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O DIAMANTE E O JACINTO METAMORFOSE - VII

1. Entre as ásperas serras, que rodeiam

2. O Cerro, que do frio o nome toma,

3. Arapira nasceu, Ninfa a mais bela,

4. Que viram em primeiros seu seio aquelas selvas.

5. Desde os anos costumada

6. A montear as feras pelas brenhas,

7. Tal dureza no peito contraíra,

8. Que a mais gente intratável, só nos montes,

9. Só nos bosques vivia. A morte e o sangue

10. Das feras, que seguia sem descanso,

11. Eram só seu prazer, suas delícias

12. Com ódio e com espanto olhava os homens;

13. E o falar-lhe em amor era delito,

14. Que jamais perdoava. Mil amantes

15. Fizeram por seu mal esta experiência.

16. Mas Itaubí que um dia acaso a vira

17. Seguindo denodada um feroz tigre;

18. E que ao vê-la, sentiu passar-lhe o peito

19. De Amor a aguda seta; nem por isso

20. De abrandá-la perdeu as esperanças.

21. Era Itaubí de todos conhecido

22. Pelo moço mais belo do contorno,

23. E juntamente pelo mais manhoso.

24. Na flor da idade estava, pois apenas

25. A barba lhe apontava em seu semblante

26. Uma gentil fereza se lhe via,

27. Que amável o fazia e respeitado.

28. Da fortuna gozava em larga cópia

29. Os bens, que muitas vezes seu capricho

30. Às cegas, e com larga mão reparte.

31. Unidos em si tendo desta sorte

32. Da natureza os bens e os da fortuna,

33. Por esposo em extremo cobiçado

34. De muitas Ninfas era; mas seu livre

35. E altivo coração todas enjeita.

36. Até por mofina de Arapira

37. Viu a rara beleza. Então sua alma

38. De amor a conhecer entre o veneno,

39. Que calando-lhe as veias, pouco a pouco

40. As entranhas lhe abrasa e lhe consume.

41. Desde aqui a seguir a esquiva Ninfa

42. Impaciente começa; ante seus olhos

43. Em as selvas mil vezes se apresenta,

44. Mil vezes seu amor entra a pintar-lhe;

45. Mas a Ninfa cruel lhe atalha às vezes,

46. Fugindo mais veloz, que veloz nuvem,

47. Pelo Noro nos ares açoitada

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.

48. Em vão lhe brada o triste, em vão a chama,

49. Em vão chora e suspira, que a seus prantos

50. Só respondem as selvas circunstantes.

51. Para abrandar enfim seu duro peito

52. Ricos presentes sem cessar lhe envia:

53. Arapira porém que em mais estima

54. De um morto tigre a mosqueada pele.

55. Que do moço infeliz toda a riqueza,

56. Como suas palavras, igualmente

57. As suas ricas dádivas despreza.

58. Vendo o triste Itaubí, que seus suspiros,

59. Seus rogos, e seus dons nada aproveitam

60. Para o peito amolgar de fera moça,

61. Tomar outra vereda determina.

62. Um dia, pois que a topa na floresta,

63. A seus pés se lançou, e a persuadi-la

64. Com brandos rogos entra, que piedade

65. De seu tormento sinta: mas apenas

66. A falar começou, a crua Ninfa

67. As costas lhe volveu, como costuma.

68. Itaubí sem acordo a foi seguindo:

69. O que vendo Arapira, pelo campo

70. A fugir começou mais levemente

71. Que fugaz cervo dos lebréus

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seguido.

72. Corre Itaubí após ela ligeiro,

73. E enquanto corre, vós erguidos montes.

74. Dizei as ternas queixas, que lhe ouvistes!

75. Ah Ninfa! de quem foges? por ventura

76. Sou um Tigre feroz? sou brava Onça,

77. Que a fartar em teu sangue a sede corra e

78. Quem te adora não sou, e quem daria

79. Por piedosa te ver contente a vida?

80. Os suspiros, que em vão me saem do peito,

81. E que há tanto exalar, cruel me escutas,

82. O pranto, que após ti meus olhos vertem,

83. (Ah que eles uma rocha abrandariam!)

