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2.3 O PODER JUDICIÁRIO E SEUS DESDOBRAMENTOS

2.3.2 A criminologia crítica como importante marco

2.3.2.1 O direito penal pela ótica da criminologia crítica

Para analisar o direito penal à luz da criminologia crítica partimos de duas principais preposições: Será que o direito penal protege de forma igual todos os cidadãos? Será que todos os cidadãos classificados como criminosos possuem as mesmas oportunidades de serem penalmente absorvidos e com os mesmo resultados?

Antes de nos atermos as questões propriamente ditas, é importante situarmos que o direito penal, sob a ótica da criminologia crítica, é entendido para além de um sistema estático de normas. Ele é, antes, um sistema dinâmico de funções, no qual estão presentes três mecanismos importantes neste processo: o da produção das normas (criminalização primária); o da aplicação das normas – o processo penal e todo o aparato nele envolvido (criminalização secundária) e; o da execução da pena ou das medidas de segurança aplicáveis. Vale pontuarmos, neste contexto, que a atuação do assistente social se insere, sobretudo, nos espaços institucionais que compõem o segundo e o terceiro mecanismos (BARATTA, 2002).

Estudos sistemáticos sobre estes mecanismos, a partir das duas questões apresentadas no início deste tópico, têm revelado, segundo Baratta (2002), que a igualdade promovida pelo direito penal não se sustenta, ou seja, é um mito. A análise desses mecanismos tem

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demonstrado que o direito penal tem a sua realidade pautada no oposto da igualdade.

No entanto, os mitos ainda permanecem. E são assim resumidos:

1 – O princípio do interesse social e do delito natural: nesta proposição o direito penal protege de forma igual todos os cidadãos contra os bens ditos essenciais, de interesse igualmente de todos;

2 – O princípio da igualdade: nesta proposição a lei é igual para todos, neste sentido, todos aqueles que violarem as normas penalmente sancionadas, ou ainda demonstrarem comportamento ditos anti-sociais, terão chances iguais de serem sujeitos de um processo de criminalização, inclusive com as mesmas consequências.

A crítica sobre o direito penal vai, justamente, no sentido de desconstruir essas proposições, afirmando que ele não protege todos os cidadãos de forma igual, ao mesmo tempo em que distribui o título de criminoso também de forma desigual na sociedade em equivalências de delitos. Além do que a reação do sistema penal sobre esses delitos e a intensidade com a qual os trata não é o motivador das ações penais (CASTILHO, 2002). Baratta (1997, p. 61) nesta discussão ainda acrescenta que o direito penal tende “a preservar da criminalização primária as ações anti-sociais realizadas por integrantes das classes sociais hegemônicas, ou que são mais funcionais às exigências do processo de acumulação do capital”.

Já no que tange à criminalização secundária, segundo o mesmo autor, o caráter seletivo é ainda mais acentuado, pois nesse aspecto há uma tendência em se procurar a verdadeira criminalidade nos estratos sociais dos quais é “normal” esperá-la (BARATTA, 1997). Neste sentido é que afirmamos que o direito penal

[...] tende a privilegiar os interesses das classes dominantes, e a imunizar do processo de criminalização comportamentos socialmente danosos típicos dos indivíduos a elas pertencentes, e ligados funcionalmente à existência da acumulação capitalista, e tende a dirigir o

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processo de criminalização, principalmente, para formas de desvio típicas das classes subalternas (BARATTA, 2002, p. 165).

Tendo isso em mente, podemos afirmar que a população que tem maiores chances de ser selecionada como “população criminosa” aparece, de fato, concentrada nos estratos sociais mais baixos. Vale ressaltarmos que essa também é a população com a qual majoritariamente o Serviço Social atua, intervindo nas suas formas de vida. Sendo assim, mais uma vez nos parecem importantes as teorias da criminologia crítica para a formação deste profissional.

Ainda em relação à seletividade exercida pelo direito penal, entendemos que além de ocorrer na formulação e aplicação das leis e normas, também está presente na forma ativa com que o direito penal atua, favorecendo a produção da desigualdade. Primeiramente com a aplicação seletiva das sanções penais que estigmatiza o sujeito, cujo ponto alto pode ser considerado a privação da liberdade e a passagem pelo cárcere, mas também que ocorre de forma mais sutil com aplicações das etiquetas de criminoso e delinquente. Esse processo reforça a estigmatização das classes já subalternizadas e age de modo a impedir sua ascensão social. Em segundo lugar, a punição de determinados comportamentos tem uma função simbólica de coibir novas práticas comportamentais, que continuaram imunes ao processo de criminalização. Desde modo, “a aplicação seletiva do direito penal tem como resultado colateral a cobertura ideológica desta mesma seletividade” (BARATTA, 2002, p. 166).

O cárcere neste contexto tem fundamental importância no processo de produzir a desigualdade e a passividade nos sujeitos desta relação. Para Baratta (2002), a relação de desigualdade presente na sociedade capitalista também é uma relação de subordinação, ligada estruturalmente, por um lado, à separação existente entre propriedade da força de trabalho e os meios de produção e, por outro, à disciplina dos comportamentos e dos corpos aplicada pela fábrica e também pelo cárcere. Desta forma, não é à toa que o cárcere enquanto instituição punitiva e de controle nasce junto com a sociedade capitalista e acompanha a sua história. Em suas origens, tal instituição respondia as demandas sociais para disciplinar uma massa de camponeses alijados de suas terras e dos próprios meios de produção que não se adaptavam à disciplina dos espaços fabris.

71 [...] o cárcere produz [...] um setor de marginalizados sociais particularmente qualificado para a intervenção estigmatizante do sistema punitivo do Estado e para a realização daqueles processos que, ao nível da interação social e da opinião pública, são ativados pela pena, e contribuem para realizar o seu efeito marginalizador e atomizante (Idem, p. 167).

Portanto, o cárcere é o momento culminante de um processo seletivo que é iniciado antes mesmo da ação do sistema penal, posto em ação com a discriminação social e por outras diversas instituições como a escola, a mídia, dentre outras.

Antes de fecharmos esta seção é importante um olhar, mesmo que breve, sobre a recepção que as teorias criminológicas discutidas até aqui, em especial a criminologia crítica, tiveram no contexto da América Latina e mais especificamente no Brasil.

2.3.3 A recepção da criminologia crítica no contexto