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3. O IFRJ EM DOCUMENTOS: OS PRESCRITOS DO TRABALHO DO PROFESSOR

3.3 O Curso Técnico Integrado ao Ensino Médio: um recorte

Como já destacamos, foi necessário optar por um critério para definir a escolha do curso que seria o referente para nos aproximar da organização do contexto de trabalho do professor nos cursos técnicos integrados ao Ensino Médio. Dessa forma, decidimos optar

pela organização do único curso técnico integrado ao Ensino Médio (EM) do campus Volta Redonda, onde a pesquisadora atua como docente de LE, já que esta pesquisa nasceu de uma demanda criada por ela nesse espaço de trabalho.

Assim, nesta seção vamos apresentar os documentos que organizam o Curso Técnico em Automação Industrial Integrado ao Ensino Médio. Entendemos que esses textos ao trazerem informações sobre os objetivos do curso e seu modo de apresentação à comunidade externa e à do IFRJ63, também fazem parte das prescrições do trabalho do professor de LE. Assim, a entrada nesse documento justifica-se por nosso interesse em identificar processos de referência ao professor de LE, seja por alguma menção à disciplina que ele leciona, ou outras questões que contextualizam e apresentam conceitos sobre essa atividade, e com isso, antecipam muitos de seus aspectos. Ao buscar esses documentos, consideramos que por se tratar de documentos que trazem um panorama do curso em que o professor de LE leciona, os processos de referência a esse docente e ao seu trabalho ficarão mais evidentes.

3.3.1 Matriz curricular

Antes de iniciarmos as reflexões sobre a matriz curricular do Curso Técnico em Automação é necessário fazermos uma apresentação desse documento. A matriz curricular é o documento norteador de um curso, ponto de partida para sua organização pedagógica, pois na matriz curricular estão expostos os seus componentes curriculares. É um documento que deve dialogar com o projeto pedagógico da instituição, no caso do IFRJ, com o já apresentado PPI.

A organização de uma matriz curricular deve ser realizada a partir do estabelecido por alguns artigos da LDB/96 (BRASIL, 1996). Pelos artigos 26 e 27, que tratam dos conteúdos curriculares da educação básica; pelos artigos 35, 35-A e 36, que disciplinam o currículo para o Ensino Médio (EM) e por fim, no caso específico “Da Educação Profissional Técnica de NívelMédio”, foco desta pesquisa, o artigo 36-A que define: “Sem prejuízo do disposto na Seção IV deste Capítulo [o que apresenta os dois já citados artigos 35 e 36], o ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas.” (BRASIL, 1996). O disposto na Resolução nº 6 do CNE de 20 de setembro de 2012 (CNE/MEC, 2012), que “Define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio”, no caso da produção de

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Os documentos apresentados nesta seção (Anexo C) estão disponíveis no site institucional do IFRJ, a referência completa dos documentos encontra-se nas Referências desta tese.

uma matriz para cursos técnicos e tecnológicos, também deve ser observado pela instituição de ensino.

A matriz curricular do Curso Técnico em Automação (Anexo C), o que consideraremos nesta pesquisa, segue o padrão de organização das matrizes de todos os outros Cursos Técnicos Integrados do IFRJ (IFRJ, 2017):

Figura 8: Matriz Curricular do Curso Técnico em Automação Industrial Integrado ao Ensino Médio

Após a apresentação desses itens são informados em tabelas, os períodos e os componentes curriculares do curso. Todos seguem o mesmo modelo do apresentado em seguida:

Figura 9: Tabela dos componentes curriculares do 3º períododo Curso Técnico em Automação Industrial Integrado ao Ensino Médio64

A apresentação da Língua Espanhola, única disciplina optativa do curso, é feita ao final das tabelas com os componentes curriculares de todos os períodos do curso:

Figura 10: Tabela com informações sobre a oferta da Língua Espanhola no Curso Técnico em Automação Industrial Integrado ao Ensino Médio

Com base no nosso foco de entrada nos documentos que organizam um curso técnico integrado, a identificação de processos de referência ao professor de LE e ao seu

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Optamos por trazer como exemplo a tabela dos componentes curriculares do 3º período, por ser a partir desse momento da formação que tem-se a entrada do inglês como disciplina obrigatória.

contexto de atuação no instituto, que antecipam aspectos da sua atividade. Faremos algumas considerações sobre a matriz curricular apresentada.

