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Os debates na Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças, na

Capítulo I: Perspectiva histórica das reformas tributárias: a Constituição

1. As propostas apresentadas durante a Constituinte

1.1. Os debates na Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças, na

Constituinte

Com o intuito de tornar o processo de apreciação das propostas mais ágil e eficiente, convencionou-se dividir os trabalhos da Assembléia Constituinte em comissões temáticas, que eram em número de oito.8 A Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças teve como Presidente o antigo ministro da fazenda, Francisco Dornelles e como Relator, José Serra; era formada por 63 parlamentares, dos quais, segundo Oliveira (1992), 40% eram nordestinos. Esta Comissão se desmembrou, dividindo-se em três subcomissões para a elaboração dos trabalhos: Tributos, Orçamento e Sistema Financeiro.

O trâmite dos projetos era o seguinte: os projetos deveriam obter aprovação em sua respectiva Subcomissão, para serem enviados, então, ao Relator da Comissão, no caso, José Serra. Este Relator encaminharia o projeto para uma Comissão Temática, onde receberia aprovação, sendo destinado, posteriormente, à Comissão de Sistematização9; passando por todas estas fases, o intento era apresentado ao Congresso, para apreciação ou rejeição. Segundo Oliveira (1992, p. 79), na época da aprovação do Substitutivo10, José Serra fez uma avaliação acerca dos rumos dos trabalhos na Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças:

Durante muito tempo, imaginou-se que a Assembléia encarregada de definir uma nova ordem jurídica para o país seria monopolizada pelo permanente confronto entre progressistas e conservadores, esquerda e direita. Nos últimos dias, sem que se pudesse aplicar aos participantes dos debates quaisquer dos chavões ideológicos, um novo divisor de águas emergiu no rastro de uma das mais antigas pendengas da política brasileira: a questão regional.

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As Comissões Temáticas eram as seguintes: Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da Mulher; Organização dos Poderes e Sistema de Governo; Sistema Tributário, Orçamento e Finanças; Ordem Econômica; Ordem Social; Comissão de Família, Esportes, Comunicação, Ciência e Tecnologia; Organização do Estado; Comissão de Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das Instituições.

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E ainda, Souza (C., 2001, p. 533) destaca o depoimento de Osmundo Rebouças, parlamentar constituinte:

O ambiente na Comissão era emocional e irracional. Eu presenciei cenas deprimentes. Um dos debates mais acirrados deu-se em torno dos percentuais do FPE e do FPM. Os Constituintes dos estados menos desenvolvidos lutavam para que eles fossem os mais altos possíveis e os dos mais desenvolvidos os mais baixos. Para se chegar a um acordo, a cesta de trocas foi enorme, incluindo o aumento da bancada paulista no Congresso.11

O momento era preocupante, pois se os parlamentares constituintes estavam pressionados por questões regionalistas, o sistema tributário poderia nascer totalmente desfigurado, ameaçando, futuramente, o equilíbrio federativo. Entretanto, os Constituintes priorizaram a questão regional, polarizando os debates no Congresso e relegando ao segundo plano, questões importantes, impedindo, desta maneira, que uma profunda reforma no sistema tributário fosse realizada. Oliveira cita, mais uma vez, um discurso do relator José Serra, em entrevista concedida à Folha de São Paulo, na época da Constituinte:

Eu acho que nós vamos ter uma reforma do sistema tributário bastante razoável. Não é aquele que se deseja, porque entre desejo e realidade há um caminho muito complexo e um entendimento político de diversidades regionais, de problemas dentro da federação extremamente difíceis de serem transpostos. (OLIVEIRA, 1992, p. 82).

Entre as Subcomissões formadas, a mais disputada foi a referente aos Tributos e haviam evidências claras de uma disputa aberta entre os estados do Norte e Nordeste, de um lado, e do Sul e Sudeste, de outro, prevalecendo a dicotomia entre “estados pobres” e “estados ricos”. As discussões eram pautadas pela tentativa de recuperar a autonomia fiscal dos estados, descentralizando recursos da União. Os principais pontos debatidos e, posteriormente, incluídos ao projeto final aprovado, foram:

• Possibilidade de criação de novos tributos, tanto pela União, quanto por estados e municípios, desde que os impostos de competência estadual não concorressem com os da União;

• Concessão de empréstimos compulsórios aos estados e Distrito Federal, em casos de despesas provocadas por calamidade pública, mediante lei aprovada por maioria absoluta das duas esferas;

• Ampliação da tributação tanto a estados como para municípios. Haveria mudanças no ICM, que passaria a absorver cinco impostos federais (ISC, ISTR, IUCL, IUEE e IUM), além do ISS, municipal. Para compensar a perda do ISS, os municípios aumentariam sua arrecadação de 20% para 25%, agora sobre o novo ICMS.

