• Nenhum resultado encontrado

Discurso de ódio parlamentar: de Habermas ao Brasil

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Discurso de ódio parlamentar: de Habermas ao Brasil"

Copied!
86
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIENCIAS DA SOCIEDADE DE MACAÉ

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

LEANDRO LUCAS FACCIN

DISCURSO DE ÓDIO PARLAMENTAR: DE HABERMAS AO BRASIL

MACAÉ 2019

(2)

LEANDRO LUCAS FACCIN

DISCURSO DE ÓDIO PARLAMENTAR: DE HABERMAS AO BRASIL

Trabalho de conclusão de curso apresentado à disciplina Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), como requisito parcial à obtenção do Grau de Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense.

Orientador: Prof. Ms. Charles da Silva Nocelli.

MACAÉ 2019

(3)
(4)

LEANDRO LUCAS FACCIN

DISCURSO DE ÓDIO PARLAMENTAR: DE HABERMAS AO BRASIL

Trabalho de conclusão de curso apresentado à disciplina Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), como requisito parcial à obtenção do Grau de Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense.

Macaé, 12 de dezembro de 2019

BANCA EXAMINADORA

Prof. Ms. Charles da Silva Nocelli (orientador)

Profª. Dra. Andreza Aparecida Franco Câmara

______________________________________________________________ Profª. Dra. Fernanda Andrade Almeida

(5)

AGRADECIMENTOS

Indispensável se faz, em um momento como esse, agradecer; não apenas aos que ao longo do trabalho estiveram ao meu lado, mas a todos que permaneceram ao longo da graduação, me acompanhando e compartilhando, também, suas histórias e a trilha da vida.

Primeiramente, à Deus, por todas as oportunidades, por todas as bênçãos e pela proteção! Sem ele, concretizar essa jornada não teria sido possível.

Agradeço imensamente à minha mãe Vânia, que sempre está ao meu lado, me apoia, me escuta, me aconselha, assim como, por ser paciente e por viver esse sonho, de me formar em uma Universidade Federal, junto comigo. Ao meu avô, avó, aos meus tios e tias, pelo apoio constante e pelo carinho de sempre e a todos os demais da família.

Aos amigos de infância, aos amigos que fiz durante a graduação e guardo no coração e, também, aos que passaram pela minha vida e deixaram um pouco de si em mim. Em especial, agradeço a Elisa Luns pela paciência e pelo carinho.

Ao professor Charles Nocelli, a professora Luísa Cortat e a professora Andreza Franco por terem feito parte da minha caminhada acadêmica de forma mais presente, assim como pelas amizades e pelos conselhos.

(6)

RESUMO

O presente trabalho versa sobre a análise do discurso de ódio proferido por parlamentar dentro de um regime político democrático em uma sociedade pluralmente constituída. A Liberdade de expressão constitui pilar fundamental de uma democracia, mas esta pode ser utilizada de forma antidemocrática, como ocorre nos discursos de ódio, podendo ser prejudicial para o regime democrático e o transforma-lo em um regime excludente, por intermédio do ódio e do não reconhecimento do outro na sociedade. A análise baseia-se no estudo das obras Habermasianas, com vistas ao entendimento da referida teoria do autor, e a compreensão extraída de suas obras sobre a impossibilidade de aceitação do discurso de ódio proferido por parlamentares.

Palavras chave: Discurso de ódio, Habermas, Teoria do Agir Comunicativo, Democracia, Liberdade de Expressão.

(7)

ABSTRACT

The present research consists of analyzing the hate speech uttered by members of Parliament in a democratic political regime, adopted by a plurally-constituted society. Freedom of speech is a fundamental cornerstone of democracy, but it can be used in an anti-democratic manner, as is the case with hate speech. In this scenario, hate speech can be prejudicial to the democratic regime, turning it into an alienating regime, through hate and through non-recognition of others in society. This analysis is based on the works of Habermas, aiming to understand his theory, which led to the conclusion that it is impossible to accept hate speech uttered by members of Parliament.

Keywords: hate speech, Habermas, Theory of Communicative Action, Democracy, Freedom of Speech.

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 08

1 O DISCURSO DE ÓDIO E AS DEMOCRACIAS MODERNAS... 10

1.1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO: DUAS FORMAS DE PENSAR ... 06

1.2 O TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DO TEMA NO BRASIL: HÁ LIMITES PARA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO? ... 12

1.2.1 Aspectos gerais da liberdade de expressão ... 16

1.2.2 Limites a liberdade de expressão... 19

1.3 O QUE É O DISCURSO DE ÓDIO? ... 23

1.3.1 Discurso de ódio à brasileira: o caso Ellwanger e a definição de discurso de ódio para o Supremo Tribunal Federal (STF) ... 25

1.4 DISCURSO DE ÓDIO PARLAMENTAR: IMUNIDADE PARLAMENTAR X OUTROS BENS JURÍDICOS FUNDAMENTAIS... 29

1.4.1 Breve contextualização ... 30

1.4.2 O estatuto do parlamentar... 31

1.4.3 Posicionamentos doutrinários quanto a extensão das imunidades parlamentares... 34

1.4.4 A jurisprudência sobre a imunidade parlamentar material... 35

2 HABERMAS: A DEMOCRACIA E SEUS LIMITES... 35

2.1 INTRODUÇÃO ... 35

2.1.1 Breve introdução à vida e à teoria de Habermas ... 39

2.1.2 Habermas como antidoto ao pessimismo de Horkheimer e Adorno... 41

2.1.3 Habermas e a mudança estrutural da esfera pública... 42

2.2 O DISCURSO FILOSÓFICO DA MODERNIDADE: UMA INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO HABERMASIANO E A PASSAGEM DAS SOCIEDADES TRADICIONAIS PARA AS SOCIEDADES MODERNAS ... 43

2.3 HABERMAS E A TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO ... 48

2.3.1 Introdução ... 48

(9)

2.3.4 A pragmática universal, o princípio da universalização (‘U’), a ética do discurso e as normas morais em Habermas ... 54 2.4 A POSSIBILIDADE DE INCLUSÃO DO OUTRO: ENTRE A SOLIDARIEDADE, A TOLERÂNCIA E A RECIPROCIDADE ... 57 2.4.1 A solidariedade em Habermas como possibilidade de integração social ... 58 2.4.2 A tolerância enquanto princípio unificador das sociedades plurais... 59

3 ANÁLISE DO DISCURSO DE JURISPRUDÊNCIA: O CASO DOS QUILOMBOLAS ... 61 3.1 DISCURSO DE ÓDIO PARLAMENTAR E O CASO DOS QUILOMBOLAS: INQUÉRITO 4.694 DF ... 63 3.1.1 O caso e os fatos ... 63 3.1.2 Análise do discurso odioso por meio da filosofia habermasiana com enfoque no agir comunicativo ... 67 3.1.3 A imposição da ética do grupo dominante e a “neutralidade” do Estado ... 68 3.2 ANÁLISE DA CORTE CONSTITUCIONAL E SUAS FUNÇÕES PARA A TEORIA HABERMASIANA ... 73

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 78 REFERÊNCIAS... 82

(10)

INTRODUÇÃO

O presente trabalho se apresenta com o título discurso de ódio parlamentar: de Habermas ao Brasil. A título de introdução, busca-se apresentar o presente tema de pesquisa, sua relevância, sua viabilidade, os objetivos e as hipóteses de trabalho, assim como o método utilizado para a elaboração desta monografia.

