• Nenhum resultado encontrado

O debate sobre a “guerra fiscal” na Comissão Especial de Reforma

Capítulo III: Os anos 90 e o debate acerca da reestruturação dos tributos:

4. Os estados e os municípios: questionamentos a PEC 175

4.1. O debate sobre a “guerra fiscal” na Comissão Especial de Reforma

Uma das dimensões do eixo federativo do jogo político, diz respeito à guerra fiscal. Este fenômeno tem sido praticado desde o período Pós-Constituinte e trata-se de um jogo de ações e reações travado entre os governos estaduais e municipais com o intuito de atrair investimentos para seus territórios, como demonstrado no Capítulo anterior.

Os estados, ao possuírem prerrogativas para o estabelecimento de alíquotas diferenciadas de ICMS, adquiriram grande autonomia política e econômica. Embora

governadores – fortalecidos politicamente no novo quadro político – passaram a ignorar esse requisito. A geometria das perdas e ganhos resultantes é muito variada. Especialmente Espírito Santo, Ceará, Minas Gerais e Rio de Janeiro têm tido sucesso na atração de novos investimentos nacionais ou internacionais. Um dos exemplos sempre lembrados é o de Goiás, que nos últimos dez anos conseguiu atrair mais de 250 indústrias, criando 130 mil empregos e passando do 12° lugar, para o 8° lugar, em termos de participação no PIB nacional, em função de uma política explícita de incentivos fiscais39. A guerra fiscal, na realidade, parece fazer sentido contra o Estado de São Paulo, onde se encontra o parque industrial brasileiro. Esse estado, na opinião dos especialistas, aparece sempre como o grande perdedor.

A dimensão política do conflito era, portanto, bastante variada. Tanto entre parlamentares federais quanto entre autoridades estaduais, existiam muitos defensores da livre competição entre os estados em prol da atração de novas indústrias e serviços para os seus territórios. Afirmavam ser os incentivos fiscais um direito constitucional e que, apesar de apresentarem um lado negativo, eram vitais para o desenvolvimento de alguns estados. Na Comissão Especial, as opiniões dos parlamentares se dividiam, com relação à guerra fiscal. Segundo a maioria deles, numa tentativa de amenizar os efeitos desta prática, destacavam que existem dois tipos desta guerra, uma das quais é extremamente predatória, que é aquela que concede benefício a determinado setor, na tentativa de atrair um pouco mais de operações – por exemplo, a circulação apenas da nota fiscal e não da mercadoria40. Neste caso, um setor é beneficiado em um estado e, em cascata, os outros estados terminam por conceder este benefício também. O depoimento a seguir refere-se ao então Secretário da Fazenda da Bahia, Albérico Mascarenhas, que forneceu sua opinião acerca da guerra fiscal:

Concordo também com que a guerra para a atração de investimentos não é a melhor saída, mas não resta alternativa. Não temos opção, por exemplo, para cidades do interior da Bahia e do Nordeste em que não há uma única forma de geração de emprego. Não pode ser turismo, porque não existem atrativos turísticos, são regiões pobres, de semi- árido, onde não se tem o que fazer. Essas populações acabam indo

39

Fonte: Melo (2002).

40

Este procedimento é comumente chamado de “passeio da nota fiscal” e ocorre porque se vendem produtos dentro do estado e emite-se nota fiscal como se estivesse realizando uma transação para outro estado, geralmente do Norte e Nordeste, onde a complementação da alíquota do ICMS é substancialmente

para as grandes cidades em busca de emprego. Cito como exemplo o setor calçadista da Bahia, que gera hoje mais de 30 mil empregos. É um custo alto para o Estado, concordo com isso. Na verdade, está comprando emprego, mas é a única esperança que temos. Mesmo com toda essa dificuldade, a Bahia cresceu sua participação nacional de 4,5%, em 1995, para 4,9%, em 2002. Temos conseguido crescer, mas concordo que esse não é o melhor mecanismo. Concordo também que os Governadores dos estados menos desenvolvidos não tiveram outra opinião. (MASCARENHAS, em discurso à Comissão Especial, Câmara dos Deputados, 2002).

Os parlamentares que apoiavam a guerra fiscal eram favoráveis ao aumento dos incentivos fiscais, como no discurso do Deputado Sandro Mabel (PL-GO):

O algodão do Mato Grosso tem 75% de incentivo, por isso se desenvolveu, tem qualidade para ser exportado. Lá o programa tem efeito qualitativo, buscam a qualidade para exportar o algodão produzido no Centro-Oeste, no Mato-Grosso. Se esses 75% forem retirados, torna-se inviável, pois não se chega ao preço internacional com a qualidade que é pretendida e que permite ao Brasil exportar e tornar o Mato Grosso um dos maiores produtores de algodão. (DEPUTADO MABEL, em discurso à Comissão Especial, Câmara dos Deputados, 2003).

A questão de incentivos fiscais não existe somente no Brasil, mas também em países desenvolvidos, como nos Estados Unidos, onde há uma enorme concorrência entre os estados em relação à concessão de benefícios. Entretanto, com a ascensão do presidente Roosevelt, houve uma política de desenvolvimento que equilibrou tal concorrência. Tais medidas transformaram a região sul daquele país, que contou com uma melhor infra-estrutura, colaborando, dessa forma, com o nivelamento social das regiões. Porém, em contrapartida, torna-se necessário ressaltar, também, que existiam parlamentares, como Paulo Rubem Santiago (PT-PE), que destacou que a guerra fiscal é um fenômeno nocivo, e não deve ser enaltecida no debate tributário:

Não me convence o discurso desenvolvimentista da guerra fiscal. Ou me apresentam os números concretos da geração de empregos, da arrecadação tributária, do desenvolvimento do espaço de cada estado – Zona da Mata, agreste, sertão, zona rural do Rio de Janeiro, interior de São Paulo, oeste do Paraná, etc – ou então não vamos mais debater guerra fiscal nem Reforma Tributária. (DEPUTADO SANTIAGO, em discurso à Comissão Especial, Câmara dos Deputados, 2002).

O problema que envolve a guerra fiscal tem seus desdobramentos na necessidade de uma política nacional de desenvolvimento regional, destacando o que há de melhor em cada região, incentivando, dessa forma, a atração de investidores. Sobretudo porque a guerra fiscal é um instrumento de desagregação do pacto federativo, pois os estados devem constituir um elo de equilíbrio, que os manterão unidos, contrabalançando, obviamente, perdas e ganhos, mas que não trarão problemas a ponto de gerar uma concorrência desleal, semelhante ao que ocorre atualmente.

O que é necessário salientar é que apesar de haverem parlamentares que apoiavam (e continuam apoiando) esta concorrência entre estados, um survey realizado pelo deputado Antonio Kandir (PSDB-SP), sinalizou que em sua maioria (93%) dos deputados, estavam de acordo com a introdução de mecanismos que coibissem a guerra fiscal, demonstrando, neste sentido, que o fenômeno era visto como mais uma distorção a ser combatida na federação brasileira.