Antes mesmo de fazermos uma leitura atenta do documento, o que nos chama a atenção de imediato é a maneira como se materializa na matriz curricular os diferentes modos de oferecimento do espanhol e do inglês. A Língua Espanhola, como já destacamos, é apresentadaao final das tabelas com os componentes curriculares, a Língua Inglesa tem seu lugar definido na grade curricular, aparece junto com as outras disciplinas. Esse quadro nos faz refletir que, ainda que ambas as disciplinas sejam LEs, elas têm espaços definidos de forma diferente pelo IFRJ. Esse modo diferenciado definido para a oferta das disciplinas, irá se refletir na forma como cada docente irá desenvolver sua atividade em sala de aula.

Recentemente, a partir da publicação da Lei nº 3.415, de 16 de fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017) foram aprovadas mudanças significativas no modo de ofertar as LEs no contexto do Ensino Médio, incluindo nesse nível de ensino o Ensino Médio Técnico Integrado. Encontramos no parágrafo 4º do artigo 35 a referência à nova organização da oferta de LE no Ensino Médio:

§ 4º Os currículos do ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o

estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras,

em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino. (BRASIL, 1996, grifos nossos)

Essa nova organização coloca a Língua Inglesa em uma condição ainda mais diferenciada do que a Língua Espanhola, que antes da sanção da Lei nº 3.415/17 (BRASIL, 2017), que revoga a Lei nº 11.161/05 (BRASIL, 2005) tinha garantido a sua oferta obrigatória. Essas mudanças, bastante recentes, trazem ainda mais desconforto para os docentes de Língua Espanhola. Esses professores, que já tinham uma posição diferenciada em seu contexto de trabalho ao lecionar uma disciplina de caráter optativo, natureza que não é comum no Ensino Médio65, atualmente não tem seu espaço de atuação no Ensino Médio Técnico Integrado assegurado por lei.

Outro aspecto na matriz curricular que nos chamou a atenção foi a materialização do embate com o estabelecido pelo PPI do IFRJ (IFRJ, 2015) para a formação de seus alunos, que apresenta ampla defesa em várias partes de seu texto, conforme já destacamos nesse capítulo, da formação cidadã, que vai além da formação para o trabalho e para a

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inserção no mercado. Ao trazer como “Objetivo do Curso”: “Formar profissionais técnicos de nível médio do Eixo Tecnológico Controle e Processos Industriais, na habilitação Automação Industrial, em consonância com as demandas dos setores produtivos.” (IFRJ, 2013). Fica explícito que o curso não valoriza o aspecto humano da formação necessário também à formação técnica, destacado no PPI do IFRJ (IFRJ, 2015a) e nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio (BRASIL, 2013a).

Nesse contexto, o trabalho dos professores que atuam na parte da formação propedêutica do curso é apagado quando se define o seu objetivo, incluindo o trabalho dos professores de LE.

O mesmo embate com o prescrito pelo PPI da instituição e o apagamento do trabalho dos professores que não atuam na área técnica do curso, foi observado no “Perfil de Conclusão do Curso”:

O Técnico em Automação Industrial será capaz de atuar no projeto, execução e instalação de sistemas automatizados utilizados nos processos industriais. Realiza a manutenção, medições e testes em equipamentos utilizados em automação de processos industriais. Opera e mantém sistemas automatizados respeitando normas técnicas e de segurança. (IFRJ, 2013).

Assim, podemos dizer que a matriz curricular apresentada, ao definir o objetivo de formação do curso e o seu perfil de formando não considera a parte referente à formação geral do educando, que deve estar presente nesses itens do documento de um curso que se apresenta como integrado ao Ensino Médio.

