perfil alfabetizador iria pra essas turmas, você tá entendendo? Tipo uma seleção interna pra essas turmas que eu acho que motivaria mais a pessoa do que você simplesmente estar lá porque foi lotado lá, por conveniência.

No que tange ao acompanhamento dos planejamentos didáticos dos professores, Diego nos explica que, em geral, são bem completos, seguem o modelo sugerido pela SME, ressaltando que o professor Cláudio tem certa dificuldade no que tange à perspectiva pedagógica, e que, apesar de ter melhorado bastante desde sua entrada na escola, ainda precisa se aperfeiçoar mais. Quanto a Marcos, conta que seu planejamento é bastante rico e está além do modelo adotado pelos demais professores. Como parte do acompanhamento que realiza, chama o docente para dialogar sempre que sente a necessidade de aperfeiçoamento do planejamento, assim como da prática, e sugere atividades a serem realizadas.

Frente a sua concepção de disciplina e da importância desta na sala de aula, o coordenador indica a necessidade de um “meio termo” entre o que observa na prática de Cláudio e de Marcos:

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Diego se refere à Proposta de Emenda Constitucional apresentada e aprovada no Governo do então presidente Michel Temer, que cria um teto para gastos públicos.

Não adianta você ter uma sala de aula comportada, como o professor Cláudio consegue fazer, na maioria das vezes, sem você tá passando o conhecimento. Aquele comportamento, aquela atenção que você tá exigindo, você tem que exigir pra você dar o seu máximo e isso ele não faz. Você tá entendendo? E às vezes o Marcos dá o máximo dele, mas não consegue manter a disciplina dos alunos, então um e outro ficam atrapalhando os outros que estão querendo. Então a gente tem que fazer uma mediação disso aí. Nem tão rigoroso, né? Porque não adianta ser rigoroso demais e não dar o conteúdo, não se esforçar pra que aquele aluno aprenda. E não adianta você se matar, se esforçar, passar a atividade e tal e ter um, dois, três, quatro

alunos que atrapalham o resto da turma porque você ‘não pode’ enquadrá-los numa

autoridade.

Sobre o acompanhamento do professor em sala, Diego explica que isso é previsto no trabalho da gestão e que é feito, muito embora seja muito difícil, por conta da rotina. Por conseguinte, vai uma vez ao mês em uma sala de aula onde a situação esteja “mais crítica” e precisando que se faça uma mediação. Depois, proporciona um momento de feedback com o professor.

Conclui nosso diálogo assegurando que “A educação por si só não vai mudar a

sociedade, tem que ser para além da escola, mas nós [professores] temos um papel a cumprir”15

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