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O DISCURSO FILOSÓFICO DA MODERNIDADE: UMA INTRODUÇÃO

TRADICIONAIS PARA AS SOCIEDADES MODERNAS

Passados os traços iniciais de contextualização, ao adentrar na teoria Habermasiana é preciso compreender alguns de seus pontos de partida para contextualizar parte de sua teoria, no que tange, por exemplo, à comunicação, ao direito, à modernidade e à solidariedade.

Segundo Habermas (2002, p. 16) em sua obra “A inclusão do outro”, pode se afirmar que:

Nas sociedades ocidentais profanas, as intuições morais cotidianas ainda estão marcadas pela substância normativa das tradições religiosas por assim dizer decapitadas, declaradas juridicamente como questão privada - sobretudo pelos conteúdos da moral da justiça judaica, do antigo testamento, e da ética do amor cristão do novo testamento. Esses elementos são transmitidos por meios do processo de socialização, embora frequentemente de forma implícita ou sob outras denominações. Uma filosofia moral que se entenda como reconstrução da consciência moral cotidiano coloca-se com isso diante do desafio de examinar até que ponto essa substancia pode ser justificada racionalmente.

Inicialmente, na obra de Habermasiana, a forma mais “arcaica” de sociedade é chamada de sociedade tradicional. Nessa forma de sociedade, todos os valores

sociais encontram fundamento em um só âmbito, normalmente, são baseados em um conjunto de crenças religiosas ou míticas, que dão sentido as ações e praticas cotidianas dos indivíduos e da sociedade e, ainda, são compartilhados por todos que habitam essa comunidade de indivíduos. (NOBRE, 2008).

Essa forma de se enxergar a vida e dar sentido a ela, nas sociedades tradicionais, é de certa forma “incontestável”. A moral aqui, está ligada a uma fundamentação divina ou metafísica de justificar as ações em sociedade. Aquele que não concorda com as praticas e os costumes nestas sociedades e provocar o “dissenso” ou a “ruptura”, acaba sendo excluído desse sistema social.

Assim, esse conjunto de valores compartilhados, forma o que Habermas chama de “eticidade”:

“A organização da sociedade - a maneira como é dividido o trabalho, a posição social, o papel de homens e mulheres, a maneira de entender as obras de arte, a distribuição da riqueza e da pobreza, da felicidade e da infelicidade – tudo isso está referido a uma visão global que determina uma atitude unificada diante do mundo e dos acontecimentos naturais. De modo que essa visão global compartilhada não é apenas uma elaboração teórica, uma construção de pensamento, mas uma referencia para a ação, um modo de vida compartilhado, algo que poderíamos chama de “eticidade” (NOBRE, 2008, p.15)

Nas sociedades tradicionais, há quase que uma total coincidência entre a unidade espiritual e a unidade política. Isso significa que o pertencimento do indivíduo a uma determinada comunidade política confunde-se com o reconhecimento de compartilhar uma mesma forma de vida, as mesmas crenças e os mesmo princípios de conduta na vida prática, em suma uma mesma eticidade. (NOBRE, 2008, p.16).

Diferentemente, nas sociedades complexas, não se tem esse compartilhamento de uma única eticidade. Aponta Habermas (2002, p. 24) que “Sociedades complexas não podem manter sua coerência apenas sobre a base de sentimentos tais como a simpatia e a confiança, mais ajustados aos espaços reduzidos.” Exige-se, então, dessas sociedades modernas uma posição diferente, visto que “O comportamento moral diante de estranho exige virtudes “artificiais” sobretudo, a disposição para a justiça”. (HABERMAS, 2002, p. 14)

Em sociedades complexas, nas quais existe uma multiplicidade de crenças e culturas e variadas formas de vida, não é possível apresentar como teoria da sociedade, ou mesmo compreendê-la a partir de elementos metafísicos. Isto, porque, tendo em vista a diversidade cultural e variadas formas de bem-viver, não é possível que todos acreditem em uma concepção que parta da existência de um único “ser” criador de todas as coisas, por exemplo.

Habermas, então, vai tecendo caminhos para alguns diagnósticos da modernidade, dado que ela é um momento particular da humanidade no mundo, dado, também, não ser mais possível recorrer a um “passado Glorioso”, nem mesmo, a buscar nas tradições fundamentos para a vida moderna e para as normas morais compartilhadas.

Após a perda da base tradicional da validação de sua moral em comum, os participantes têm de refletir juntos a respeito de exatamente quais normas morais eles deveriam se pôr de acordo. Nessa questão ninguém pode reivindicar mais autoridade do que qualquer outro; todos os pontos de vista para um acesso privilegiado estão invalidados. (HABERMAS, 2002, p. 34- 35).

Talvez, neste ponto resida um conjunto de fatores que contribuem para o fato da modernidade ser esse momento único e que junta essas diferentes eticidade. Fatores tais como a globalização, os avanços tecnológicos, o surgimento de novas fontes de comunicação, de informação a modernização das ciências podem ser indicados como parte desses fatores.

Aponta GIDDENS (2007, p. 15) com seu olhar sociológico sobre a sociedades e suas mudanças com a modernidade exatamente para isso:

[...] a globalização influencia a vida cotidiana tanto quanto eventos que ocorrem numa escala global. [...] esses aspectos da globalização são pelo menos tão importantes quanto os que tem lugar no mercado global. Eles contribuem para o estresse e as tensões que afetam os modos de vida e as culturas tradicionais na maior parte das regiões do mundo.