Esta Monografia possui por objetivo principal discutir o discurso de ódio parlamentar dentro de uma democracia, visando responder a seguinte questão: é aceitável o discurso de ódio proferido por parlamentar em um regime político democrático?

No que tange ao tema, sua relevância e viabilidade, a liberdade de expressão é pilar fundamental de um regime político democrático, entretanto o mesmo pilar que ergue a democracia por meio da liberdade de expressão, também pode servir para derrubá-la. Pois, a liberdade de expressão de maneira irrestrita pode vir a transformar um regime democrático em um regime antidemocrático e propiciar a exclusão social e o amordaçamento das vozes minoritárias.

Nesse sentido, a questão ganha novos contornos jurídicos e sociais quando os discursos excludentes partem de parlamentares, visto que os mesmo utilizam-se do regime democrático para sustentar seus pleitos antidemocráticos visando a exclusão do outro na sociedade e quanto ao aspecto jurídico, se diferenciam, pois, parlamentares possuem imunidades que os permitem discursar de maneira quase irrestrita.

Nessa perspectiva, a obra do Filósofo Jürgen Habermas se apresenta como contraponto ao senso comum, visto que o autor propõe uma teoria universalista que se concentra na emancipação do ser humano por intermédio do diálogo e da comunicação que perquira o entendimento mutuo do outro, assim, com fundamento na teoria desse autor possibilita-se uma possível resposta quanto da possibilidade de aceitabilidade de um discurso de ódio vindo de um parlamentar em um regime democrático.

O trabalho se justifica a medida que, para o fortalecimento da democracia e das instituições democráticas, é preciso compreender os impactos que podem ser causados por um discurso que não reconhece o outro como ser humano e nem como sujeito de direitos e tenta o retirar da esfera pública. Justifica-se, também, a medida que a política passa a ser utilizada como forma de imposição de uma ética de um grupo dominante aos grupos minoritários na sociedade, os descriminando.

(11)

A metodologia utilizada foi a de revisão bibliográfica da obra de Jürgen Habermas. A justificativa quanto a metodologia consiste nas proposições Habermasiana de ação comunicativa e nos potencias emancipatórios para o ser humano que tal teoria propõe.

Os objetivos do presente trabalho são de explicar os principais conceitos da Obra de Habermas e buscar analisar isso na realidade brasileira por meio de um julgado do Supremo Tribunal Federal, para, assim, possibilitar os contornos da problemática da discursiva odiosa por parlamentares no Brasil.

A hipótese é de que, por meio da teoria habermasiana, seja inconcebível um discurso de ódio parlamentar, assim como impossível a aceitação da exclusão do outro na sociedade, da mesma maneira, não é compatível com a teoria do agir comunicativo dentro da esfera pública uma comunicação que não seja pautada no reconhecimento intersubjetivo do outro na sociedade.

Para realizar este percurso e buscar resposta para a problemática do discurso de ódio parlamentar em um regime democrático, será primariamente tratada a discussão entre a liberdade de expressão frente outros bens jurídicos fundamentais, visto a inexistência de hierarquia entre as disposições constitucionais. Para adiante, definir o que é o discurso de ódio e, por conseguinte, apresentar a definição de imunidade parlamentar e a problemática que ela traz para os discursos de ódio proferidos pelos representantes do povo.

Dessa forma, no segundo capitulo será contextualizada a teoria habermasiana, suas origens e suas diferenças, para a dos demais filósofos, assim como os principais conceitos da obra de Habermas como a teoria do agir comunicativo.

Por fim, será analisado um julgado da primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) para explicitação dos discursos odiosos proferido por parlamentar no Brasil e, concomitantemente, dialogar com a teoria habermasiana para perquirir sobre aceitabilidade da discursiva odiosa proferida por parlamentar em uma democracia e, assim como, se essa ação parlamentar pode ser considerada compatível com a teoria do agir comunicativo Habermasiana. Por fim, será brevemente discutida se a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal é consoante as suas funções de corte constitucional segundo Habermas.

(12)

1 O DISCURSO DE ÓDIO E AS DEMOCRACIAS MODERNAS

Se tratando do mundo Ocidental, a liberdade de expressão é um direito que simboliza lutas históricas, mudanças sociais e até mesmo trocas de paradigmas quanto aos modelos de Estado1. É um Direito que sofreu e sofre inúmeras inflexões,

sendo estas respostas as mudanças sociais e a relação do homem com os fatos históricos decorrentes do mundo moderno e seus valores morais plurais.

Atualmente, entende-se que um dos direitos mais caros aos países que se dizem democráticos é o de ver a liberdade de expressão protegida. Na maioria destes Estados, a liberdade de expressão é compreendida como um direito essencial e um valor a ser protegido, assim como a extensão de sua proteção possui grandes variações quando estes são comparados(PAMPLONA, 2017, p.3).

Dessa forma, compreende-se segundo Pamplona (2017, p.3) que “a análise do conteúdo da liberdade de expressão e da extensão em que há a proteção leva à conclusão de que diferentes países, que se auto proclamem igualmente democráticos, tratam o tema de modo bastante diverso”.

Na mesma esteira de pensamento para essa abertura das diferentes interpretações e analises ao discurso de ódio e aos limites da liberdade de expressão, expõe Sarmento (2006, p. 4):

O assunto tem provocado debates apaixonados no mundo todo. Cortes constitucionais e supremas cortes de diversos países já se manifestaram sobre o tema, bem como instâncias internacionais de direitos humanos. Uns, de um lado, afirmam que a liberdade de expressão não deve proteger apenas a difusão das ideias com as quais simpatizamos, mas também aquelas que nós desprezamos ou odiamos, como o racismo. Para estes, o remédio contra más ideias deve ser a divulgação de boas ideias e a promoção do debate, não a censura. Do outro lado estão aqueles que sustentam que as manifestações de intolerância não devem ser admitidas, porque violam princípios fundamentais da convivência social como os da igualdade e da dignidade humana, e atingem direitos fundamentais das vítimas.

1Dessa maneira, aponta com clareza (FREITAS; CASTRO, 2013, p. 12) que “Com vistas a desenhar

uma estrutura organizacional para os Estados modernos, afastar definitivamente os regimes absolutistas e estabelecer as bases para a implementação das democracias modernas, ganha força na segunda metade do século XVIII o movimento social conhecido como: “Constitucionalismo”. Ainda, pontuam (FREITAS; CASTRO, 2013, p. 12) que “Dessa forma, quando se considera a dimensão social e política do movimento constitucionalista, a partir de meados do século XVIII, deve-se, sobretudo, ressaltar sua importância para as Revoluções Liberais e para a ascensão da burguesia que constituíram referências relevantes para a derrocada do absolutismo e a definição do paradigma liberal clássico. Para o segmento social burguês, expressivo em termos econômicos, a referência central foi a luta em defesa das liberdades como valor essencial à dignidade humana e a construção de um Estado com ingerência mínima quanto ao poder de autodeterminação de seus cidadãos: o Estado Gendarme”.

