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O Desenvolvimento Económico e a Pluralidade das Regras Jurídicas em África

3.1 Introdução

Afirmar-se, hoje em dia que o pluralismo jurídico já não é uma exclusividade de África, mas sim transversal a todas as sociedades, obviamente, cada uma com a sua natureza especifica. No contexto africano, historicamente marcado pelo colonialismo a conceção dos direitos costumeiros não como ordem normativa, mas como imposição, tem vindo a criar um debate aceso sobre a qualidade da pluralidade das regras jurídicas em África e noutros cantos do mundo, questionando-se a sua

95 Cfr. Edmund Conway, 50 Ideias de Economia Que Precisa Mesmo de Saber, Tradução de Pedro Marcelo Curto, 1.ª edição, Publicações Don Quixote, Lisboa, abril de 2009, p. 104.

96 Idem, ibidem, p. 104. 97 Idem, p. 105.

87 legitimidade ou não no contributo e promoção da justiça entre os povos do continente.

Com a identificação de duas ordens jurídicas em África, o direito ocidental e o direito consuetudinário, surgiram os primeiros sinais de coabitação das duas sendo a última ordem não tutelada pelo Estado, mas sim pelas Autoridades tradicionais que emanam desde os seus antepassados. A história de África, bem como o contexto em que foram elaboradas as primeiras etnografias está presente na discussão presente sobre a pluralidade jurídica. O domínio colonial marcou profundamente a história de África não só ao transformar a realidade, mas também ao reproduzi-la de maneira diferente. O escritor e defensor da tradição oral africana HAMPÂTÉ BÂ, deixa- nos um legado na sua esplêndida frase a ideia de que: “Condenamo-nos a não compreender nada de África se a encaramos de um ponto de vista profano.” (HUGON, 2015: 45).

Analisando o direito costumeiro africano configuram-se, a prior, a ideia da tradição como conjunto de regras, normas, práticas e valores de antiguidade imemorial que foram preservados durante anos pelas sociedades africanas e que regulam as interações dos membros dessas sociedades (CHANDA, 2006: 49), versão deixada pelos colonizadores e que continua a ser contada tal como antes. Um dos principais exemplos é o que acontece com a ideia da não privatização da terra, concebida como parte do direito costumeiro. Num continente com uma diversidade de culturas, e de regras jurídicas a trajetória carateriza-se por uma interação de processos internos e externos verificando-se desempenhos híbridos nas regras e processos de legitimação.

3.2 A Pluralidade das Regras e das Normas Jurídicas em África

A descrição que acabamos de fazer, não seria possível sem a existência de um quadro instrumental regulatório da vida social através da aplicação de princípios de coercitividade bilateral com a designação de Direito. A diversidade de valores culturais, étnicos só podem se tornar compatíveis com a utilização de leis. A teia de normas de que o direito africano se pode valer, completamente dispersas tais como o direito consuetudinário, aquela cuja autoridade recai sobre as Autoridades tradicionais, os direitos da autodeterminação ou ainda aqueles impostos pelas

88 instituições económicas multilaterais, fazem parte do leque de formação institucional e jurídica em África.

Em África os direitos de posse consuetudinários muito particularmente da terra estão longe de se constituírem propriedade exclusiva, a relação com a terra continua sob uma base de partilha. Esta caracterização complexa de normas torna- os distintos dos direitos de propriedade modernos. Muitas comunidades africanas vivem aglomerados locais designadas de aldeias, as explorações dessas parcelas de terra encontram-se fundadas tradicionalmente em direitos fundiários e com responsabilidades coletivas. Verifica-se que em muitas sociedades os bens patrimoniais não são alienáveis, por exemplo o caso da terra que não pode ser adquirida por um particular como bem privado.