Na subseção seguinte, apresentamos o fluxograma do Curso Técnico em Automação Industrial Integrado ao Ensino Médio.

3.3.2 Fluxograma

De acordo com o que já fizemos nas seções anteriores, antes tratarmos do fluxograma do Curso Técnico em Automação, faremos uma apresentação do documento. Com base nos estudos de Souza (2013, p.74) podemos afirmar que “a representação gráfica é um forte elemento integrante da construção composicional do gênero fluxograma”. A partir dessa representação gráfica o fluxograma é construído por quadros, que informam o nome de cada componente curricular do curso e as outras informações podem variar de acordo com as especificidades de cada instituição. A relação entre esses componentes se estabelece de forma vertical (cada período do curso) e horizontal (mostra a relação e

dependência entre cada disciplina). São estabelecidos também, por meio de setas se há algum pré-requisito para determinada disciplina. Dessa forma, esse gênero se configura por uma relação entre a linguagem verbal e a não verbal (SOUZA, 2013).

A construção composicional do documento “salienta processos lineares, pontuais, remetendo a uma ideia de busca pela objetividade e por uma forma econômica de representar a formação acadêmica.” (SOUZA, 2013, p. 79). No entanto, sabemos que a formação acadêmica é mais complexa e envolve diversos sujeitos e embates políticos, além de dialogar com outros documentos oficias, como leis, diretrizes e projetos pedagógicos (SOUZA, 2013). Dessa forma, interessa-nos compreender a maneira como se configura nesse gênero a formação do aluno em um Curso Técnico Integrado e como essa organização contextualiza e antecipa o trabalho do professor de LE, foco da nossa pesquisa.

Percebemos que o fluxograma do Curso Técnico em Automação (Anexo B) segue o modelo genérico que circula nas instituições de ensino em geral. O documento apresenta a seguinte organização:

Figura 11: Fluxograma do Curso Técnico em Automação Industrial - fragmento 1

(IFRJ, 2012)

Em cada quadro do fluxograma66são indicados: a disciplina; o número de aulas semanais (AS), carga horária da disciplina (CH). O leitor do documento também é levado a saber se é uma disciplina teórica (T) ou prática (P) ou considerada como sendo de forma concomitante teórica e prática (TP). Abaixo desse quadro geral dos componentes curriculares do curso temos a seguinte organização:

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Figura 12: Fluxograma do Curso Técnico em Automação Industrial - fragmento 267

(IFRJ, 2012)

São apresentadas no lado esquerdo da imagem, as informações a respeito das siglas presentes nos quadros e o ano da matrícula dos alunos para os quais o fluxograma passa a ser o norteador. Do lado direito da imagem, está a data de aprovação do documento por parte do Conselho de Ensino da Instituição, assim como o número da Resolução que torna oficial essa aprovação. Na parte central, temos o total da carga horária de cada período do Curso e o total da carga horária que deve ser cumprida no Estágio Supervisionado.

A Língua Espanhola é apresentada em um quadro que segue o modelo seguido para as outras matérias, em que se informa o tipo da disciplina, definida como “teórica”, assim como a sua carga horária total e o número de aulas semanais. A maneira encontrada para diferenciar a disciplina das demais, já que ela é a única definida como “optativa”, é o destaque na cor amarela. Voltando ao lado esquerdo da imagem, vemos que há explicações sobre os asteriscos presentes nos quadros e o período a partir do qual a disciplina poderá ser cursada pelo aluno.

Consideramos que o fluxograma do Curso Técnico em Automação, assim como de todos os cursos que utilizam esse gênero para apresentar seu itinerário formativo, evidencia o resultado dos debates ocorridos em diferentes instâncias do IFRJ para definir o entendimento da instituição do modo como ela compreende que deve ser o itinerário de formação em um curso dessa natureza. Dessa forma, é importante fazermos algumas considerações sobre os sentidos identificados a partir do modo de organização do curso nesse documento, com foco no trabalho do professor de LE.

