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2.2 As ciências do léxico e o dicionário

2.2.2 Lexicografia e Lexicografia Pedagógica

2.2.2.3 O dicionário e a produção de sentidos

A História das Ideias Linguísticas permite estudar o saber construído em torno de uma língua em um determinado momento, produto de uma atividade metalinguística, seja ela explícita ou não.

Fazer história das ideias nos permite: de um lado, trabalhar com a história do pensamento sobre a linguagem no Brasil, mesmo antes da Linguística se instalar em sua forma definida; de outro, podemos trabalhar a especificidade de um olhar interno à ciência da linguagem, tomando posição a partir de nossos compromissos, nossa posição de estudiosos especialistas em linguagem (ORLANDI, 2001, p.1).

A História das Ideias Linguísticas verifica o processo da História e da Linguística como um todo: tempo, espaço e pensamento. Discute como o saber linguístico é criado, difundido, representado e interpretado em um determinado espaço de tempo por meio do olhar do pesquisador (SAPATERRA, 2007).

Em História das Ideias Linguísticas (HIL), os instrumentos linguísticos são vistos como um saber que funciona na aquisição dos domínios da escrita, da língua e da enunciação. Assim, o dicionário ocupa lugar importante na história das ciências e compreender sua historicidade significa considerar sua existência no tempo e no espaço (BRESSANIN, 2009).

Logo, compreender o dicionário em sua singularidade histórica é ponderar que um dicionário “nunca é completo e nem reflete diretamente a realidade, pois ele corresponde a uma projeção imaginária do real: de um público leitor, de uma concepção de língua e de sociedade” (NUNES, 2006, p.20).

Isso é fundamental para o entendimento da constituição histórica do sentido da metalinguagem, ao relacionar seu nascimento ao surgimento da escrita e não ao surgimento da linguística, no séc. XIX. Entende-se que estudar as ideias sobre a linguagem significa compreender o modo como os saberes sobre a linguagem são construídos, recuperando o processo pelo qual a história é contada. Significa compreender que o nascimento e o desenvolvimento da metalinguagem não são decisões da ciência, mas um processo, que implica trocas constantes entre o saber instituído e o novo (AUROUX, 1992).

Auroux (1992) completa que todo saber deve ser um produto histórico, resultado de interações das tradições e do contexto. Em síntese, a História das

Ideias Linguísticas possibilita tomar os instrumentos linguísticos como um processo constituído pela relação indissociável entre a história, a ideologia e o político.

Desse modo, compreende-se que o dicionário ocupa lugar relevante como objeto de estudo da História das Ideias Linguísticas, uma vez que dentre tantas características, este possibilita também “observar os modos de dizer de uma sociedade e os discursos em circulação em certas conjunturas históricas” (NUNES, 2006, p. 11). Apresenta que “as significações não são aquelas que se singularizam em um texto tomado isoladamente, mas sim as que se sedimentam e que apresentam traços significativos de uma época” (idem, p. 11), ou seja, o dicionário não é somente lugar de consulta, de certeza, ele faz parte de uma historicidade, de uma época e é, portanto, “lugar de observação do léxico” (NUNES, 2001, p.101).

Assim, tem-se o dicionário como um objeto discursivo, em que “se questionam as evidências dos sentidos para mostrar seus processos históricos de constituição” (NUNES, 2006, p. 11). Isso significa não considerar somente a certeza e deixar lugar para a compreensão. Para isso, a História das Ideias Linguísticas e a Análise de Discurso, segundo Nunes (2006, p.13), “trazem condições metodológicas para se ler com outros olhos esses objetos”, trazem os dicionários como “lugares de descrição das línguas, tendo um papel fundamental na reprodução, transformação e circulação dos discursos em uma sociedade” (idem, p.13). Pois, o dicionário não pode ser tomado somente como um espaço da certeza, no qual não cabe a dúvida, e no qual os sentidos estão prontos.

Com o intuito de retirar do estatuto de subutilização dos dicionários, que propomos desconstruir a imagem de “lugar de interdito da dúvida”, ao qual o dicionário é vinculado, já que não se pode tomá-lo apenas como objeto de consulta da ortografia, pois isso seria reproduzir uma estrutura sem refletir sobre a língua ali veiculada (PETRI, 2010, p. 19).

A leitura do dicionário deve ser realizada não em vista do que ele deva ser, de um modelo ideal, um lugar de certeza, mas em vista do que ele é, em sua singularidade histórica, produzindo sentidos. Para tanto, a articulação entre História das Ideias Linguísticas e Análise de Discurso permite abordar o dicionário levando em conta a historicidade dos sentidos e dos saberes linguísticos. O dicionário é um espaço de circulação de saberes, mantendo e atualizando sentidos, permitindo construir a relação entre língua e saber linguístico (BRANCO, 2011).

A exemplo tem-se a análise de um verbete, em que se deve questionar a transparência dos sentidos, e procurar compreender a relação desse verbete com a sociedade e a história, conforme afirma Nunes (2006). Essa historicidade está marcada na forma material dos verbetes, na indicação das fontes, nas definições. Também, de acordo com Nunes (2006), estudam-se as paráfrases de um verbete em relação a outro, a constituição de um discurso levando em consideração a estruturação e a textualidade de seus subdomínios (nomenclatura, definição, etimologia, marcação, contextualização).

Os dicionários são instrumentos linguísticos que trazem a história da língua, das ideologias, dos sujeitos, e que nos seus domínios (o prefácio ou verbete) emerge o discurso, as tomadas de posição dos sujeitos e as relações entre dicionaristas e leitores dos dicionários (BRANCO, 2011). Pois, conforme Petri (2010, p. 24), “já não se pode mais aceitar o dicionário como um lugar que abarca verdades absolutas, é preciso pensar que a língua está viva, em constante movimento e nem tudo é apreendido pelo sujeito, muito menos estará no dicionário”.

O dicionário é um espaço de circulação de saberes, mantendo e atualizando sentidos, permitindo construir a relação entre língua e saber linguístico. E os “sentidos que estão dentro e fora do dicionário” (PETRI, 2010, p.25). A língua não está pronta, completa, apenas porque está no dicionário, ela se movimenta também neste espaço.

Em síntese, o dicionário, com seu conjunto de informações linguísticas, históricas e enciclopédicas compõe um texto de caráter didático de grande valia ao aprendizado de línguas, devendo ser explorado em aulas de Língua Portuguesa.