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Em 1996, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), Ivan Sugahara, Bruce Gomlevsky, Paula Delecave, Rodrigo Maia e Ana Couto, estudantes do curso profissionalizante de teatro da Casa de Artes de Laranjeiras (CAL) fundaram a companhia Os dezequilibrados. Os cinco estudantes se conheceram no curso de teatro do Colégio Andrews, do qual participaram por três anos. Em seguida, com o objetivo de profissionalizarem-se como atores, todos (com exceção de Rodrigo Maia) inscreveram-se no curso de teatro da CAL. Durante o curso, os estudantes resolveram criar seu próprio grupo de teatro, batizado com o nome de Os dezequilibrados.

A idéia de desequilíbrio nos rondava. Era algo que ia ao encontro do que acreditávamos ser o objetivo do artista: desequilibrar, subverter, mudar a perspectiva. Dentre essas possibilidades, o termo desequilíbrio se sobressaía, pois também denominava um exercício teatral com o qual o encenador Antunes Filho trabalhava na época. O Bruce62 tinha feito um curso livre com ele e nos relatou o exercício, que trabalhava com a idéia do ator se colocar em desequilíbrio em cena, não se sentir confortável, se desafiar, se colocar em situações difíceis.

A proposta do nome veio do Bruce com o seguinte comentário: “se fôssemos dez, poderíamos nos chamar Os dezequilibrados com z, fazendo uma alusão ao fato de serem dez integrantes”. Embora não fôssemos dez, todos gostaram da sugestão, que foi imediatamente aprovada. Hoje, penso no nome desta maneira: o grupo é constituído por pessoas que, a princípio ou isoladamente, são equilibradas. Mas que, em número de dez ou, simplesmente, reunidas (já que nunca fomos de fato dez), tornam-se “dezequilibrados”. Isto é, a junção dessas pessoas resulta em um grupo potencialmente “desequilibrador”. Isolados somos normais, equilibrados, mas juntos, temos a possibilidade de nos “desequilibrarmos” e de “desequilibrar”. (SUGAHARA, 2005, p.15).

Com o objetivo de subverter e desequilibrar artista e espectador através do teatro, Os dezequilibrados estreou em 1998 sua primeira montagem – Uma Noite de Sade.63

Antes do início dos ensaios, os integrantes do grupo dedicaram-se à produção do espetáculo, buscando recursos financeiros para tornarem possível a realização do projeto de montagem.

A produção do espetáculo foi feita de modo tradicional. Antes do início dos ensaios, começamos a buscar patrocínio para a montagem. Junto à Secretaria Municipal de Cultura, obtivemos a quantia de dez mil reais, que foi acrescida por outros dez mil, investidos pelos integrantes da companhia. (SUGAHARA, 2005, p. 15-16).

Após o período de pré-produção, o grupo deu início a criação e ensaio da peça. O espetáculo foi baseado no gênero teatral francês Grand Guignol64 e na vida e obra do Marquês de Sade. O texto foi escrito coletivamente a partir de improvisações de situações e personagens do repertório do Grand Guignol, material depois selecionado e organizado por Ivan Sugahara e Bruce Gomlevsky para finalização da dramaturgia do espetáculo. Sugahara também assinou a direção do espetáculo. O período de ensaios durou cerca de seis meses. A estreia aconteceu em 4 de julho de 1998, no Teatro da Gávea (RJ), e permaneceu em cartaz por dois meses. “[...] apesar do planejamento e dos esforços de seus integrantes, que mesmo antes dos ensaios começarem já buscavam patrocínio, a encenação de Uma Noite de Sade teve vida curta”65, durou apenas os dois meses da temporada de estreia.

Abalados pelas críticas negativas, e descontentes com o resultado do espetáculo, os integrantes de Os dezequilibrados se desentenderam e resolveram desmanchar o grupo. Situação semelhante àquela vivida pela Vigor Mortis, em 199966, em que a má repercussão de um espetáculo acabou por desestruturar e provocar a primeira morte daquele grupo.