(13)

Dessa maneira, perquirir os limites para o então chamado “Hate Speech”, torna-se fundamental para entender em quais direções se encontram os países ocidentais no que tange “a proteção, ou não, de manifestações de ódio, desprezo ou intolerância contra determinados grupos, motivadas por preconceitos ligados à etnia, religião, gênero, deficiência física ou mental e orientação sexual, dentre outros fatores” (SARMENTO, 2006, p.3).

Sendo assim, analisar tal questão ultrapassa a sutil analise do texto constitucional, adentra-se aos meandros dos diversos valores de suma importância para uma sociedade democrática, tais como a liberdade, igualdade e a tolerância. Possivelmente, neste ponto esteja inserida uma das grandes causas de divergências das leituras, assim aponta Sarmento (2006, p.3).

Já, neste mesmo sentido, alerta com precisão Sarlet (2017, p. 496) ao dizer que:

[...] importa sublinhar que a relação entre democracia e liberdade de expressão é de um reciproco condicionamento e assume caráter complementar, dialético e dinâmico, de modo que embora mais democracia possa muitas vezes significar mais liberdade de expressão e vice-versa (mais liberdade de expressão indica mais democracia), também é correto que a liberdade de expressão pode acarretar risco para a democracia e esta para a liberdade de expressão

Buscar-se-á então, no presente capítulo, perpassar as principais formas de análise da discursiva odiosa no ocidente para então adentrar a realidade brasileira. Para assim, posteriormente, perquirir se há limites para a liberdade de expressão e compreender os meandros da discursiva odiosa no que tange aos parlamentares brasileiros. Dessa forma, após, no próximo capitulo, visitar a visão habermasiana e, por meio dela, compreender um caso ocorrido e julgados pela Suprema corte Brasileira relativa ao discurso de ódio parlamentar no último capítulo.

1.1 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO: DUAS FORMAS DE PENSAR

Definir o discurso de ódio não é tarefa fácil, já que o tema é permeado de valores morais, individuais e sociais, assim como, por visões político-ideológica sobre o assunto e, dessa forma, a abordagem sobre seu conteúdo varia de acordo com a experiencia histórica, com a visão jurídica e jurisprudencial de um país. Pode-se dizer que existem atualmente duas formas de Pode-se enxergar e lidar com o discurso de ódio, sendo eles o modelo Alemão e o modelo Americano.

(14)

Normalmente, Estados Liberais como os Estados Unidos, valorizam a liberdade de expressão e acreditam que seu povo é capaz de decidir quais discursos devem prosperar em sociedade, deixando a seu povo a escolha de reprimir ou não um discurso. Esta visão de discurso livre é resgatada, segundo Brugger (2007, p. 117) da visão de Voltaire que diz “eu desaprovo o que você diz, mas eu defenderei até a morte o seu direito de dize-lo”.

Já por outro lado, a visão contrária à do discurso totalmente livre como dos Estados mais liberais, é que se utilizado um discurso de maneira totalmente livre ao ponto de se aceitar por exemplo um discurso antissemita, elimina-se a comunicação ou, ao menos, a minimiza ao se enunciar discursos com conteúdo odiosos, assim sendo, as mensagens racistas são vistas como uma conduta e não como um discurso, por esse motivo não se aplica a proteção (irrestrita) da liberdade de expressão em países como os Europeus, conforme Brugger (2007, p.118)2.

Dessa maneira, em países como Canadá, Alemanha e Reino Unido não se pode utilizar de frases, ou discursos que incitem o ódio, de acordo com Shecaira (2018, p. 230):

[...] no Canadá, Dinamarca, Alemanha, Nova Zelândia e Reino Unido, proibindo afirmações públicas que incitem “ódio contra qualquer grupo identificável quando tal incitação tenha chance de levar a um distúrbio da paz” (Canada); ou afirmações “com as quais um grupo de pessoas é ameaçado, ridicularizado ou degradado em virtude de sua raça, cor de pele ou origem nacional ou étnica” (Dinamarca); ou ataques à “dignidade humana de outros, insultando, maliciosamente aviltando ou difamando segmentos da população” (Alemanha) [...]

O discurso de ódio é um gênero e nele comportam-se espécies, sendo elas o discurso de ódio proferido contra uma pessoa e o discurso de ódio proferido contra uma coletividade de pessoas.

Normalmente, esses ataques levam em considerações características que a pessoa possui em comum com um determinado grupo, mas visando o ataque somente a aquela pessoa por conter aquela característica, assim como informações mentirosas da pessoa na tentativa de diminuí-la. Já no que tange ao discurso de ódio em relação aos grupos, em regra geral, tais discursos são proferidos atacando

2 Outros autores como Waldron afirmam que: “Há pouca controvérsia filosófica sobre o fato de que a

discriminação baseada em raça, religião, gênero etc. é um mal que merece regulação legal. Por outro lado, há muita controvérsia – especialmente nos Estados Unidos, onde trabalha Waldron – sobre se o

discurso discriminatório também deve ser regulado. Isso não seria antidemocrático? Não seria uma

afronta à liberdade de expressão, um de nossos direitos civis mais fundamentais?” (SHECAIRA, 2018, p. 231)

(15)

uma característica peculiar daquele grupo como: cor da pele, características físicas, religião, opção sexual, dentre outros.

Neste interim, para Shecaira (2018, p. 232) “O discurso de ódio, de modo geral, é um ataque à reputação de cada indivíduo que apresente as características (étnicas, religiosas etc.) distintivas do grupo insultado”.

Assim sendo, Brugger (2007, p.130) em seu artigo detalha as diferenças entre o direito Alemão e o direito Americano e suas jurisprudências sobre casos do discurso de ódio e como são entendidos em ambos países. De forma sucinta, na comparação entre os países e suas formas de reação ao discurso odioso, pode-se resumi-las da seguinte forma:

Primeiro, na tradição americana, há mais confiança de que, em uma disputa entre boas e más opiniões, as boas prevalecerão. Segundo, o discurso ofensivo ou o discurso do ódio nos Estados Unidos teve, ocasionalmente, consequências libertadoras como, por exemplo, durante a era da luta pelos direitos civis e dos protestos contra a guerra do Vietnã; porém, a Alemanha e a Europa vêem o discurso do ódio exclusivamente ou primariamente como uma ferramenta de supressão ou aniquilação. Terceiro, diversamente dos alemães, os americanos não confiam no governo para selecionar as “boas” opiniões das “más” – uma consequência dessa postura é que a discriminação feita por atores governamentais com base em pontos de vista, mesmo se direcionada ao “discurso do mal”, é vista com suspeita e pode até ser caracterizada como “pecado capital”. Quarto, afora a deferência à liberdade de expressão, o judiciário americano esforça-se para ver além do elemento “ódio” no discurso suspeito, a fim de encontrar algum componente relacionado com o interesse público, mesmo se essa interpretação seja um tanto extensiva; não há tal tendência abrangente na Alemanha. (BRUGGER, 2007, p.130).

