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CAPÍTULO 2 INTERVENÇÕES DO ESTADO NA FAMÍLIA: AS CONTRADIÇÕES

2.3 O direito à convivência familiar e comunitária: avanços legislativos

No Brasil, em 1923, através de um decreto presidencial, o juiz Mello Mattos foi nomeado como Juiz de Menores na administração da justiça do Distrito Federal. Os esforços deste juiz originaram o I Código de Menores de 1927, composto por 231 artigos baseados nos princípios de tutela, guarda, vigilância, educação, preservação e reforma, conforme os estudos de Rizzini (apud SOUZA, 1998, p. 44), consistindo em uma lei extremamente intrusiva na vida dos jovens e seus familiares.

Em 1979, criou-se o novo Código de Menores, caracterizando a “doutrina da situação irregular”, considerando menores aqueles que não possuíam condições de subsistência, saúde e instrução. O Juiz de Menores, representante do Estado, era o responsável por decidir o que fazer com o menor: propiciar-lhe assistência, proteção ou vigilância. Essas leis eram reflexos de uma sociedade baseada na repressão e na ditadura.

Com a redemocratização do País na década de 1980, alguns grupos da sociedade civil organizada (Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, Pastoral do Menor, Comissão Nacional da Criança e Constituinte, dentre outros) se mobilizam para incluir o artigo 227 na CF de 1988, que impulsionou, em 1990, a

regulamentação dos direitos e deveres infanto-juvenis, com foco na ação pedagógica e princípio de liberdade, reconhecendo crianças e adolescentes enquanto sujeitos de direitos juridicamente protegidos.

O ECA foi inovador para a nossa sociedade recentemente redemocratizada, pois “[...] a constituição de conselhos de direitos e tutelares desloca as funções tradicionalmente desempenhadas e propõe-se a retirar o protagonismo do judiciário do papel de ator principal, na definição de destinos.” (SOUZA, 1998, p. 45).

Dentre os diversos direitos positivados no ECA, o que é o foco dessa dissertação é o direito à convivência familiar e comunitária, que teve como marco legal internacional a Declaração dos Direitos da Criança (1959) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).

Esse direito também está expresso na Carta Magna (1988), no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e na Lei 12.010/09 – equivocadamente conhecida como Nova Lei de Adoção e demais legislações, as quais estabelecem que a família é o lócus indispensável para o desenvolvimento e proteção integral de seus filhos.

O direito à convivência familiar e comunitária é um direito que está explícito na Carta Magna, no artigo 227; no Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 4º e na Lei Orgânica da Assistência Social, no Artigo 4º, inciso III, ou seja, está positivado em toda a normativa que rege os direitos da Infância e Juventude.

O artigo 226 da Constituição Federal diz que “a família é a base da sociedade” (BRASIL, 1988), reforçando o papel da família na vida de crianças e adolescentes, sendo todos sujeitos de direitos e, essas últimas, pessoas em condição especial de desenvolvimento, o que exige atendimento prioritário de seus direitos. Por convivência comunitária, entendemos o direito da criança e do adolescente em permanecer no contexto social que lhe é familiar, junto aos colegas de escola, vizinhos, parentes, padrinhos e outras pessoas do círculo de convivência da criança.

Em consonância a essas legislações, em 2006 foi traçado o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (PNCFC), que prima pela proteção social das famílias de origem, visando à implantação de uma política estatal capaz de enfrentar a histórica condição de negligência e abandono de crianças, adolescentes e suas famílias.

Além dos programas específicos de atendimento a essas famílias, o PNCFC ainda defende a execução de tarefas estruturais como a estabilidade econômica com crescimento sustentado, geração de emprego e oportunidade de renda, combate à pobreza e promoção da cidadania e da inclusão social. No entanto, não explicita mudanças radicais na estrutura da sociedade capitalista.

Na Carta Maior há a definição de que é responsabilidade do Estado, da família e da sociedade os cuidados com crianças e adolescentes, porém cada parte do tripé que oferece sustentação aos direitos infanto-juvenis é incompleta e necessita da outra, pois se um desses pés falha, quem é penalizada, vitimizada e violentada é a criança.

A ausência de definição clara dos papéis de cada agente do tripé implica na defasagem do trabalho social a ser desenvolvido com as famílias. Entendemos que é função do poder público o desenvolvimento deste trabalho, no entanto, observamos em nossa atuação profissional, a resistência dos agentes públicos em assumir tal atribuição.

A Lei 12.010/09 veio preencher algumas lacunas na legislação e, uma delas, é sobre de quem é a responsabilidade de realizar o trabalho de apoio social às famílias de crianças em situação de abrigo institucional vislumbrando a reintegração familiar, cabendo à equipe interprofissional do abrigo tal incumbência, através de trabalho integrado com profissionais do Poder Executivo Municipal.

Com as alterações do ECA, baseadas na lei 12.010/09, o acolhimento institucional, que sempre foi preconizado como medida excepcional, passou a ser decretado apenas por autoridade judicial (artigo 101, §2º, ECA) e, em situações de violência física ou sexual, pode ser aplicado pelo Conselho Tutelar.

De acordo com o Sistema de Garantias de Direitos da Criança e do Adolescente, o atendimento a essas famílias deve ocorrer nos seguintes eixos:

defesa de direitos compete ao Ministério Público, Conselho Tutelar, defensoria

pública, Judiciário; promoção de direitos, compete ao Poder Executivo nas esferas federal, estaduais e municipais através da implantação de políticas públicas e

controle de direitos, atribuição dos conselhos de direitos.

No âmbito dos direitos humanos, o acesso à justiça social apresenta- se enquanto direito ao usufruto de bens e serviços que possibilitam viver com dignidade, isto é, a possibilidade de todos viverem plenamente como sujeitos de direitos: direito à educação, à

seguridade social, à alimentação, à segurança, à cultura, ao lazer, à moradia adequada, dentre outros. Justiça social, nessa perspectiva, vincula-se então aos direitos assegurados na Constituição Brasileira, ainda que a legislação social não venha sendo universalizada e aplicada integralmente. (FÁVERO, 2012, p. 132).