Mesmo com a separação dos integrantes e a diluição do grupo, Ivan Sugahara prosseguiu seus estudos teatrais. E em 1999, decidido a seguir a carreira de diretor, Sugahara parou de atuar e pediu transferência do curso de Interpretação para o curso de Teoria Teatral da UNIRIO. No mesmo ano a atriz Cristina Flôres convidou Ivan Sugahara para dirigi-la em um espetáculo. A seguir, cito uma fala de Sugahara em que ele narra este momento.

63 O espetáculo era encenado pelos integrantes da companhia e os atores convidados Aércio Blóris, Gabriela

Lírio e Gil Lopes.

64 Este mesmo gênero teatral também foi escolhido como objeto de estudo e criação artística da Cia Vigor Mortis, conforme descrevo anteriormente neste capítulo, p. 26.

65SUGAHARA, 2005:15-16. 66 Ver p.28.

[...] quando começamos a ensaiar Um quarto de Crime e Castigo, eu disse aos atores que não gostaria que nos preocupássemos com a produção, que devíamos nos concentrar no processo artístico. Depois que a peça estivesse pronta, pensaríamos em um modo de viabilizá-la. Assim, não quisemos desperdiçar energia nem mesmo com a procura de uma sala de ensaio. Por esse motivo, ensaiamos o espetáculo no apartamento em que os atores Lucas Gouvêa e Ângela Câmara então moravam. [...] Após seis meses de processo, o espetáculo estava pronto para estrear. No entanto, não tínhamos uma pauta em um teatro, nem dinheiro. Dessa forma, a solução encontrada foi apresentar o espetáculo no próprio apartamento em que tínhamos ensaiado. Tratava-se de uma solução provisória. A idéia inicial era começar a fazer a peça ali, como um aquecimento, e depois levá-la para um teatro assim que conseguíssemos uma pauta e um patrocínio. [...] Assim, no início de setembro de 1999, fizemos as primeiras apresentações da peça no apartamento, situado no bairro da Urca. A montagem era realizada em um dos quartos, que tinha apenas doze metros quadrados, e era apresentada para apenas quatro espectadores por sessão. Na primeira apresentação a Celina67 foi assistir e, dias depois, a procurei para saber a sua opinião. Ela então afirmou que “a melhor coisa da peça é que ela é dentro de um apartamento”. Nessa conversa, começou a se delinear a investigação espacial que viria a nortear o trabalho da companhia Os dezequilibrados. (SUGAHARA, 2005, p. 28-29).

A fala de Sugahara reflete o receio gerado no jovem diretor com a desestruturação do grupo anterior, e demonstra o cuidado que ele teve em escolher outros caminhos para reiniciar um trabalho em grupo. Com a nova montagem, Sugahara faz questão de concentrar todas as atenções no processo de criação artística, deixando de (pré)ocupar-se com a circulação e produção do espetáculo. Um Quarto de Crime e Castigo68 estreou em 1999, marcando o segundo nascimento de Os dezequilibrados.

O novo espetáculo era uma adaptação de Ivan Sugahara e Cristina Flores para o romance Crime e Castigo, de Fiodor Dostoievski. Além de Ivan Sugahara e Cristina Flores, mais três atores foram convidados a participarem da montagem. Dentre estes estava a atriz Ângela Câmara, que também fez a assistência de direção do espetáculo. Ângela Câmara, Ivan Sugahara e Cristina Flores compuseram o cerne da segunda formação de Os dezequilibrados e permanecem no grupo até hoje.