Aponta, Sarmento (2006, p.6) que os custos dessa superproteção dos Estado Unidos a liberdade de expressão tem seu ônus no enfraquecimento da garantia de outros direitos como privacidade, honra e também igualdade. Dessa forma, consagrou-se na jurisprudência americana com essa sustentação de todas as formas de discursos uma proteção até mesmo das mais atemorizantes manifestações de ódio e intolerância voltada contra minorias3.

3 Ainda, aduz SARMENTO (2006, p. 8) que: “O entendimento jurisprudencial que se firmou ao longo

do tempo foi de que, como as restrições ao “hate speech” envolvem limitações ao discurso político baseadas no ponto de vista do manifestante, elas são, em regra, inconstitucionais. Assim, nem a difusão das posições racistas mais radicais e hediondas pode ser proibida ou penalizada. Isto porque, entende-se que o Estado deve adotar uma postura de absoluta neutralidade em relação às diferentes idéias presentes na sociedade, ainda que considere algumas delas abjetas, desprezíveis ou perigosas. As concepções defendidas por Hitler ou pela Ku Klux Klan têm de receber a mesma proteção do Poder Público do que as manifestações em favor dos direitos humanos e da igualdade”.

(16)

Talvez, um dos pontos mais sensíveis da distinção do discurso de ódio na comparação entre a abordagem alemã e a abordagem americana resida no fato histórico do Holocausto e de como ambos países lidam com esse fato histórico.

Por exemplo, na Alemanha distingue-se entre mentira do holocausto simples e mentira do holocausto qualificada. Dessa maneira, a mentira simples é a simples negação dos fatos ocorridos no holocausto, é exatamente tratar como se uma mentira o holocausto fosse ou a tentativa de diminuir sua importância histórica, enquanto a segunda é a tentativa de negar o fato, ou diminui-lo conjuntamente com a ação de chamamento para a ação. O chamamento para a ação por sua vez é exatamente uma chamada de quem enuncia o discurso para uma ação (atacar, matar, agredir, dentro outras ações) em relação a um determinado grupo4.

O autor, ainda, chama atenção para a questão de que chamamentos para ação baseados em teorias de superioridade racial e inferioridade, acabam por aproximar, consideravelmente, o discurso de ódio ao crime de ódio. Dessa forma, não obstante, se tem um problema interpretativo de saber quando efetivamente um discurso “abstratamente perigoso” ultrapassa os limites discursivos e passa a ser qualificado como crime, no caso no Direito Alemão e quando uma manifestação verbal ofende diretamente a dignidade de uma pessoa ou grupo (Brugger, 2007, p.134).

Nesse sentido, já se manifestou a Suprema Corte Americana no caso “Gertz v. Robert Welch” que “não há valor constitucional em declarações falsas de fato”. Já, por outro lado, na Alemanha, tais afirmações não somente seriam reprimidas socialmente como punidas pelos artigos 1305 e 1856 do código Penal Alemão,

4 Pode-se utilizar um caso hipotético para melhor ilustrar as duas formas de pensar, imaginemos que

um manifestante gritasse (Brugger, 2007, p.119): “afro-americanos usam a mentira da escravatura para extorquir dinheiro do governo americano, da mesma forma que os judeus usam a mentira do holocausto para extorquir dinheiro da Alemanha. Alguma coisa tem que ser feita sobre isso!” Ter-se-iam respostas de ambos países (America e Alemanha) muito diferentes para o mesmo caso. Aponta Brugger (2007, p. 131) que, nos Estado Unidos nada teria a ser feito, nenhuma declaração do manifestante levara-o a ser processado, pois chamamentos gerais são protegidos pela Primeira Emenda americana. Assim, fazer declarações obviamente falsas, como a negação do Holocausto, não é punível no Estados Unidos e é improvável que alguém busque criminalizar tal conduta.

5 O código Penal alemão possui uma parte destinada aos crimes de ofensa e um dispositivo para a

preservação da paz pública. Esse artigo é especialmente importante na limitação do discurso de ódio na Alemanha. Nesse interim, dispõe que: “Quem, de forma capaz de perturbar a paz pública, (1) incitar ódio contra segmentos da população ou propor medidas violentas ou arbitrárias contra eles, ou atacar a dignidade humana de outros por meio de ofensas maliciosamente degradando e caluniando parte da população, será punido com prisão não inferior a três meses e não excedente a cinco anos[...]”. conforme (BRUGGER, 2007, p.121).

6 Esse artigo é especialmente importante no que tange ao discurso de ódio e sua limitação na

(17)

entendendo então a Corte Alemã que tais dispositivos são restrições aceitáveis e justificadas à liberdade de expressão.

De certa forma, tais ponderações levam a questionamentos quanto a realidade brasileira e de qual poderia ser o melhor modelo e qual modelo é aplicado na complexa realidade jurídica brasileira, pois, considerando, ainda, que no Brasil a diversidade de pessoas, culturas, forma de pensar e agir, religiões da mais diversas matrizes, povos de diversas regiões do mundo e também à extensão territorial, o problema se acentua em diversos âmbitos, como na árdua tarefa de definir critérios jurídicos interpretativas para os casos concretos adentrados ao poder judiciário de limites interpretativos aos discursos, ou pela compreensão da não existência destes limites.

Não obstante, na realidade Brasileira atual, tem-se diversos discursos excludentes, do ponto de vista racial, assim como do ponto de vista político e, também, em relação aos gêneros e opções sexuais, que são travestidos de “brincadeira” ou de um tom jocoso em busca de não parecer claro o exposto odioso por traz do discurso.

Tal modalidade discursiva em tom jocoso, leva a uma outra forma de analise do discurso de ódio, conforme aduz (SCHÄFER; LEIVAS; SANTOS, 2015, p. 147) que é o fenômeno do “hate speech in form” e “hate speech in substance”. “O hate

speech in form” pode ser considerada as manifestações explicitamente odiosas,

enquanto que o “hate speech in substance” se refere à modalidade velada do discurso de ódio”.

Dessa maneira, fica visível em que patamar se encontra a discussão atual e sempre presente em regimes democráticos sobre a liberdade de expressão, seus limites e em relação aos discursos odiosos. Importantes discussões no âmbito democrático, visto que a Liberdade de expressão é um dos pilares democráticos, não sendo possível haver democracia, sem liberdade de expressão. Sendo que esta não configura somente um direito, mas uma garantia do Estado contra o próprio Estado.

