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A discussão a respeito da relação entre atores políticos, a organização partidária e os resultados eleitorais condensam inúmeras questões a serem enfrentadas no âmbito dos estudos acadêmicos. Contudo, há um amplo quadro de referências teóricas que favorecem essa discussão.

Aqui é apresentada uma breve revisão da literatura internacional e brasileira sobre a identificação partidária e sua relação com o resultado eleitoral, especialmente no atual sistema multipartidário.

Esse tema apresenta minimamente duas frentes de estudos bastante significativas. Uma primeira referente aos estudos que discutem a escolha eleitoral, e uma segunda, mais voltada à análise do resultado do comportamento – geografia do voto.

O debate a respeito da escolha eleitoral gerou inúmeras teorias na literatura internacional. Um dos estudos pioneiros acerca dessa questão foi desenvolvido pela Escola de Michigan, especialmente por Campbell et al. (1960) e Converse (1964). Para essa vertente teórica a identificação eleitoral se originaria de uma adesão de base psicológica aos partidos, forjada em bases afetivas no processo de

200 A pesquisa realizada definiu como base para coleta de dados os municípios e como variáveis:

quantidade populacional e localização geográfica, tendo como referência o local de origem ou atuação dos membros da rede interna do partido.

201 Utilizou-se como referência da influência do capital político de determinados atores ou grupos

políticos do partido, em dada microrregião, o corte histórico: o fato de ter havido, em eleições simultâneas, um desempenho eleitoral satisfatório (os candidatos do PSDB serem eleitos ao cargo de prefeito e vereador e na eleição seguinte os candidatos do PSDB aos cargos de deputado estadual, federal, senador, governador e presidente serem os mais votados e vice-versa).

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149 socialização e, portanto, mais resistente a mudanças ou influências de outra ordem, daí ser também conhecida como teoria psicossociológica do voto.

A teoria da escolha racional apresenta outra explicação para a relação entre identificação partidária e a decisão do voto. Para Downs (1999) os eleitores utilizam os partidos como referências para sua tomada de decisão, com o objetivo de diminuírem custos na obtenção e processamento das informações políticas necessárias. O fato de determinados partidos defenderem certos valores e princípios mais do que outros possibilitam ao eleitor, em uma próxima eleição, utilizar esse conhecimento prévio para decidir seu voto, economizando recursos (especialmente tempo) para se informar e fazer sua escolha. Frente a esses argumentos, essa vertente teórica defende que a identificação com o partido acaba sendo o resultado de uma decisão racional e não simplesmente de uma identificação afetiva, como preconiza a teoria psicossociológica.

Fiorina (1981) considerou os argumentos de ambas as vertentes e adiciona outros elementos a esse debate. O autor argumenta que tanto a socialização do indivíduo tem um peso na identificação partidária, como também, e em maior proporção, a avaliação resultante da sua experiência como eleitor. Nesse sentido, a identificação partidária seria resultado de uma avaliação por parte dos cidadãos das promessas e dos desempenhos partidários ao longo de um determinado tempo.

A teoria de Fiorina, segundo Kinzo & Carreirão (2004), fornece uma explicação eminentemente política do fenômeno da identificação partidária ao dar conta tanto das manifestações de estabilidade como das mudanças nas preferências dos eleitores em relação aos partidos políticos:

quando os partidos se posicionam favoravelmente em relação a interesses definidos que correspondem à determinadas clivagens socioeconômicas, e os cidadãos se encontram na mesma situação socioeconômica ao longo do tempo, então se pode esperar que a maioria dos cidadãos avalie consistentemente um partido como preferível a outro de acordo com seu posicionamento, o que produziria um contínuo fortalecimento da identidade partidária. Porém, se os partidos são inconsistentes ao longo do tempo, a mobilidade social é excepcionalmente alta ou se novos issues emergem regularmente, a identidade partidária dos cidadãos pode flutuar. (Kinzo & Carreirão: 2004)

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150 O profícuo debate sobre a natureza da identificação partidária, acumulado pela literatura internacional, especialmente a norte-americana, tem possibilitado o desenvolvimento de análises que definem as tendências históricas desse processo.

Nas décadas de 1950 e 1960 os estudos eleitorais nos EUA apontavam para uma razoável estabilidade das identidades partidárias dos eleitores. A partir da década de 70 foram acumuladas evidências do declínio do papel dos partidos no sistema político norte-americano e dos vínculos entre eleitores e partidos. Dalton (2000) afirma que entre 1952 e 1996 a porcentagem de cidadãos identificados com algum partido decresceu 16% nos Estados Unidos. Fenômeno similar foi identificado nas democracias consolidadas (Dalton, McAllister e Wattenberg, 2000). Dentre os fatores apontados como responsáveis por essa transformação, destacam-se: o papel desempenhado pelos meios de comunicação de massa nas campanhas eleitorais e o aumento considerável, nas últimas quatro décadas, do nível educacional de americanos e europeus.

Os estudos referentes ao cenário brasileiro pós-1985, período inicial do multipartidarismo, também destacaram baixos índices de identificação partidária, inclusive com taxas declinantes entre 1989 e 1994. Lavareda (1989) e Meneguello (1994), a partir de trabalhos empíricos, indicam que entre 1988 e 1994 a maioria do eleitorado brasileiro, mais que 50 por cento, não manifestou preferência por nenhum partido quando solicitado.

