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4.1 PARA ENTENDER A NOÇÃO DE DESENVOLVIMENTO

4.1.4 O desenvolvimento e a questão territorial

O fracasso das práticas liberais das últimas décadas fez surgir, talvez, no espaço dos debates públicos e das ciências, a busca por um discurso articulado entre desenvolvimento e a questão regional/territorial36. Isso se dá num contexto de globalização e dos impactos da má atuação

36 O autor Rogério Haesbaert (2005) afirma que os termos “território” e “região” são conceitualmente próximos,

dos instrumentos de intervenção e compreensão sobre as diferentes dimensões humanas da ação social (sociedade, cultura, meio ambiente, política, economia etc), caracterizando-se como a frustração da modernidade (RIBEIRO, 2009). As lacunas da teoria cepalina, a crise mundial do petróleo das últimas décadas e a crescente presença da globalização nas relações internacionais forçaram o Brasil a reestruturar profundamente a condução governamental do país no âmbito internacional. A gradual complexidade da geopolítica mundial fomentou a necessidade de rever os paradigmas institucionais da atuação política, situando os territórios como o lócus da concretização da ação estatal (RÜCKERT, 2005). Dessa forma, todas as urgências sociais passaram a demandar dos policy makers uma nova “mirada” para os espaços onde as relações sociais, culturais, políticas e econômicas se materializam. Daí a importância dos territórios para o desenvolvimento, tal como argumentado por Ribeiro (2009) e por Fischer e Melo (2004) indicam que um território é um campo de atuação dos grupos sociais (e do capital social, por conseguinte) na articulação em torno de diferentes interesses:

Sob a influência do conjunto das ciências sociais, o território passa da situação de uma descrição de uma malha espacial (no sentido jurídico-administrativo) para o estatuto de conceito que busca dar conta da complexidade da realidade e das construções sócio-econômicas inseridas em um espaço físico (RIBEIRO, 2009, p.26).

O território é um campo de forças, ou seja, de exercício de poderes em diferentes escalas que vão do micro-local ao global. Refere-se a um âmbito espacial limitado – um bairro, um município, uma região – podendo ainda ser indicado por outras designações que sugerem uma certa inércia, estabilidade e relativa ordenação. Ao se definir um contorno territorial, pressupõe-se um agenciamento estratégico neste recorte. Ou seja, território é concretude e forma, mas também indica movimento e interação de grupos sociais que se articulam e se opõem em torno de interesses comuns (grifo nosso) (FISCHER; MELO, 2004, p. 14, grifo nosso).

Entretanto, sobre o conceito de território recai a mesma polissemia do entendimento sobre o desenvolvimento, diante da complexidade da realidade regional apontada por Ribeiro (2009). Para a Administração (e outras ciências sociais aplicadas), em contrapartida, também há a qualificação da palavra território, imprimindo-lhe uma acepção muito mais ampla. Para além das condições físicas, outros elementos adquirem igual relevância, como as características

como sinônimos. Para Patrício (2012, p.72), a “regionalização aparece como uma forma de responder à globalização e à nova ordem mundial [...] como um instrumento de cooperação económica e política para enfrentar o fenómeno da globalização, considerando que, através do desenvolvimento intra-regional, os Estados [...] serão capazes de enfrentar os desafios do mundo globalizado e da mundialização do capital” (grifo nosso).

Para este estudo, a questão regional do desenvolvimento necessariamente abordará a perspectiva territorial, ainda que, para alguns autores, exista uma divergência entre os dois conceitos.

sociais, culturais, econômicas e político-institucionais (SAQUET, 2014). Ao tempo em que se permite a multifacetada compreensão do conceito, admite-se a possibilidade da existência de variados territórios dentro e fora deles. Isso é crível pelo caráter dinâmico que os diferentes componentes territoriais (terra, povo, cultura, economia etc.) possuem e a capacidade de se integrar na criação de outros territórios. O determinante é o posicionamento paradigmático que se utiliza para a compreensão da unidade territorial explicado por Solinís (2009).

