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O cuidado desenvolvimental no contexto da dor neonatal

Sumário

1.2 O cuidado desenvolvimental no contexto da dor neonatal

Com o objetivo de promover o desenvolvimento do RN pré-termo, durante o período de hospitalização, origina-se, no século XX, o cuidado desenvolvimental, definido como um processo no qual o cuidado individualizado ajusta-se às necessidades de cada RN, demonstradas por meio da interação (AITA; SNIDER, 2003).

O cuidado desenvolvimental na Neonatologia é representado, com grande expressividade, pelos estudos realizados pela psicóloga Heidelize Als que, a partir de diversos princípios de desenvolvimento utilizados em diferentes disciplinas, desenvolveu, na década de 1980, o NIDCAP (Newborn Individualized Developmental Care and Intervention Program / Programa de Intervenção e Cuidado Desenvolvimental Individualizado ao Recém-Nascido). O NIDCAP constitui-se em método sistemático para a observação detalhada do comportamento do RN, particularmente para aqueles que indicam estresse e auto-regulação, na tentativa de reduzi-lo (KENNELL, 1999).

Este programa foi desenvolvido com métodos etológicos para sistematizar e tornar mais objetiva a observação diária feita pelos cuidadores, a fim de reduzir o estresse do ambiente para otimizar o desenvolvimento do bebê (WARNOCK; ALLEN, 2003).

Vale ressaltar, conforme apontado por Aita e Snider (2003), que o termo NIDCAP refere-se a uma estratégia utilizada para implementar o cuidado desenvolvimental fundamentado na teoria sinaptiva, e não ao cuidado desenvolvimental efetivamente.

A teoria sinaptiva descreve subsistemas pelos quais o bebê se torna instável, quando é exposto a estressores tais como a dor. A instabilidade nos subsistemas autonômicos reflete-se em mudanças nos sinais vitais (FC, FR e temperatura). O subsistema motor se torna instável, quando o bebê movimenta os membros de uma maneira desorganizada em resposta à dor. Distúrbios no subsistema de sono e vigília acarretam alterações nos ciclos de sono. Além disso, manipulações táteis e vestibulares podem ocasionar diversos problemas tais como episódios de apnéia e até mesmo alteração nos padrões de interação mãe/bebê. O alívio da dor ajuda o bebê a regular os subsistemas e a estabilizar-se (ALS et al., 1982; MITCHELL; BOSS, 2002).

O equilíbrio do funcionamento do prematuro é estabelecido por cinco subsistemas (autonômico, motor, de estados, de atenção/interação e regulador) que são interligados e interagem entre si. A desorganização de um subsistema sobrecarrega os outros e influencia negativamente o bebê, assim como a organização de um subsistema influencia positivamente os demais, permitindo um equilíbrio no organismo (VENANCIO; ALMEIDA, 2004).

O cuidado desenvolvimental é uma filosofia de cuidado que implica no repensar as relações entre o bebê e os profissionais, assim como com os pais, baseando-se na

comunicação e colaboração. Incluem medidas para redução do ruído e estímulo visual, manutenção do RN em posição de flexão, agrupamento do cuidado para promover descanso, manejo da dor, sucção não-nutritiva, favorecimento da auto-regulação, participação dos pais no cuidado, estímulo à amamentação, cuidado-canguru e promoção do vínculo mãe/filho (BYERS, 2003).

Estudos apontam a diminuição significativa da morbidade e do uso de suporte ventilatório, início precoce da sucção, ganho de peso, diminuição do tempo de internação e dos custos hospitalares e melhora nos resultados comportamentais a partir do cuidado desenvolvimental aos prematuros (ALS; GILKERSON, 1997; BJÖRN et al., 2000; ALS et al., 2003), além da melhoria da habilidade do RN em lidar com a dor e recuperar-se de procedimentos dolorosos (STEVENS; FRANCK, 1995).

Por outro lado, em uma revisão sistemática realizada por Symington e Pinelli (2003), foi feita uma metanálise com 32 artigos que investigaram elementos do cuidado desenvolvimental comparado ao cuidado de rotina do serviço em prematuros. Os resultados apontam que, apesar de existirem evidências quanto ao benefício destas intervenções, há estudos que demonstram resultados conflitantes, além do mais, o tamanho amostral é reduzido e os observadores não foram cegos à intervenção em metade dos estudos.