Assim, destacamos aspectos que nos chamaram a atenção referente à forma como o espanhol e o inglês aparecem no fluxograma. Pela maneira como a disciplina se apresenta, fica explícita a situação diferenciada do espanhol frente às outras matérias que compõem o

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curso. Podemos dizer que essa forma de apresentação responde e materializa o entendimento do IFRJ ao exigido pela Lei nº 11.161/05(BRASIL, 2005)68, que estabelecia que o ensino da Língua Espanhola seria de oferta obrigatória pela escola e de matrícula facultativa para o aluno. Contudo, merece destaque que o CNE destacou em seu Parecer nº 18/2007 (MEC/CNE, 2007) que de acordo com o previsto no então artigo 36 da LDB/96 (BRASIL, 1996), revogado pela Lei nº 3.415/17 (BRASIL, 2017): “III- será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição”, o espanhol poderia ser oferecido como Língua Estrangeira obrigatória do curso, nesse caso:

a oferta da Língua Espanhola já está concretizada, se esta é a língua escolhida pela comunidade como primeira, ou seja, para ser a obrigatória. Neste caso, será uma outra (como as línguas inglesa, francesa ou ...) a língua estrangeira moderna que comporá o currículo escolar, em atendimento ao inciso III do artigo 36 da LDB, podendo a segunda língua ou outras, se for possível diversificar a oferta facultativa, ser escolhida em razão das disponibilidades no corpo docente.(MEC/CNE, 2007)

O fluxograma, ao delimitar que a Língua Espanhola é oferecida em caráter optativo, se insere no conjunto de outras práticas discursivas que circulam no IFRJ e desvalorizam o idioma, ao dar ao inglês a posição de destaque na formação técnica.

Outro aspecto do fluxograma que merece destaque é a forma como a “Língua Inglesa para fins específicos” é ofertada, como podemos ver em seguida:

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Destacamos na subseção anterior que a Lei nº 3.415/17 (BRASIL, 2017) revogou a Lei nº 11.161/05 (BRASIL, 2005).

Figura 13: Fluxograma do Curso Técnico em Automação Industrial - fragmento 3

Como podemos ver pela imagem, a disciplina é ofertada no 3º período do curso, deixa de ser no 4º período e volta a ser oferecida no 5º e no 6º períodos. Uma organização, que a partir da nossa experiência como docente de LE, sabemos que não é favorável para o ensino do idioma, não oferece a possibilidade de continuação do aprendizado do que foi aprendido no semestre anterior. Essa organização marca uma desvalorização do ensino da disciplina no curso. Ainda que ela tenha seu espaço garantido na matriz curricular, o modo como ela é oferecida não contribui para o seu aprendizado efetivo.

Como destacamos no início do capítulo, ao nos aproximar dos prescritos do trabalho do professor de LE do IFRJ buscamos conhecê-lo antes de ouvir os trabalhadores e ter acesso aos saberes da experiência. A partir do exposto, é possível notar que os documentos, que organizam o curso técnico integrado que definimos como referência, formalizam uma valorização da formação técnica no contexto de um curso integrado. Dessa forma, podemos dizer que há uma maior preocupação em antecipar a atividades dos docentes que vão atuar nessa parte do curso.

É possível observar também que o professor de LE é aquele que leciona uma disciplina que está inserida na grade curricular do curso como uma optativa ou no caso de integrar a grade como uma matéria obrigatória, como ocorreu no curso que definimos como referência, tem sua posição definida a partir de uma organização que prioriza a sequência das disciplinas técnicas.

No próximo capítulo tratamos da segunda etapa desta pesquisa, a realização do GD, contexto em que foram produzidas as falas das professoras de LE sobre o seu trabalho. Como já informamos, o roteiro que guiou a discussão no GD foi construído a partir de trechos dos documentos que acabamos de apresentar neste capítulo e de outros documentos que tratam do ensino de LE no contexto escolar. Dessa forma, retomaremos algumas questões aqui abordadas.