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O Desamparo: um dos Pilares do Capitalismo

No documento A BORDAGEMG RUPAL ÀV (páginas 80-83)

Há um outro aspecto cada vez mais presente no momento atual do processo de globalização e que perpassa o sujeito através das relações de produção: o papel central do desamparo enquanto um dos pilares que sustentam o Capitalismo.

Já em 1895, no Projeto de Psicologia, Freud trata do inicio da constituição do ser humano a partir da situação de desamparo. É neste manuscrito, ainda em linguagem neurológica, que Freud estrutura os conceitos fundamentais que mais tarde surgirão na linguagem psicanalítica ao longo de toda sua obra. Ele descreve como o bebê recém-nascido vive entre a dor e o alívio em função da ação realizada por sua mãe ou pelo individuo auxiliador. As situações geradas pelas necessidades de alimentação e cuidado expressam-se como quantidades internas no bebê (fome, dor, etc), que somente podem ser resolvidas por uma ação específica realizada pelo outro no atendimento de sua necessidade. Isso propicia o alívio e resolve, momentaneamente, o desvalimento ou desamparo infantil e inicia e estrutura a história do sujeito.

Assim, o desamparo é o motor da relação com o outro. É a sensação das quantidades geradas pelos fatores internos e externos, na relação entre elas com o indivíduo auxiliador que representa o mundo externo pela presença ou ausência da ação específica, que as sensações podem ou não ser englobadas pelo símbolo, pela palavra e, conseqüentemente, pelo pensamento. A sensação de dor e de alívio, de prazer e desprazer formam-se em função do aumento ou diminuição das quantidades ou das tensões internas. Quanto maior a quantidade, maior a dor e maior a necessidade de defesa do sujeito, o que pressupõe e reprime a representação e a palavra, o mecanismo da negação e da cisão (spaltung). A descarga se efetiva por meio do sintoma.

Assim, o desamparo move o sujeito e estrutura a relação dele com o indivíduo que cuida, com a família, nas relações de produção, dentro de uma determinada cultura e lugar social, ou seja, com o Outro. É nessa relação que se constitui a representação de si, o desejo, o pensamento e a palavra. A forma como se estruturam e são internalizados e reprojetados esses vínculos é o que se vai formando enquanto modalidade da relação com o mundo, ou seja, a ética.

No atual momento histórico, passando do sujeito à indústria, percebe-se que a radicalização do processo de globalização exige a competitividade máxima, já que a concorrência econômica não se dá mais na fronteira do bairro, da cidade, do estado, do país. Uma empresa somente é viável se, de uma forma ou outra, for competitiva no mundo. Um produto qualquer produzido na China pode quebrar todo um segmento da indústria no Brasil. Da mesma forma, o consumo enorme de matérias primas na indústria chinesa altera os preços dos insumos utilizados aqui.

O modelo econômico exige de qualquer empreendimento, seja ele uma empresa de autogestão, uma cooperativa, uma indústria, ou a prestação

de serviços, a habilidade de encontrar qual o seu lugar no mercado através da máxima eficiência na produção. Toda e qualquer proteção social que até alguns anos atrás ainda eram exercidas pelo medo ao socialismo tal como o ´Welfare Sate`, as políticas públicas, a garantia ao trabalho são agora obstáculos à competitividade da empresa, já que aumentam os custos da produção. Para sobreviver, é necessário baixar o custo produtivo, com a máxima eficiência. Caso isso não ocorra, a empresa, de fato, quebra e o sujeito (tanto o patrão quanto o empregado) volta a viver, como adulto, a situação de desamparo do bebê, só que agora não há quem realize a ação específica. A disjuntiva, nesse momento, torna-se clara: ou a mais-valia ou o desamparo.

Esse processo, no entanto, não é somente o da diminuição dos custos fixos e variáveis nas formas de gestão e das planilhas de cálculo. Para que haja a radicalização, é preciso o sujeito perceber que está verdadeiramente diante do abismo. Somente assim ele poderá colocar toda a sua vida para a criação da mais valia necessária. A competitividade, dessa forma, vai-se adensando cada vez mais, gerando ao mesmo tempo eficiência e desvalimento. Somente o sujeito desesperado consegue tanta eficácia.

Isso, no entanto, ainda não é o suficiente. Não basta somente a eficiência na produção, já que grande parte dos produtos são fabricados por muitos concorrentes (as chamadas commodities). Há um novo elemento que se torna cada vez mais forte como diferencial: são as relações que se estabelecem com e no mercado. Todo bom executivo sabe que está em uma guerra e não é à toa que os livros de Sun Tzu16 (A arte da guerra), assim como tantos outros sobre o tema são novamente best-sellers mundiais. Os negócios e as relações comerciais, as relações de trabalho e com os clientes e

fornecedores não são, de maneira geral, com o outro, mas sim contra o outro. Somente, assim, chega-se ao preço adequado no mercado.

Surge aqui uma importante contradição: ao mesmo tempo em que é absolutamente necessário ser contra o outro nas micro e macrorrelações, é fundamental estabelecer um vínculo diferencial pautado na escuta já que eficiência competitiva somente se obtém na relação com o outro, isto é, entre o produto, o mercado e o cliente. É o que hoje se faz conhecido como “prestação de serviços”, “qualidade no atendimento”, etc Assim, diferentemente daquilo que antes ocorria, em que o vínculo era o encontro, o desencontro, o conflito com o outro, agora, nesse momento histórico, a relação é um sofisticado produto criador de uma verdadeira diferenciação competitiva.

Assim, a radicalização da competitividade empurra o sujeito ao desamparo que não é mais o motor do encontro com o outro para a mudança do mundo individual e do entorno social, gerando frustração e dor. Ao contrário, a sobrevivência diante do desamparo vivido pelo modelo competitivo é a aniquilação do outro. É a possibilidade real de ser aniquilado que move o sistema.

3.5 O Impacto dos Processos Econômicos e da Globalização sobre a

No documento A BORDAGEMG RUPAL ÀV (páginas 80-83)