84. Não são de um puro amor prova constante,

85. Não bastam a abrandar teu duro peito?

86. Ah cruel! que de algum duro penedo

87. Ou carniceiro tigre certamente

88. Gerada foste, e não de sangue humano.

89. Para, fragueira Ninfa! A não ofendam

90. Teus delicados pés as duras pedras!

91. Pára, amada Itaubira! olha que pode

92. Entre a relva jazer oculta cobra!

93. Estas e outras palavras semelhantes,

94. Seguindo a esquiva moça, ao vento espalha

22 No contexto, quer dizer um vento vindo da latitude noroeste, geralmente forte.

95. O mesquinho Itaubí, enquanto a mesma,

96. Sem descansar movendo as leves plantas,

97. Já quase que a seus olhos se escondia.

98. Então com mais fervor Itaubí corre,

99. Amor para seu mal lhe empresta as asas;

100. Pois em espaço breve a Ninfa alcança.

101. Já de Itaubí a sombra sobre a terra,

102. Pelo Sol que nas costas os feria,

103. Estendida, antes seus ligeiros passos

104. Arapira assombrada correr via;

105. E já seu bocejar de quando em quando

106. Levemente os cabelos lhe encrespava,

107. Quando a Ninfa cruel entre si vendo,

108. Que escapar do insofrido cego amante

109. Aos furiosos desejos não podia;

110. De repente se volta, e com a seta,

111. Que levava na mão, lhe crava o peito.

112. Cai o moço infeliz na dura terra.

113. E vendo a fria morte já vizinha,

114. Em pó, em sangue envolto, estas extremas

115. Palavras arrancou do fundo d’alma;

116. Já, cruel Arapira, a tua sanha

117. Satisfeita está; vem, a sede apaga,

118. Que o coração te abrasa, de meu sangue

119. Na copiosa corrente. Eu morro, e morro

120. Em parte satisfeito; porque creio,

121. Que só morrendo posso contentar-te.

122. Mas já sinto que a vista me turba,

123. Densa treva me esconde à luz do dia,

124. As vozes se me prendem na garganta

125. Já sinto... e aqui dando um grande arranco,

126. O derradeiro alento o triste exala.

127. Amor! cruel Amor! quem teus arcanos,

128. Penetrar poderá? quem tuas obras?

129. Arapira, essa mesma, que tirana

130. Vivo tanto Itaubí aborrecera,

131. Que com as próprias mãos lhe deu a morte;

132. Apenas o viu morto, derreter-se

133. Com amor e compaixão sua alma sente

134. Sobre ele se lançou; com terno pranto

135. A ferida lhe banha e o frio rosto:

136. Por ele uma e outra vez, mas em vão, chama.

137. De cem fúrias então toda agitada,

138. Depois do arco quebrar e as duras setas,

139. A si própria se torna, e delirante

140. Os cabelos arranca, o peito fere,

141. E contra os Céus exclama: finalmente

142. Arrancando do peito ao terno amante

143. A seta, que ela mesma lhe cravara,

144. No próprio coração toda a enterra,

145. E junto ao triste amante exala a vida.

146. Amor então, mas tarde, condoído

147. Do desastrado fim dos dois amantes,

148. E por memória eterna deste caso,

149. Ambos convertem em preciosas pedras:

150. Arapira em diamante, que em dureza

151. E em se abrandar com sangue ainda mostra

152. E Itaubí em Jacinto; cujo nome

153. Da voz final tomou, que o triste moço

154. Ao finar-se exalou; gema, que ostenta

155. No amarelo e sanguíneo a cor e o sangue,

156. Que ao fugir-lhe o espírito, o cobria.

157. Belíssima Melissa, tu que o colo

158. E torneados braços adereças

159. Destas brilhantes pedras, que desprezas

160. Os ternos corações, que mil amantes

161. Suspirando te ofertam: considera

162. Que Arapira, qual tu, foi Ninfa bela,

163. E que seu coração a Amor esquivo

164. A tornou nessas gemas, que em ti brilham;

165. Tarde de não amar arrependida.

A ROSA DO MATO