Cristalino dizer, então, que ambos modelos, tanto o europeu, especificadamente, o alemão e, por outro lado, o Americano, têm vantagens e

com pena de prisão que não ultrapassará um ano, ou por multa [...]. Entende-se que o discurso de ódio proferido contra indivíduos ou contra grupos, qualifica-se como insulto (BRUGGER, 2007, p. 121).

(18)

desvantagens, problemas e soluções a oferecer nos embate jurídicos, filosóficos, morais e sociais no que tange a discursiva odiosa e a liberdade de expressão.

Com isso, chega-se a pergunta, qual o modelo seguido no Brasil? Segue-se um modelo Americano de liberdade praticamente ilimitada ao discursar ou segue-se um modelo alemão que possui mais limitações a liberdade de expressão e consequentemente ao discurso de ódio objetivando a proteção social?

1.2 O TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DO TEMA NO BRASIL: HÁ LIMITES PARA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO?

1.2.1 Aspectos gerais da liberdade de expressão

A liberdade de expressão encontra-se na Constituição Federal (BRASIL, 1988, p.1) no artigo 5º, IV, dispondo que: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;”. Este artigo é uma espécie de cláusula geral, tendo umbilical ligação com diversos outros artigos que juntos formam um arcabouço jurídico constitucional que reconhece e protege a liberdade de expressão nas suas diversas formas.

O artigo 5ª7 da Constituição da República Federativa do Brasil traz em seu

corpo alguns dos principais artigos ligados a liberdade de expressão:

Além do artigo 5º, IV que é a clausula geral, os incisos V, VI e IX, trazem disposições importantíssimas para a compreensão da Liberdade de expressão na constituição, devem ainda serem elencados outros artigos que possuem uma ligação direta com a liberdade de expressão como o art. 206, II e o art. 220 ambos da Constituição Federal, o que demonstra o alto grau de destaque que a liberdade de expressão possui no ordenamento jurídico pátrio.

7 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

[...]

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

(19)

É preciso compreender, primariamente, que a liberdade de expressão é gênero que possui espécies, sendo que suas espécies possuem peculiaridades jurídicas e jurisprudenciais próprias, dessa forma, traduz Ingo Wolfgang Sarlet (2017, p. 494) que:

Para uma compreensão geral das liberdades em espécie que podem ser reconduzidas à liberdade de expressão (gênero), e considerando as peculiaridades do direto brasileiro, é possível apresentar o seguinte esquema: (a) liberdade de manifestação do pensamento (incluindo a liberdade de opinião), (b) liberdade de expressão artística; (c) liberdade de ensino e pesquisa, (d) liberdade de comunicação; (e) liberdade de expressão religiosa.

Dessa maneira, o que importa para o presente trabalho é a liberdade de expressão em sua forma liberdade de manifestação do pensamento (incluindo a liberdade de opinião) que por si só já traz grandes controvérsias jurídicas e jurisprudenciais:

Para assegurar a sua máxima proteção e sua posição de destaque no âmbito das liberdades fundamentais, o âmbito de proteção da liberdade de expressão deve ser interpretada como o mais extenso possível, englobando tanto a manifestação de opiniões, quanto de ideias, pontos de vista, convicções, criticas, juízos de valor sobre qualquer matéria ou assunto e mesmo proposições a respeito de fatos. Nesse sentido, em principio todas as formas de manifestação, desde que não violentas, estão protegidas pela liberdade de expressão, incluindo “gestos, sinais, movimentos, mensagens orais e escritas, representações teatrais [...] (SARLET, 2017, p. 497). (grifo nosso).

Neste mesmo sentido, também, compreende Mendes (2017, p. 235) afirmando que: “A liberdade de expressão, contudo, não abrange a violência. Toda manifestação de opinião tende a exercer algum impacto sobre a audiência – esse impacto, porém, há de ser espiritual, não abrangendo a coação física”.

Alguns autores constitucionalistas apontam para uma prevalência da liberdade de expressão frente outros direitos fundamentais e princípios constitucionais, visto que fora adotado no Brasil em sede do julgamento da ADPF 130 a teoria da posição preferencial8. Entretanto, afirma (SARLET, 2017, p. 500) que

8 Afirma (BIANCHI, 2013, p.1) que: “Nesta qualidade de sobredireitos, seria possível aplicar um

mecanismo, de natureza constitucional, de calibração de princípios, que se expressaria na precedência lógica e temporal que os sobredireitos da liberdade de expressão e jornalística sobre aqueles que protegem a intimidade e a privacidade das pessoas. Obviando que, em casos de excesso, haverá sempre a possibilidade de indenizações contra aquele que abusou da liberdade de expressão. Dessa maneira é que, no caso em análise, ocorre a proporcionalidade entre liberdade de imprensa e o direito a privacidade e à intimidade, de acordo com o STF”.

(20)

tal teoria tem sido aplicada de maneira ainda tímida no Brasil9. Nesse prisma, ocorre

que:

Dada sua relevância para a democracia e o pluralismo político, a liberdade de expressão – pelo menos de acordo com significativa parte da doutrina – assume uma espécie de posição preferencial quando da resolução de conflitos com outros princípios constitucionais e direitos fundamentais (SARLET, 2017, p. 499-500)

A constituição traz uma vedação da censura que à primeira vista deve ser levada como absoluta para a maior parte da doutrina, contudo, o problema de uma definição muito ampla de censura, como abarcando toda e qualquer restrição à liberdade de expressão, é que ela acabaria por transformar a liberdade de expressão em direito absoluto. (SARLET, 2017, p. 499-500)

Não obstante, compreender o Direito à liberdade de expressão como absoluto não se revela, possivelmente, uma resposta saudável frente a problemática que isso poderia apresentar na colisão deste direito com demais direitos e princípios fundamentais.

Dessa forma essa superposição da liberdade de expressão e o entendimento de que qualquer intervenção poderia ser vista como censura segundo SARLET (2017, p. 501) “[...] não se releva sustentável pelo prisma da equivalência substancial e formal entre a liberdade de expressão e outros bens fundamentais, pelo menos a dignidade da pessoa humana e os direitos de personalidade”

Compreende-se então que, somente, é possível aceitar em hipóteses excepcionais10 restrições previas ao exercício da liberdade de expressão, isto na

busca de dar proteção a outros direitos e bens jurídicos contrapostos.

9 A jurisprudência brasileira apresenta 3 julgados de maior relevância para se entender a liberdade de

expressão e se há limites para ela, sendo tais julgados: o caso Ellwanger (HC 82.424-2 Rio Grande do Sul), que será exposto ainda, a ADPF 130 que tratou da não recepção da lei de impressa e, ainda, a ADPF 187, caso que ficou conhecido como a Marcha da maconha. Fica evidente que na analise de tais julgados a corte decide de maneiras distintas em ambas, não definindo, um padrão de decisão e de linha de raciocínio para definição ou não de limites para a liberdade de expressão. Ainda, de forma menos importante para o Estudo em questão tem-se a ADIn 4.815 em que “O STF decidiu que tampouco o indivíduo pode cercear a liberdade de expressão de outrem, por meio de exigência da sua concordância prévia para que terceiro exerça a liberdade de informar e de ser informado. Daí, analisando dispositivos de Código Civil, haver declarado a inconstitucionalidade sem redução do texto da necessidade de autorização prévia do retratado em biografias para a publicação do texto” (MENDES, 2017, p.233).

