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CAPÍTULO 2 INTERVENÇÕES DO ESTADO NA FAMÍLIA: AS CONTRADIÇÕES

2.4 Os motivos do acolhimento institucional de crianças e adolescentes

Quanto aos netos de Maria, o processo iniciou-se com a intervenção do CT, conforme descrito em Relatório constante na folha 4, do Processo 1:

Recebemos denúncia pelo telefone, que a Mãe viajou para a Paraíba e deixou os filhos na residência sem nenhuma estrutura, causando um grande abandono aos filhos. Os conselheiros X e Y foram até a residência deparando com casa muito suja, sem higiene no dormitório e a comida que tinham para alimentar estava estragada. As crianças relatam que passam fome em casa mesmo com a presença da mãe, pois ela não faz comida, não lava roupas. [...] O pai das crianças tem 80 anos [...] no momento foi verificado que o genitor não tem condições de cuidar dos filhos.

O Relatório Psicossocial elaborado pela equipe interprofissional do Fórum, constatou que, dente os principais motivos do acolhimento institucional, estão negligência, abandono e falta de condições habitacionais dignas.

Com relação à Família 1, após dezenove dias do acolhimento institucional dos filhos, os pais solicitam intervenção do Ministério Público para providenciar autorização judicial para que pudessem visitar os filhos, o que foi autorizado pela juíza da Infância e Juventude com a seguinte ressalva: “[...] devendo este juízo ser informado, em relatório circunstanciado, mensalmente, sobre a frequência e comportamento dos pais durante as visitas” (decisão judicial, Processo 1, folha 19).

No primeiro Relatório Psicossocial da equipe do Fórum, a mãe das crianças expõe sua opinião sobre o fato dos filhos estarem em situação de abrigo institucional:

A [mãe] avalia que a situação de abrigamento dos filhos se configura como uma ‘grande maldade’ e que deseja tê-los novamente em seu convívio, declina estar saudosa deles, demonstrando sofrimento com a ausência das crianças.

Os intensos conflitos entre mãe e filha são fatores que dificultam a reaproximação familiar das crianças. Tais conflitos intergeracionais ficam evidentes tanto na entrevista com Maria, como na análise do processo.

Cabe ressaltar que, no decorrer do acompanhamento do caso, Maria alterna falas em que acusa, com outras em que avalia positivamente as condutas da Mãe das crianças, o que nos leva a refletir sobre a abrangência das mesmas. (Relatório Psicossocial, Processo 1, folha 91).

As crianças foram ouvidas pela equipe interprofissional, porém, a fala delas revelou não possuir relevância significativa sobre a reinserção familiar. As crianças demonstraram se sentir saudosas dos familiares, com desejo de retornar para casa, o que fica evidente tanto para a equipe do Fórum, quanto para os funcionários do abrigo.

Segundo a coordenadora do abrigo, os pais visitaram as crianças na instituição nas datas x, y e z do mês 1, estabeleceram bom contato, permanecendo no colo, mostrando-se entristecidos com o término do horário de visitas e o desejo de retornar para casa. (Relatório Psicossocial, folha 28).

Desde o primeiro relatório psicossocial, foi sugerido o envio de ofício à Prefeitura para inserção da família em programas sociais, no entanto, a mera inclusão da família em programas de repasse de renda não é capaz de fazer frente a toda a complexidade do caso, inexistindo no município programas que, de fato, atendam aos interesses das crianças abrigadas e seus familiares.

Por vezes, as intervenções na família mostram-se equivocadas, causando nos usuários dos serviços o sentimento de invasão de privacidade, conforme descrito a seguir:

A guardiã registra que sua filha manifesta insatisfação quanto ao monitoramento do Poder Judiciário, Conselho Tutelar e Secretaria Municipal de Assistência Social em relação aos seus filhos. (Relatório Psicossocial, Processo 1, folha 51).

A terminologia “menores” aparece em decisão judicial constante no Processo 1, folha 35, versando sobre os netos de Maria. Ao ingressar com a ação de Pedido de Providências, no tocante à Família 3, o promotor de justiça justifica seu pedido ao juiz baseado na terminologia “situação irregular”, remetendo a práticas menoristas.

Quanto à Família 3, na opinião de João, seus filhos foram abrigados pelo seguinte motivo:

Eu num tava em casa, eu tava pra São Paulo e cheguei e aí tinha acontecido isso, a Mãe tinha usado tantas droga, o CT chegou La, teve aquela fatalidade, pego as criança e abrigô.

Na versão do CT:

Os conselheiros entraram na residência e sentiram um cheiro de droga no ar e Mãe jogou uma camisa em cima da latinha do uso da droga onde pegamos e ainda saia fumaça da droga. As crianças estavam junto dela, sujas, com fome, a casa uma bagunça, comida estragada no fogão, banheiro sem condições de higiene, a casa esta sem energia elétrica. A Mãe estava totalmente fora de si com o uso da droga. (Relatório CT, Processo 3, folha 4).

Os netos de Joaquina foram abrigados através de denúncias anônimas realizadas ao CT a respeito do fato de a mãe deixar os filhos sozinhos em casa no decorrer de horas. As crianças pediam alimentos para as pessoas que passavam em frente ao local. Segundo o relatório do CT:

As crianças estavam sujas, mal cuidadas e sem alimentação. [...] Elas disseram que a mãe fuma e inclusive ‘queima e cheira alguma coisa numa latinha’. [...] Foi também constatado que a mãe não tem emprego e depende de doações. (Relatório CT, folha 3).

Após alguns dias do acolhimento institucional de seus filhos, a mãe, filha de Joaquina, nomeia advogado a fim de defendê-la. No entanto, o advogado apenas junta no processo os cartões de vacinação das crianças, sem, contudo, apresentar a defesa jurídica dela.

Na ocasião do acolhimento institucional das quatro crianças, netas de Joaquina, duas crianças foram desabrigadas e colocadas sob a guarda paterna, na cidade de Morro Agudo – São Paulo. As outras duas crianças, após tentativas frustradas de reinserção familiar, permanecem abrigadas até os dias atuais.

Desde os primeiros relatórios, a mãe dessas crianças manifesta que os visita regulamente no Programa de Assistência à Criança Lar e Esperança (PROACLE) e, nessas ocasiões, eles lhe pedem para voltar para casa. A mãe “expressa o desejo de que os filhos sejam desabrigados e colocados sob a guarda de outros familiares”. (Relatório Psicossocial, equipe do Fórum, Processo 2, folha 43).

Sem desmerecer a gravidade das situações que motivaram a colocação das crianças em abrigo institucional, percebemos que, uma vez no abrigo, o regresso ao lar de origem torna-se um longo caminho tortuoso no qual os profissionais do Poder Executivo e do Abrigo meramente analisam a situação, sem, contudo, promover ações que criem condições, tanto objetivas quanto subjetivas, para o retorno seguro das crianças ao lar.

2.5 O abrigo e o direito à convivência familiar e comunitária: o descompasso