Uma primeira aproximação em profundidade ao território nos impõe recorrer à ideia de um espaço atravessado por laços, vínculos e relações imateriais, mais que um simples espaço ocupado por grupos humanos. Provavelmente por isso alguns geógrafos o definem de maneira antropológica, como o resultado de um espaço construído com o tecido inextricável de experiências e significações, incorporando códigos, práticas e representações. Esta composição abstrata se contrapõe à materialidade do território em seu sentido banal e seguramente sua surpreendente natureza intangível é uma das razões pelas quais sua percepção e definição são vagas e estão cheias de lugares comuns. O território é assim usado indistintamente ao lado de região, de “cidade”, “âmbito”, “dimensão” etc. Isso tudo muito embora se diga, ao mesmo tempo, que existem estreitas relações entre povos e territórios, que estas estreitas relações reforçam o sentido de pertinência cultural, que preexistem a qualquer forma jurídico-institucional da sociedade... (SOLINÍS, 2009, p. 266).

Milton Santos (1926-2001), um dos autores mais dedicados ao estudo sobre território, faz menção à modernidade do termo, o que ele chama de “o retorno do território” (SANTOS, 2005). Para o autor, a atualidade do debate sobre a questão territorial recai na múltipla utilidade da expressão, que assume um amplo espectro de significados, num momento em a ciência, a tecnologia e a informação ampliaram a compreensão humana sobre o que é a realidade. “É a partir dessa realidade que encontramos no território, hoje novos recortes, além da velha categoria região; e isso é um resultado da nova construção do espaço e do novo funcionamento do território” (SANTOS, 2005, p. 256).

Para Hissa (2009), os territórios podem ser vistos como componentes de um organismo ainda maior, independentemente da posição geográfica-espacial que ocupem. São as chamadas “partes do corpo do mundo”. O corpo do mundo é construído não por partes complementares, mas sim integrativas entre si. Assim, o território pode ser compreendido como um espaço social de diálogos possíveis e imprescindíveis para a transformação do mundo através de uma abordagem transdisciplinar. “O território é, portanto, um corpo social também aberto, feito do corpo do mundo, que se manifesta através de uma diversidade de formas, inclusive físicas” (HISSA, 2009, p. 76). Milton Santos (2005) também realiza uma incursão em direção à composição de um território a partir de múltiplas e diversas partes:

O território, hoje, pode ser formado de lugares contíguos e de lugares em rede: São, todavia, os mesmos lugares que formam redes e que formam o espaço banal. São os mesmos lugares, os mesmos pontos, mas contendo simultaneamente funcionalidades diferentes, quiçá divergentes ou opostas. Esse acontecer simultâneo, tornado possível graças aos milagres da ciência, cria novas solidariedades: a possibilidade de um acontecer solidário, malgrado todas as formas de diferença, entre pessoas, entre lugares (SANTOS, 2005, p. 256).

Entretanto, essa diversidade conceitual pode introduzir um questionamento sobre o elo entre os elementos de um território: qual seria o amálgama entre cada uma das suas partes? Uma resposta plausível é a existência de um poder político – legalmente ou informalmente – constituído. É dele, por exemplo, que emanam as prerrogativas de atuação com vistas ao planejamento do ordenamento territorial. A ação do Estado, em outras palavras, se concretiza quando são formuladas e executadas políticas públicas ensejadas nas necessidades nacionais. A partir daí a ordenação territorial nasce da coordenação dos fluxos e repartição do poder (COSTA, 2005).

No entendimento de Haesbaert (2007), há um movimento decorrente da fluidez das partes de um território: o fenômeno da desterritorialização. Por ela, entende-se que a ruptura entre o fim da modernidade e o início da pós-modernidade37 nos anos 1980 fez a compreensão sobre o que é território ser fundamentalmente modificada, cabendo, desde então, uma crescente gama de interpretações sobre o que o conceito contempla. Ou seja, o que havia sido sedimentado sobre a perspectiva do tempo e do espaço parece ter sido redefinido em sua essência. Os elementos constitutivos de um território adquiriram, a partir de então, uma capacidade de integração e formação de outros “corpos” sem sua descaracterização.