Como afirma Philippe Hugon98, “a política fundiária colonial instaurou a propriedade eminente do Estado mantendo, ao mesmo tempo a pluralidade de direitos de uso e raramente instaurou a propriedade privada da terra”. Hoje em dia, seguindo ainda a ideia do mesmo autor, “os conflitos fundiários encontram-se no centro das relações entre mais novos e mais velhos, autóctones, migrantes, jovens escolarizados, entre investidores estrangeiros que regatam terras ou assinam contratos de aluguer de longo prazo e camponeses ou criadores que dispõem de direitos de uso”99. A pluralidade dos referentes jurídicos e das legitimações conduz a conflitos entre os direitos de propriedade e os direitos possessivos.100

Em África as práticas fora da legalidade são o grande desafio a eliminar, justamente porque a ausência ou mesmo a fraqueza de um Estado de direito traduz- se pelo não respeito das normas contratuais e pela falta de punição dos culpados pelos tribunais competentes. Acrescidas a estas anomalias temos a pouca preparação dos juízes piorando o risco empresarial. Todos esses fenómenos fazem parte nas sociedades africanas em geral, juntadas na ausência de liberdade do sistema judicial, motivo para dizer que os costumes legitimados a escalas locais não estão em sintonia com escalas mais amplas.

98 Cfr. Philippe Hugon, Geopolítica de África, 3.ª edição, escolar editora, Lisboa, 2015, 62. 99 Idem, p. 62.

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3.3 A Relação Desenvolvimento Económico Poder, e as Regras Jurídicas

As grandes potências colocam o direito no centro da vida social. Sociedades com um potencial de desenvolvimento espetacular como os Estados Unidos da América, a Europa e da Ásia, a hegemonia atingida nestas regiões se deve ao enquadramento das normas e acima de tudo pela crença de que o desenvolvimento está associado a sistemas jurídicos eficientes, a existência de um Estado de direito, e da implementação de regras que evitem a prática da corrupção e ofereçam segurança aos seus agentes económicos. A internacionalização das normas sociais, ambientais, tornaram-se os principais fatores de proteção dos países ricos pelo seu poderio em termos de industrialização ameaçando os pequenos produtores africanos, que uma vez sujeitos ao cumprimento das convenções retarda a certo ponto o crescimento dos seus países. Esta situação levanta interrogações na aplicação das normas ambientais no caso de sociedades situadas em patamares de desenvolvimento amplamente diferentes correndo o risco de aumento das desigualdades internas se tivermos em linha de conta o cumprimento às regras, às normas ambientais e sociais e ao respeito pelo direito.

O campo de controversas entre as normas jurídicas e o desenvolvimento económico existem. Para os liberais, a atividade económica privada é criadora de iniciativas e de promoção económica ao assegurar os investimentos e a retribuição dos lucros. É a segurança das pessoas e dos bens que gera o desenvolvimento, e este por seu lado é garantido quando as inovações e o assumir de riscos são concretizados por um ambiente de estabilidade e de respeito às transações. Os sistemas jurídicos devem ser imparciais, sem o favorecimento de algumas grandes empresas em detrimento da maioria das pequenas empresas como se passa com os direitos de propriedade privada

É bem verdade que entre a taxa de crescimento económico, as normas jurídicas e a boa governança não exista relação factual significativa, porém, importa distinguir os aspetos normativos e éticos do Estado de direito e da democracia dos aspetos da existência de capitalismo dinâmico sem Estado de direito, como é o caso da China101. Com razão, como diz o académico Eduardo P. Ferreira, (…) o apoio ao

90 desenvolvimento mais não representava do que a concretização de um imperativo ético que recai sobre os Estados que se encontrem em posição comparativamente mais favorável. (FERREIRA, 2004: 110).

Existem em contrapartida limiares para lá dos quais o Estado102 de direito está em sintonia com o nível de desenvolvimento. As normas atuam como incitadoras e podem desta forma favorecer a inovação. Em África, a fixação de direitos de propriedade privada fundiária onde supostamente encontram segurança os que a exploram, leva por vezes aos conflitos fundiários, à exclusão de migrantes, e a instabilidades económicas que criam letargias ao desenvolvimento económico. Só uma boa combinação entre as regras de uso dos recursos, a intensidade produtiva, as economias de escala de algumas atividades, podem levar a eficiência dos direitos de propriedade

A efetividade do direito depende de um nível de desenvolvimento económico, que torne possível a aplicação dos direitos. Nos casos de ineficácia do Estado de direito, as normas exercidas pelas Autoridades tradicionais substituem o direito positivo, desempenhando um papel eficaz de regulação de conflitos em África.

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Parte III - A Marcha do Desenvolvimento Económico em África - Realizações e