10 Compreende-se que possivelmente toda essa abertura da constituição a liberdade de expressão

veio por ter o Brasil passado por momento grande de censura após 1969 pela Emenda constitucional 1/1969 que alterou o artigo 153§ 8º que passou a censurar em muito a sociedade a época.

(21)

Fica, dessa forma, entendido que boa parte da doutrina concebe que apesar de não estar previsto expressamente, a liberdade de expressão não é um direito absoluto, pois encontra limites em seu exercício frente a outros direitos fundamentais, sendo pouco contestada tal visão tanto no âmbito interno quanto no âmbito dos direitos internacionais e dos Direitos humanos. (SARLET, 2017, p.506).

1.2.2 – Limites a liberdade de expressão

Visto a abertura semântica constitucional, aqui reside uma das questões fundamentais para se alcançar os pontos mais sensíveis e as nuances presentes na liberdade de expressão, seus limites e o que pode ser considerado discurso de ódio no Brasil, assim como as repercussões jurídico-sociais destas:

A constituição é clara no artigo 5º, IV e V ao impor certos limites a liberdade de expressão como a vedação ao anonimato e o direito de resposta proporcional ao agravo.

Com isto, diz Sarlet (2017, p. 499) que “Especialmente os direitos de resposta e de indenização por dano imaterial causado pelo uso abusivo da liberdade de expressão constituem exemplos de refrações da liberdade de expressão na esfera das relações privadas”

A primeira forma de restrição a liberdade de expressão constitucionalmente trazida é a vedação ao anonimato, esta foi prevista no texto constitucional no artigo 5º, IV e está associada ao direito de livre manifestação do pensamento, contudo, aplica-se esta à todas as modalidades ou espécies da liberdade de expressão. Caso contrário, seria inviável, conforme o STF, eventual responsabilização civil ou penal do agente de alguma manifestação de teor ofensivo (SARLET, 2017, p. 503)

Além disso, uma segunda possibilidade de restrição da liberdade de expressão advém do direito de resposta proporcional ao agravo, sendo este assegurado no art. 5º, V, da constituição Federal, pois compreende-se que algumas manifestações possam gerar prejuízos a outros bens jurídicos e direitos fundamentais de outrem, dessa maneira o afetado teria direito a manifestar sua resposta ao agravo sofrido. Em sentido complementar, apresenta Germano (2011, p. 245) que:

(22)

O direito de resposta11 constitui-se em um dos mecanismos mais

importantes à defesa da honra, da intimidade e dos demais direitos de personalidade, relacionando-se diretamente ao exercício da liberdade de expressão, no qual se insere como elemento indissociável. Indispensável identificar o direito de resposta como um dos fundamentos à prática do contraditório público, caracterizando-se, portanto, como um direito fundamental de defesa.

Dessa forma não há como separar também o direito de resposta do direito de liberdade de expressão e, mais profundamente ainda, o separar da democracia, dos Direitos Humanos e da dignidade da pessoa Humana, visto que o direito de reposta atende a uma função social de importância impar em uma democracia. Assim pontua, magistralmente (GERMANO, 2011, p. 246) avertendo que:

A liberdade, entretanto, é uma via de duas mãos: ao mesmo tempo em que deve ser resguardada como alicerce da democracia, possibilitando a todos a livre expressão do pensamento, também a eles atribui responsabilidades. Nesse sentido, aquele que deliberadamente decide por divulgar um fato cuja veracidade é duvidosa ou ofensiva aos direitos de personalidade de outrem, deve arcar com as consequências decorrentes desse ato. A responsabilidade decorre dos próprios valores e princípios constitucionais, em que se deve priorizar, dentre outros, os direitos humanos e os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

No mesmo inciso (5º, V, da CRFB) além do direito de resposta é trazido o direito a indenização pelo dano material, moral ou a imagem sofrida pela pessoa, opera este também como um limite a liberdade de expressão plena.

Compreende-se então que a fixação de valores altos a título de indenização na esfera judicial pode não só inibir a liberdade de expressão como levar ela a sua inviabilidade total, ademais tem-se que observar os critérios da razoabilidade e proporcionalidade nesta esfera, o que reverte essa possibilidade de inviabilidade total. Contudo tem o STF adotado posição cautelosa quanto ao reconhecimento do direito de indenização, pois valoriza em partes a doutrina da preferencia a liberdade de expressão, principalmente no que tange a liberdade de informação nos meios de comunicação (SARLET, 2017, P. 506).

Dessa forma, a última maneira de limitação a liberdade de expressão são as limitações não expressamente autorizadas pela Constituição Federal. Aqui entram

11 Afirma o autor da tese (GERMANO, 2011, p. 245) também que: “O direito de resposta proporcional

ao agravo tem sido muito pouco estudado no âmbito da ciência jurídica, em especial no direito brasileiro. Isso ocorre em virtude de alguns fatores, dentre os quais a vigência, por mais de quarenta anos, da Lei de Imprensa, a qual regulava a liberdade de manifestação do pensamento e de informação”.

(23)

os casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal em que se tem conflito entre a liberdade de expressão e outros bens jurídicos fundamentais.

Pode-se dizer que existem 4 julgamentos do STF que ganharam maior relevância nas limitações do Direito à liberdade de expressão, são estes: o caso Ellwanger (HC 82.424-2 Rio Grande do Sul), a ADPF 130 (não recepção da lei de impressa), a ADPF 187 (Marcha da maconha) e a a ADIn 4.815 (da não necessidade de autorização prévia do retratado em biografias para a publicação do texto). Estes casos foram os que traduzem os principais julgamentos de conflitos em que ou se restringiu ou se alargou o entendimento da liberdade de expressão no Brasil frente a outros direitos e preceitos fundamentais.

Afirma-se que, “a controvérsia a respeito de quais são tais limites e de como e em que medida pode se intervir na liberdade de expressão segue intensa e representa um dos maiores desafios” (SARLET, 2017, P. 507). Os desafios são enormes, seja para o legislador, seja para o judiciário, a quem compete no caso concreto, assim como no controle concentrado de constitucionalidade e da legalidade, decidir da melhor forma possível a respeito da controvérsia. (SARLET, 2017, P. 507).

Portanto, cabe pontuar que grande parte da doutrina brasileira entende que nos meandros jurídicos internos brasileiros a proteção a liberdade de expressão não é absoluta, podendo ser restringida quando sua manifestação configurar abuso de direito ou afrontar disposições constitucionais. Cabe então, detectar quando um discurso se encontra na esfera de proteção à liberdade de expressão e quando este configura um abuso.

Nesse sentido, torna-se papel do judiciário fazer a distinção entre um discurso aceitável e um abusivo e na grande maioria dos casos a linha é tênue, cabendo caso a caso a analise da ponderação dos valores constitucionais frente a liberdade de expressão.