Essas mudanças do mundo advinda de uma globalização e da crescente visão neoliberal do mundo, afetam desde as relações mais intimas como a família até a forma como os estados-nações estabelecem suas relações e as políticas externas e internas. Panorama apontado também por Habermas em seu livro. Isso aponta para um diagnostico de GIDDENS (2007, p. 16):

O campo de batalha do século XXI irá opor o fundamentalismo à tolerância cosmopolita. Num mundo globalizante, em que informação e imagens são rotineiramente transmitidas através do mundo, estamos todos regularmente em contato com outros que pesam, e vivem, de maneira diferente de nós. Os cosmopolitas acolhem essa complexidade cultural com satisfação e abraçam. Os fundamentalistas a veem como perturbadora e perigosa. Seja nos campos da religião, da identidade étnica ou do nacionalismo, eles se refugiam numa tradição renovada e purificada – e, com muita frequência, na violência.

Podemos legitimamente alimentar a esperança de que uma perspectiva cosmopolita acabará por vencer. Tolerância a diversidade cultural e democracia estão estreitamente vinculadas e a democracia está atualmente se espalhando por todo o mundo. A globalização está por trás da expansão da democracia. Ao mesmo tempo, paradoxalmente, ela expõe, os limites das estruturas democráticas, mas conhecidas, isto é, as estruturas de democracia parlamentar. Precisamos democratizar mais as instituições existentes, e fazê-lo de modo a atender às exigências da era global. Nunca seremos capazes de nos torna os senhores de nossa própria história, mas podemos e devemos encontrar meios de tomar as rédeas do nosso mundo em descontrole.

Fica evidente que Giddens expõe o que seria para Habermas o conflito de eticidades presente nos meandros sociais modernos. Onde existem diversas formas de se viver, diversas formas da “boa vida”, o que traz consequências sociais e potencial conflitivo enorme, assim como acentuação das tensões entre essas formas de pesar a sociedade.

Assim, também, aponta (NOBRE, 2008, p.18) na esteira do pensamento Habermasiano:

Note-se que não se pode mais recorrer a uma tradição coletivamente compartilhada para obter o consentimento de todos para a vida em comum, significa também que não é mais possível recorrer a uma modelo de sociedade previamente existente na história para copiá-lo, como modelo a imitar. Essa extraordinária novidade da sociedade moderna mostra que é preciso encontrar legitimidade para a organização social moderna em seu próprio funcionamento.

Para entender o pensamento de Habermas é preciso, então, enquanto ponto de partida, dissociar o fundamento de funcionamento social moderno do fundamento de funcionamento das sociedades tradicionais, dessa forma:

“O amálgama de arte, política e do Direito e religião produzido pela eticidade única da sociedade tradicional deixou de ter efetividade na organização da sociedade moderna, passando a ser um entrave a seu desenvolvimento. Mas alguns de seus nós permaneceram ainda por longos tempo bem atados”. (NOBRE, 2008, p.19).

Assim, fica claro, que com essas múltiplas eticidades na sociedade não tradicional, que “(...) a vida cotidiana na sociedade moderna é repleta de conflitos e

tensões entre as diversas lógicas próprias das várias esferas culturais de valor”. (NOBRE, 2008, p.20).

Pois, nestas sociedades modernas as múltiplas esferas valorativas colocam em confronto eticidades múltiplas que por sua vez geram inúmeros efeitos, desde consensos a dissensos, de entendimentos a rupturas. Dessa maneira, o próprio Habermas busca compreender e responder como é possível que em sociedades modernas seja possível a coexistência de tantas eticidades, assim como surgem outras questões que Habermas busca responder, por exemplo, de como a de ser possível uma unidade política que não esteja ancorada em uma unidade espiritual, em uma eticidade única compartilhada.

É preciso compreender na obra de Habermas um elemento central é a solidariedade, que cumpre um papel de estabilizadora das relações sociais. É um dos objetivos habermasianos, propor um conceito de solidariedade que atravesse o âmbito familiar, particular e convencional para encalçar um estágio de solidariedade pós- convencional, cosmopolita e cidadã. (NOCELLI, 2016, p. 10).

Nesse sentido, na teoria do agir comunicativo, Habermas traça possibilidades de solução para esse conflito de eticidades com possibilidades através de seu método.

Dessa forma, uma maneira, segundo a explicação Habemasiana em seu livro Teoria do Agir comunicativo, para a solução do enorme potencial conflitivo nas sociedades modernas consiste na estabilização por meio de uma diferenciação da racionalidade das ações sociais.

Dessa maneira, é possível se afirmar também que, “a teoria do discurso é uma das grandes possibilidades de resgate do papel da Filosofia na alta modernidade como “guardiã de lugar da racionalidade científica e interprete mediador do mundo da vida”. (OLIVEIRA, 2004, p. 17).

Com isso, fica evidente, ao menos, em partes, que Habermas tem um projeto filosófico de construção de uma teoria complexa que possui por base a reconstrução filosófica das condições linguísticas de entendimento, e dos potencias de emancipação já presentes na modernidade (OLIVEIRA, 2004, p. 16).

Assim, também, é compreensível que “[...] Habermas é herdeiro do projeto da modernidade de emancipação do homem por meio do esclarecimento, ou seja, que a única saída para a emancipação humana se centraria na razão”. (CRUZ, 2008, p. 24-25).

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