Em adição, a pós-modernidade territorial trouxe à baila outro acontecimento: a multiterritorialidade. Por esse conceito, assume-se a existência crescente do número de territórios justapostos e seus elementos, não-excludentes entre si. Em consequência, são aparentes os territórios-rede, que se relacionam em função de suas necessidades, ora “sobrepostos e descontínuos”, ora “exclusivistas e contínuos”. Em outras palavras, confirma-se

37 É utilizado o termo pós-modernidade aqui neste ponto do estudo por fazer justa menção ao trabalho referenciado

de Haesbaert (2007). Mas Giddens (1991), em sua obra apresentada no Item 4.1.1, argumenta, por outro lado, que a pós-modernidade ainda não está em vigor, como apregoam alguns estudiosos. Para ele, o que se chama de pós- moderno na verdade é resultado da própria modernidade. Ou seja, são os efeitos da modernidade que inadvertidamente são considerados pós-modernos. Assim, para manter a riqueza do debate teórico trazida pelos autores, e a polissemia do termo nas diferentes abordagens das ciências sociais, será considerada a contribuição conceitual de ambos.

a condição qualitativa do termo território na atualidade, capaz de absorver cada vez mais identidades múltiplas não-exclusivas. Isto é:

Multiterritorialidade (ou multiterritorialização, caso se queira destacá-la como movimento, ação ou processo) implica assim a possibilidade de acessar ou conectar, num mesmo local e ao mesmo tempo, diversos territórios, o que pode se dar tanto por uma “mobilidade concreta”, no sentido de um deslocamento físico, quanto “informacional”, no sentido de acionar diferentes territorialidades mesmo sem deslocamento físico, como em algumas experiências proporcionadas através do chamado ciberespaço (HAESBAERT, 2005, p. 22).

Sob esse entendimento, Haesbaert (2009) enumera diferentes abordagens multi ou transdisciplinares para território. Do ponto de vista funcional, um território pode ser compreendido ora pelo viés político ora pelo olhar econômico (ou com a junção dos dois termos); e pela ótica integradora, o simbolismo e a identidade são as definições mais pujantes. Alain Musset (2009) faz uma importante consideração sobre a construção teórico-ideológica sobre territórios e, portanto, simbólica, identitária e integradora das dicotomias oriundas das próprias construções teóricas sobre os processos de desenvolvimento e subdesenvolvimento em todo o mundo. É o que ele define como sendo o espaço como uma “alegoria das relações de poder”, embasada fortemente em aspectos econômicos de riqueza e pobreza das nações, aspectos estes postos em evidência após a Segunda Grande Guerra. Daí surgiram as construções binárias de “metrópole-colônia”, trazendo o aspecto de subserviência e exploração; “centro- periferia”, muito constante no discurso cepalino da estruturação produtiva dos países da América Latina; e “norte-sul”, uma construção criada para “opor de maneira abusiva as antigas potências coloniais situadas na zona temperada do hemisfério Norte aos países colonizados da zona intertropical” (MUSSET, 2009, p. 106).