Nos meandros desta discussão sobre os limites a liberdade de expressão e no conflito dela com outros bens jurídicos fundamentais, ganha relevância o chamado “Hate speech”. Também conhecido como discurso de ódio ou incitação ao ódio. Assim, pode-se compreender que, em outras palavras, como apresenta (SARLET, 2017, p. 508) que o direito “a liberdade de expressão encontra limites na dignidade da pessoa humana de todas as pessoas e grupos afetados quando

(24)

utilizada para veicular mensagens de teor discriminatório e destinada a incitar ódio e até mesmo violência”

Esse particular conflito entre a liberdade de expressão e a dignidade humana das pessoas e grupos envolvidos merece referido destaque visto que nele encontra-se talvez uma das maiores controvérsias quanto à liberdade de expressão. Pois, neste ponto entra, talvez, a linha mais tênue entre o discurso e a ação, entre a compreensão e o dissenso, entre a razão e o ódio, entre a liberdade e a censura, entre a democracia e o autoritarismo e entre o público e o privado.

O que coloca mais em evidencia a importância do tema e de como compreender dentro do sistema jurídico brasileiro. Assim como, em um âmbito filosófico, como entender a liberdade de expressão e seus limites e o discurso de ódio. Sendo essa a preocupação direta e indireta de juristas, filósofos, sociólogos, visto que essa discussão não possui consequências meramente jurídica, mas fáticas e sociais, que podem perpassar a exclusão do outro na sociedade ou sua diminuição enquanto ser humano, por exemplo.

Cabe compreender assim o que é o discurso de ódio conceitualmente definido por autores como Brugger, assim como é o que é a discursiva odiosa para a jurisprudência brasileira, no caso mais celebre sobre o limite para liberdade de expressão em que a corte brasileira estabeleceu o que é o “Hate speech”, assim, como é importante, por outro lado, discutir e apresentar suas consequência, pois a importância dessa discussão repercute no aperfeiçoamento das instituições democráticos e na possibilidade de um direito inclusivo.

1.3 O QUE É O DISCURSO DE ÓDIO?

Nas sociedades capitalistas periféricas emergentes, as desigualdades sociais costumam ser acentuadas. Levando em consideração um país com a diversidade étnica brasileira, com pessoas das mais diversas culturas e formas de pensar, somado a um passado presente de formação autoritária a exclusão acaba por passar por processos de naturalização e ampliação por via das desigualdades.

Dessa forma indicam (BOLDT; KROHLING, 2010, p.1) que em países periféricos em relação ao capitalismo central, que dependem das potências centrais, e por isso são subdesenvolvidos, seus processos de desigualdade econômica e social intensificados

(25)

Por mais que questões como estas pareçam à primeira vista não terem pertinência com a problemática, é exatamente esse contexto que perfaz todo o entorno da situação e indica toda uma acentuação da problemática no cenário brasileiro. Assim afirma, (BOLDT; KROHLING, 2010, p.1) que em formações sociais como a brasileira, autoritárias e hierarquizadas, ocorre uma estratificação social que se faz muito mais do que presente. Classifica-se as pessoas em boa gente, brancos, medalhões, em oposição às gentinhas, à gentalha, às massas em geral.

Dessa maneira, forma-se todo um contexto social e jurídico que permite a exclusão do outro, como propiciam um ambienta não democrático ou igualitário no que tange as vozes e as diferenças de cada um, ocasionando um ambiente para o desenvolvimento de discursos excludentes.

Em última análise, com foco na formação dos estados constitucional na américa Latina, assim como, na sua formação social, assevera-se o surgimento de preconcepções sobre os indivíduos criado pela economia capitalista e que existem exatamente pela falta de um ambiente democrático de debate de ideias. Assim sendo, esse ambiente, somando ao surgimento desses preconceitos, conduzem a um espaço ideal para o desenvolvimento do discurso de ódio contra minorias e contribuem para a manutenção desses discursos no âmbito social brasileiro (CARCARÁ, 2017, p.1)

Assim sendo, a diversidade e o pluralismo são características que conformam a liberdade de expressão, sobretudo em sociedades multiculturais como o Brasil, sendo que essa realidade plural traz a necessidade de compreender o que é o conceito de discurso de ódio e quais consequências esse discurso pode trazer a um corpo social democrático.

As tensões em liberdade de expressão e democracia são sempre presentes em sociedades ditas democráticas. Isto posto, não impede que determinados discursos de cunho excludente surjam e busquem acabar com a existência ou com a dignidade do outro. Normalmente, estas manifestações intolerantes e discriminatórias ocorrem contra grupos minoritários ou de menores forças sociais.

Do ponto de vista de uma abordagem conceitual doutrinária, o autor mais citado, em boa parte dos trabalhos utilizados como referência e por grande maioria dos escritos sobres a discursiva odiosa, parte da definição dada por Winfried Brugger (2007, p.118) a qual define que este tipo de discurso esta normalmente

(26)

ligado a utilização de palavras “que tendem a insultar ou assediar pessoas em virtude de sua raça, cor, etnicidade, nacionalidade, sexo ou religião”.

No mesmo sentido, define Daniel Sarmento (2006, p. 54) o discurso de ódio como sendo “manifestações de ódio, desprezo ou intolerância contra determinados grupos, motivada por preconceitos ligados à etnia, religião, gênero, deficiência física ou mental ou orientação sexual, dentre outros fatores.

A maior parte dos autores, por sua vez, deixa de citar outros traços importantes para uma caracterização mais pontual do discurso de ódio, por vezes, ignorando aspectos como idioma, identidade cultural, opinião política, orientação sexual, posição socio econômica, dentre outros. Dessa maneira, acabam por deixar a conceituação dissonante com a realidade empírica dos acontecimentos da vida.

O conceito mais consoante com a realidade atual e, possivelmente, menos defasado, com contornos pontuais ao discurso de ódio, foi feito com fundamentação na convenção interamericana contra toda forma de descriminação, sendo este conceito elaborado por Gilberto Schafer, Paulo Gilberto Cogo e Rodrigo Hamilton dos Santos (2015, p. 149) definindo que o “Hate speech” consiste:

[...] na manifestação de ideias intolerantes, preconceituosas e discriminatórias contra indivíduos ou grupos vulneráveis, com a intenção de ofender-lhes a dignidade e incitar o ódio em razão dos seguintes critérios: idade, sexo, orientação sexual, identidade e expressão de gênero, idioma, religião, identidade cultural, opinião política ou de outra natureza, origem social, posição socioeconômica, nível educacional, condição de migrante, refugiado, repatriado, apátrida ou deslocado interno, deficiência, característica genética, estado de saúde física ou mental, inclusive infectocontagioso, e condição psíquica incapacitante, ou qualquer outra condição.

Dessa maneira, pode-se compreender a discursiva odiosa é um discurso que normalmente visa a exclusão do outro, por vezes não só sua exclusão, mas a retirada de sua voz12, ainda pior, por vezes, é um discurso que deseja o extermínio

do outro na sociedade.