Logo após a retomada das atividades artísticas, o grupo recebeu um convite do Serviço Social do Comércio - SESC, para participar do projeto Palco Giratório e realizar o que veio a

67 Celina Sodré era professora de Sugahara na CAL e diretora teatral. Com o rompimento do grupo Sugahara

procurou estreitar as relações artísticas com a professora desempenhando a função de assistente de Celina Sodré nas aulas da universidade e em cursos particulares.

ser a primeira turnê nacional do grupo. Mas, para a contratação do grupo ser efetivada, era necessário que Os dezequilibrados tivesse um registro de pessoa jurídica. E assim, surgiu a Mameluco Produções Artísticas Ltda., razão social que anos mais tarde foi alterada para Pinheiro Reis Produções Artísticas Ltda., pois havia outra empresa com o mesmo registro. O nome, Os dezequilibrados, foi registrado como nome fantasia da empresa. “Pensamos em adotá-lo como nome da empresa, mas chegamos a conclusão de que não seria ideal uma vez que a empresa também é usada para projetos que não são do grupo”.69

Junto com o renascimento do grupo teve início também a construção de uma linguagem particular. O objetivo primeiro era revitalizar a relação entre ator e espectador por meio da utilização de espaços não convencionais ou subvertendo o uso do espaço italiano. A partir de então, espaços como: cinemas, boates, casa, apartamentos, centros culturais, teatros, entre outros, foram transformados pelo grupo em espaços cênicos que incluíam o espectador no espetáculo.

Apesar do espetáculo Uma Noite de Sade ter marcado a desarticulação e morte da primeira formação de Os dezequilibrados, foi em seu processo de montagem que o grupo iniciou sua investigação espacial com o intuito de aproximar o público da cena. Objetivo este que foi retomado e reafirmado em todos os espetáculos do grupo, a partir do seu segundo nascimento. O grupo passou a explorar a ocupação de espaços não convencionais e a adotar trajetos de itinerância como modo de alterar a relação entre ator e público. Com o decorrer dos anos, o que era um desejo inicial de subverter a relação frontal entre palco e platéia tornou-se uma das bases estéticas do grupo.

Em sua trajetória, o grupo vem priorizando essa pesquisa, utilizando procedimentos como a itinerância e a proximidade, para alterar a tradicional disposição frontal palco/platéia e experimentar novas possibilidades de relação com o público teatral.

Esses recursos têm o objetivo de potencializar a comunicação entre os atores e os espectadores e, mais do que isso, de fomentar a interação com o público, deslocando-o de uma posição meramente observadora, exterior ao espetáculo, para uma outra em que ele se integra à cena, em que ele está dentro do espetáculo e, em alguma medida, faz parte dele. (SUGAHARA, 2005, p. 10).

De acordo com o ator José Karini70, apesar do segundo nascimento de Os dezequilibrados ter acontecido em 1999, foi em 2002, com a montagem de A Vida é um

69 SUGAHARA, in: Entrevista Coletiva Os dezequilibrados, 2008. 70 Entrevista coletiva com o grupo Os Dezequilibrados (2008).

Filme, que o grupo teve sua base consolidada. A Vida é um Filme “é um espetáculo que até hoje diz muito do discurso do grupo71. Na época, participavam do núcleo artístico cinco atores – Ângela Câmara, Cristina Flores, José Karini, Saulo Rodrigues e Letícia Isnard; Ivan Sugahara, como diretor; Daniela Pereira de Carvalho, como dramaturga; e Tomás Ribas, como iluminador. A Vida é um Filme marcou também o início da parceria com Daniela Carvalho, parceria que gerou ainda outros seis espetáculos – Combinado, Cena do Crime, (How to Play) The Love Games e Assassinato em Série, em 2003; Dilacerado, em 2004; e Lady Lázaro, em 2005. O último espetáculo em que Tomás Ribas trabalhou junto com o grupo foi Dilacerado. Ou seja, a parceria com Ribas durou um ano a menos que a parceria com Daniela Carvalho. Esta série de trabalhos desde A Vida é um Filme (2002) até Lady Lázaro (2005) ajudou a lapidar e firmar o modo de trabalho do grupo, que até hoje baseia-se em processos colaborativos, na abordagem de histórias que discutem a relação entre ficção e realidade, e na utilização de espaços não convencionais ou na subversão de edifícios teatrais com o objetivo de potencializar a relação entre ator e espectador.

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