Para identificar quais dos 85 comportamentos que compõem o NIDCAP são indicativos de dor, Holsti et al. (2004) submeteram 44 RN pré-termo com 32 semanas de idade gestacional a um procedimento doloroso, sendo comparada a análise dos indicadores feita pelo NFCS e pelo NIDCAP, durante as seguintes fases: basal (6 minutos), punção/ordenha (6 minutos) e recuperação (6 minutos). Neste estudo a mímica facial não foi observada a cada 20 segundos, mas continuamente durante todo o procedimento por meio do Noldus Observer System, um software específico para

análise comportamental. A freqüência dos movimentos presentes no NIDCAP foi analisada a cada 2 minutos por dois pesquisadores treinados e habilitados. A FC média foi obtida a cada 2 minutos durante todas as fases do procedimento.

Uma enfermeira treinada realizou a parte prospectiva do estudo, coletando dados desde o nascimento até o dia da coleta, incluindo o peso e idade gestacional ao nascimento, Apgar no 1º minuto, escore de severidade de doença usando o SNAP-II (Score for Neonatal Acute Physiology / Escore de Gravidade da Morbidade e do Risco de Mortalidade Neonatal), exposição a analgésicos e sedativos, tipo e quantidade de exposição a procedimentos invasivos, suporte ventilatório e tipo e duração de manipulação antes de iniciar o estudo. Foram considerados como procedimentos invasivos todos aqueles que envolvem rompimento da epiderme, tal como, punção de calcâneo, venopunção, inserção de cateter venoso ou arterial, punção lombar e intubação.

Os autores encontraram oito comportamentos (braços e pernas fletidos, braços e pernas estendidos, mão no rosto, abrir os dedos em leque, mãos em punho, franzir a testa) do NIDCAP que aumentaram significativamente com a punção/ordenha, enquanto outros cinco comportamentos (movimento repentino reflexo da face, corpo e extremidades, abrir a boca sem fazer barulho e unir os pés) diminuíram neste período. Os RN mais imaturos, ou que foram mais expostos a procedimentos invasivos, demonstraram maior movimentação com as mãos, o que acreditam ser um sinal de uma maior sensibilidade à dor como resultado do fenômeno de sensibilização.

Sizun et al. (2002) determinaram o impacto do cuidado desenvolvimental na expressão de dor em RN pré-termo por meio de um experimento incluindo dois momentos: o primeiro foi de preparação do ambiente 60 minutos antes do procedimento (redução da luminosidade e do ruído, manutenção do RN em flexão e com

oportunidades de contato) e, o segundo, durante o procedimento de troca de fralda foi proporcionado suporte motor mantendo o RN enrolado num cobertor, sucção não- nutritiva, contenção e auxílio para retorno da auto-organização. No grupo controle, não houve intervenção ambiental e o RN foi mantido em posição supina, sem atenção individualizada. Mensuraram a FC e SpO2 60 minutos antes, durante e 10, 30 e 60

minutos após o procedimento. A mímica facial foi avaliada por meio da PIPP pelo mesmo observador durante todo o procedimento e validada posteriormente por meio das filmagens. Também se utilizou a escala EDIN (Echelle Douleur et Inconfort Neonate / Escala de Dor e Desconforto Neonatal), desenvolvida com a finalidade de mensurar a dor persistente em prematuros, durante o período basal, troca de fralda e recuperação. Os resultados mostraram uma redução significativa dos escores da PIPP no período basal e da EDIN nos períodos basal, troca de fralda e recuperação. No entanto, as respostas fisiológicas não apresentaram diferença estatisticamente significativa, apesar de ter ocorrido uma diminuição significativa de eventos de hipoxemia durante os períodos basal e troca de fralda. A crítica que fazemos ao estudo deve-se a não- avaliação dos efeitos individuais dos fatores e mecanismos que contribuíram para a redução da reatividade à dor.

Preocupados com o manejo da dor aguda em prematuros, discorremos a seguir as intervenções não-farmacológicas para o seu alívio, com ênfase especial na metodologia canguru, por se constituir em um método natural e ser um dos componentes do cuidado desenvolvimental, além de possibilitar a participação mais ativa da mãe no processo de cuidar do filho hospitalizado.