Ao analisar a parcela do eleitorado que explicita sua preferência partidária, algo em torno de 50 por cento, Singer (1998) aponta altos coeficientes de correlação entre identificação partidária e intenção de voto em 1989 e 1994. No entanto, esses coeficientes medem apenas a relação entre posicionamento ideológico dos partidos e a decisão de voto nos candidatos.

Nesse sentido, as análises sobre a experiência brasileira, até meados da década de 90, indicavam um quadro bastante pessimista quanto à possibilidade dos eleitores construírem identidades mais significativas com os partidos. Entre os fatores destacados como desfavoráveis à estabilidade de identificações partidárias está a tendência personalista na disputa eleitoral (Meneguello,1994 e 1995) e a ausência de um arranjo institucional consolidado, que leva a escolha eleitoral ser

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151 pautada por um padrão populista – uma ligação direta entre líder e massas sem necessidade de canal partidário –, especialmente o eleitor com baixo nível educacional (Singer,1998).

Em decorrência desse diagnóstico, em pleno processo brasileiro de consolidação da democracia e do multipartidarismo, inúmeros estudos abordaram à relação entre identificação partidária e voto. Essa literatura apresenta argumentos distintos, mas conclusões que reafirmam o cenário indicado.

Para Balbachevsky (1992) o sistema partidário, com a multiplicação de legendas, levou à retração dos níveis de interesse e participação do eleitorado, o que conduziu ao declínio das taxas de identificação partidária. Assim, a identificação circunscreve o conjunto de eleitores disponíveis à participação política devido à competição partidária ter algum significado subjetivo.

Ao analisar os dados da eleição presidencial de 1989, Castro (1994) afirma haver correlação entre a intenção de voto e a preferência partidária dos eleitores. No entanto, a autora identifica que grande parte dos eleitores não tem um histórico estável de preferência partidária e manifestam-se somente no processo eleitoral, fator que indica uma escolha pautada nos candidatos. Silveira (1996) apresenta um diagnóstico semelhante quanto ao caráter pouco estável das identificações partidárias. Segundo o autor, a identificação partidária é um fator importante da decisão eleitoral somente no caso de eleitores mais envolvidos com a política. A grande maioria de eleitores, que não exerce qualquer tipo de participação política, não possui uma identificação partidária durável: é pontual, fugaz e formada em função da imagem dos candidatos.

Esse diagnóstico, ainda inconcluso, revela a importância em buscar explicações para a escolha eleitoral. Os argumentos tecidos tanto pela literatura internacional como brasileira indicam que as democracias ocidentais, entre essas a brasileira, apresentam um grau pouco significativo de identidade partidária no eleitorado e um crescimento da proporção de eleitores que tendem a orientar seu comportamento eleitoral por um conjunto ilimitado de questões.

A segunda frente de estudos, referente à geografia eleitoral, sugere a existência de uma significativa relação entre as características sócio-econômicas e o

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152 comportamento político. Pesquisas em cidades norte-americanas e européias realizadas por Taylor & Johnston (1979) foram referências na criação de categorias de análises (socialização, fator estrutural e fator geográfico), como também outros trabalhos demonstrando a importância da regionalização no processo de análise do comportamento eleitoral.

No Brasil é pequena a produção acadêmica sobre a geografia do voto, a maioria das análises é de regiões metropolitanas, especialmente São Paulo. Sobre o estado de São Paulo destacam-se os trabalhos de Faria (Lamounier, 1975) e Meneguello (1989).

Os estudos clássicos sobre a geografia do voto na literatura brasileira, como Lamounier e Cardoso (1975), Lamounier (1980), Meneguello & Martins Alves (1986), e os que analisaram a região do ABC nos anos de 1980 e outros mais recentes (Kinzo, 2005), apontam para uma possível associação entre desenvolvimento sócio- econômico e comportamento eleitoral.

Em síntese, as formulações apresentadas, das diferentes frentes de estudos, revelam pistas a respeito do grau de relevância da organização partidária no resultado eleitoral. Segundo Santos (2001), a estabilidade nos resultados eleitorais, a disciplina nas decisões legislativas e a continuidade nas carreiras políticas são indicadores de que as organizações partidárias foram capazes de garantir a representação política.

A partir da análise do resultado eleitoral do PSDB no estado de São Paulo, entre 1988 e 2006, a pesquisa realizada busca contribuir para este debate a respeito do mapeamento do voto. A hipótese subjacente ao presente estudo refere-se à possibilidade de compreender o voto utilizando uma abordagem organizacional, especificamente a relação existente entre partido político e atores políticos.

Para analisar os resultados eleitorais foram definidas algumas variáveis - localização geográfica, tamanho do município e temporalidade - e adotou-se como nível de abordagem a microrregião. Esses procedimentos permitiram identificar e apresentar explicações para a estabilidade nos resultados eleitorais do PSDB-SP no período analisado.

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153 Por meio dos padrões de votações identificados nas diversas microrregiões, considerando a interrelação entre os pleitos eleitorais, observou-se e identificou-se o grau de influência do capital político de determinado ator político, ou das forças políticas que o apóia, para a consolidação de uma base eleitoral e dinâmica organizacional partidária.

4.2. O desempenho eleitoral do PSDB no Estado de São Paulo (1988-2006):