Pela abordagem funcional, a visão político-econômica de território é marcada pelas contribuições de diversos autores. Um deles é Carlos Brandão (2009), que aborda a economia política no processo histórico de constituição do capitalismo e suas relações de tempo e espaço nos territórios. Em adição, a geografia crítica tem estabelecido um debate profícuo sobre a relação entre território e desenvolvimento, com ênfase às análises sobre a condição do território como um ambiente politizado, fruto de relações sociais e de conflitos humanos. Essa construção, por sua vez, tornou-se o objeto da escala espacial de Brandão (2009), que serve para prover:

Robustos elementos para se analisar a ação de sujeitos sociopolíticos, porém não apenas enquanto suporte de dada estrutura. As estruturas e os sujeitos são processos histórica e geograficamente determinados e mediados. É preciso avançar na análise das interações de decisão que traduzem (com complexas mediações), mas também metamorfoseiam/renovam as estruturas. (...) A escala demarca o campo das lutas sociais, dá concretude a bandeiras e ações políticas, delimita e cria ancoragem identitária, a partir da qual se logra erguer/estruturar um contencioso em relação a imposições (por vezes ameaçadoras) provenientes de outras escalas, ou da mesma (BRANDÃO, 2009, p.170-171).

Do ponto de vista político-institucional, com ênfase à gestão pública, Ribeiro e Loiola (2009) apresentam um debate para além da industrialização e da modernização, afastando-se de uma conceituação linear de desenvolvimento e de território. Para as autoras, o desenvolvimento é um fenômeno complexo para além da dimensão econômica. As questões integradoras (simbólicas e de identidade) permeiam firmemente os aspectos que pousam sobre o conhecimento e a aprendizagem, tal como se pode perceber pela presença do capital social e das instituições nos territórios, e da força político-institucional que se forma nesses espaços. O desenvolvimento territorial desponta, então, como uma nova forma de atuação nos espaços em prol dos territórios, com implicações para a concepção e implementação de novas políticas públicas. Nos últimos anos, o Brasil assumiu, oficialmente, a multidimensionalidade desenvolvimentista e interministerial nas políticas públicas federais. Convêm destacar o Programa Territórios da Cidadania (PTC, criado no ano de 2008), voltado à garantia de direitos pétreos e acesso ao trabalho, renda, cidadania e incentivo às práticas sustentáveis de utilização dos recursos naturais; ademais, enfatiza o reforço à atuação das instituições públicas e da sociedade civil, enquanto dimensão político-institucional. É no momento mais recente da história brasileira que encontramos nos discursos oficiais da Administração Pública o emprego da expressão “desenvolvimento territorial” ou regional, a saber: a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) (instituída pelo Decreto n° 6.047, de 22 de fevereiro de 2007). O caput do art. 1° deste documento reza que o objetivo da medida é promover a “redução das desigualdades de nível de vida entre as regiões brasileiras e a promoção da eqüidade no acesso a oportunidades de desenvolvimento” (BRASIL, 2007). Além disso, esta política deve estar orientada na busca pela “inclusão social, de produtividade, sustentabilidade ambiental e competitividade econômica” (art. 2°, § único, BRASIL, 2007).

No bojo da atualidade do trato das questões territoriais no país, “novas institucionalidades territoriais” (PIRES, 2011) são necessárias no embate do modelo da bidimensionalidade do

desenvolvimento moderno, promovido pelo Estado e articulado com o mercado. Uma ação tripartite, com a presença da sociedade civil, transparece como a decisão capaz de revigorar as experiências da governança do desenvolvimento territorial do país, na medida em que traz à tona as necessidades e os anseios de outras “partes” do corpo dos territórios nacionais, em sua diversidade.

Como desdobramento desta argumentação, surge novamente a dimensão político-institucional como uma importante ferramenta analítica para uma reflexão e compreensão de como o fenômeno da expansão das universidades federais, adentrando inúmeros territórios regionais, se alinha com a perspectiva desenvolvimentista do Brasil em anteriores Governos, especialmente como fator de interiorização e integração do território nacional, ao mesmo tempo. A Região do Cariri cearense, para onde este estudo volta seu foco de investigação, despontou no cenário regional como um território exemplar a ser investigado, seja por suas inúmeras particularidades sociais, econômicas, e políticas historicamente caracterizadas, seja pela importância que o novo papel das instituições universitárias adquiriu para o desenvolvimento regional, inseridas em uma política nacional de desenvolvimento e integração nacional nos últimos trinta anos.