Além disso, obedecendo aos critérios de descentralização de recursos, foram ampliadas as parcelas destinadas aos Fundos de Participação de estados e municípios, criados com o intuito de tornar mais equilibradas as contas destas esferas. Antes da Constituinte, estes Fundos - formados com recursos do IR e do IPI - eram assim distribuídos: 14% dos recursos totais eram destinados aos estados, 17% aos municípios, e 2% iam para o Fundo Especial, que beneficiaria as regiões menos desenvolvidas. Todavia, a Subcomissão do Sistema Tributário pretendia o aumento destes índices, para 18,5% para os recursos destinados a estados, 22,5% para os municípios, mantendo os mesmos 2% para o Fundo Especial. Uma tentativa, portanto, de aumentar a receita das entidades subnacionais.

Entretanto, o conflito entre os estados se acirrou devido à aprovação dos critérios de partilha do FPE, que passariam a descartar, a partir de então, aquelas regiões com renda superior à média nacional de serem beneficiários, favorecendo, portanto, os estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, em detrimento do Sul e Sudeste. Todavia, Oliveira (1992) destaca outros momentos em que as questões regionais exerciam influência sobre os debates:

Na Subcomissão de Orçamento, que também teve como relator um representante do Nordeste, o deputado José Muniz Maia, aprovou-se uma proposta que garantia a aplicação de 31,97% dos recursos orçamentários na região Nordeste, enquanto estabelecia a destinação de 25,65% ao Sudeste. Já na Subcomissão do Sistema Financeiro, essa tendência se confirmava com a aprovação de um artigo que proibia a realização de depósitos bancários de recursos oriundos das regiões menos desenvolvidas para as mais ricas. (OLIVEIRA, 1992, p. 88).

O conflito era latente, tanto por pressões por maiores recursos a diferentes regiões, quanto por transferências mais amplas a estados e municípios. Neste sentido, para compensar as perdas nos estados mais desenvolvidos, a Subcomissão de Tributos decidiu que estes disporiam de recursos do Fundo de Exportação, baseado na arrecadação do IPI, mais a cobrança de 5% do IR, da União. Nota-se, portanto, que as duas esferas seriam responsáveis pela cobrança de um mesmo imposto, instituindo a chamada “competência compartilhada”, inexistente na Constituição anterior.

Com relação aos municípios, a fim de minimizar as pressões exercidas por seus representantes legais, negociou-se o repasse do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis inter-vivos (ITBI), já que esta entidade perderia a arrecadação do ISS, que se integraria ao novo ICMS; além disso, era previsto aos municípios a elevação da participação em 50% na arrecadação do ICMS, que antes era previsto em 25%.

O relatório referente à Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças foi aprovado no dia 12/06/1987, sendo então encaminhado à Comissão de Sistematização, onde seria novamente avaliado e possivelmente, emendado. Esta Comissão de Sistematização da Constituinte era formada por 93 parlamentares, dos quais o deputado Afonso Arinos era o presidente e o senador Bernardo Cabral, o relator. Os parlamentares que compunham esta Comissão também faziam parte das oito Comissões Temáticas do processo constituinte, contando ainda, a Comissão de Sistematização, com a participação dos vinte e quatro Relatores das Subcomissões.

Reunida de junho a novembro de 1987, o projeto elaborado por esta Comissão pautava-se por respeitar o princípio da equidade, procurando diminuir as desigualdades sociais. As discussões foram as seguintes:

• O Imposto Territorial Rural (ITR) deveria desestimular as terras improdutivas, devido ao aumento de suas alíquotas;

• Haveria a restrição de incidência do IR estadual aos lucros das empresas, retirando os rendimentos assalariados;

• A criação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), representava uma tentativa de diminuição das desigualdades sociais.

Apesar de visar uma melhoria no sistema tributário, observa-se, contudo, que nenhuma alteração substancial foi realizada na Comissão de Sistematização, na seção que tratava do Orçamento e do Sistema Financeiro; desta maneira, os projetos aprovados nesta Comissão foram, então, encaminhados ao Plenário, para aprovação final.

A votação em Plenário da nova Carta Constitucional mantinha, ainda, alguns pontos sem o devido consenso. Uma das grandes discussões relacionava-se com o fato de a União descentralizar alguns de seus recursos, mas permanecendo com seus encargos; outro ponto polêmico referia-se ao IR estadual, que poderia afetar as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, pois a distribuição de tal tributo obedeceria ao princípio da competência compartilhada, o que poderia gerar conflitos tributários com as regiões Sul e Sudeste.

Muitos analistas faziam especulações acerca do processo constituinte, que segundo os quais, seria marcado por posições partidárias ou ideológicas, entre esquerda e direita, entre progressistas e conservadores. Entretanto, nada disso ocorreu; o que ficou latente foi a pressão de parlamentares pela descentralização de recursos da esfera da União, para estados e municípios, colocando no centro das discussões e prioridades, a questão regional, levando alguns parlamentares a travarem verdadeiras contendas em nome dos territórios aos quais representavam.

Com o fim dos trabalhos das Comissões e Subcomissões e apesar de alguns contragostos, a nova Constituição foi promulgada no dia 05/10/1988, encerrando o período de transição para a democracia, iniciado com a queda do regime militar no Brasil e inaugurando um novo sistema tributário, cujas características serão analisadas no item abaixo.