12 Segundo Marcus Antônio Assis Lima (apud COULDRY, 2012, p. 1) o filósofo Nick Couldry em seu

livro “Why voice matters”, afirma de maneira sucinta que “O indivíduo precisa saber que sua voz interessa. Na verdade, a oferta de voz eficaz é crucial para a legitimidade das democracias modernas; e mesmo o lado econômico e cultural da vida tem oferecido voz de diversas maneiras.” No mesmo texto Assim, ele define “voz como a capacidade de criar, e ser reconhecido por criar, narrativas sobre a vida. Para tanto, alguns princípios mais gerais devem ser estabelecidos: a) A voz é socialmente enraizada; b) A voz é uma forma de agenciamento reflexivo; c) A voz é um processo adquirido; d) A voz requer uma forma material que pode ser individual, coletiva ou distribuída; e) A

(27)

O discurso de ódio livre do ponto de vista jurídica, sem sombra de dúvidas fragiliza a própria democracia e fragiliza bens jurídicos constitucionais importantíssimos como o principio da não discriminação e a dignidade da pessoa humana.

Para adentrar na definição do discurso de ódio para a corte constitucional brasileira e entender seus contornos jurídico, assim como os valores ponderados para a restrição da liberdade de expressão é preciso visitar a mais paradigmática decisão, e que gerou maior repercussão nacional, o julgamento do habeas corpus 82.424/RS, em 2003 pelo Supremo Tribunal Federal, denominado de “caso Ellwanger”.

1.3.1 Discurso de ódio a brasileira: o caso Ellwanger e a definição de discurso de ódio para o Supremo Tribunal Federal (STF).

O Caso Ellwanger foi o primeiro caso brasileiro a limitar a liberdade de expressão em um caso concreto, dessa maneira, tornou-se conhecido à época e, ainda, é hoje utilizado como fonte de estudo por diversas áreas, não se limitando a jurídica, visto que se decide como plano de fundo por exemplo a metodologia histórica de investigação (PINHEIRO, 2013, p.6)13.

É preciso, inicialmente analisar o (HC 82.424-2 Rio Grande do Sul) para compreender a importância do mesmo e captar a definição feita pela suprema corte brasileira do discurso de ódio, assim como a aplicação da legislação ao caso concreto.

O Nome do caso tem o nome do senhor que deu início ao caso: Siegfried Ellwanger. Na década de 80, foi fundada por Siegfried uma editora chamada Revisão, cuja a especialidade era a publicação de livros negacionistas do Holocausto e revisionista da segunda Guerra. Ele se considerava um revisionista e

excluem vozes ou minam formas para sua expressão”. (LIMA, apud COULDRY, 2012, p. 2)

(grifos nossos).

13Nas palavras do autor (PINHEIRO, 2013, p.6) questiona-se: “Que parâmetros os juízes utilizaram

para determinar as regras metodológicas adequadas à pesquisa histórica ou, ainda, para definir a narrativa dita incontroversa de fatos passados? Na intenção de verificar o rigor científico com que os magistrados no caso Ellwanger manusearam as fontes e a crítica documental, a pesquisa desenvolveu três estudos simultâneos, complementares e mutuamente dialógicos: a análise das obras revisionistas e/ou antissemitas apreendidas, ressaltando a visão conspiracionista da história; a investigação de traços integralistas na produção da editora Revisão e nos autos; e a comparação dos ofícios de juiz e historiador à luz da doutrina e da postura concreta dos julgadores no caso em questão”.

(28)

pretendia em suas obras mostra o lado dos vencidos, na Segunda Guerra Mundial, afirmando que a versão dos vencedores era uma Farsa. Dizendo em suas palavras que não havia câmaras de gás ou extermínio em massa de seres humanos, sendo tais afirmações “mentiras do Século”. Além de ideias revisionistas, os livros também possuíam “pitadas” de antissemitismo e exaltação ao nazismo de Hitler.

Por conta de seus livros, Ellwanger foi acusado de praticar o crime de racismo contra os judeus (art. 20 da lei 7716/1989, com a redação dada pela lei 8.081/1990), mas foi inocentado em primeira instancia, pois, o magistrado compreendeu que apesar de absurdas, as ideias do autor estavam protegidas pela liberdade de expressão (PINHEIRO, 2013, p. 275).

Ademais, em 1996, O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reverteu a sentença, decidindo que Ellwanger praticou o crime de racismo, com fundamento na lei 7.716/90 que trata sobre o racismo.

Diante da condenação, o autor dos livros por meio de seus advogados recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça (HC nº 15.155), teve denegada a ordem por maioria e então recorreu-se ao Supremo Tribunal Federal, onde foi deferida a ordem, buscando defender então a ilegalidade de sua condenação, afirmando, de maneira breve, que Judeu é um povo e não uma raça. Logo, ele não haveria praticado racismo. Afirmando, também, que o crime estaria prescrito por ter sido cometido a muitos anos atrás e que suas ideias estariam protegidas pela liberdade de expressão.

Na decisão do STF no HC 82.424-2 (Rio Grande do Sul) definiu-se então que: HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). 2. Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa. 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o

(29)

racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. 5. Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País. 6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, "negrofobia", "islamafobia" e o anti-semitismo. 7. A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática. 8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma. 9. Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislações de países organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles que transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos que simbolizem a prática de racismo. 10. A edição e publicação de obras escritas veiculando idéias anti-semitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas conseqüências históricas dos atos em que se baseiam. 11. Explícita conduta do agente responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso, um segmento racial atávica e geneticamente menor e pernicioso. 12. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências gravosas que o acompanham. 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. 15. "Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade,

(30)

este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória, apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o esquecimento". No estado de direito democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável. 16. A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem. Ordem denegada. (grifo nosso)

O que cabe destacar fortemente do referido Julgado é que a decisão foi alicerçada em 3 pilares principais: primeiro, definiu que o racismo é um conceito político-social não depende do conceito étnico de raça. Segundo, que a prática de racismo constitui crime imprescritível, de acordo com a Constituição Federal. E, por último, que a liberdade de expressão não protege a incitação ao racismo ou a apologia ao nazismo.

Dessa forma o Supremo Tribunal traz uma definição ao discurso odioso, definindo, que não se pode fazer incitações ao racismo ou apologia ao nazismo, por exemplo, o que contribui para uma definição dos discursos odiosos no Brasil, assim como direciona as compreensões dos limites a liberdade de expressão.

A nível de comparação, desse julgado em especifico, ele segue uma linha do Direito alemão na restrição dos discursos, entendendo que não há uma liberdade sem limites para o a liberdade de expressão e para os discursos de forma geral.

Em uma sociedade como a brasileira com tanta diversidade de povos, culturas, formas de agir, costumes, maneiras de se pensar, permitir um discurso sem limites é uma abertura até mesmo para segregação social de determinados grupos.

Após a contextualização da problemática, passar-se-á então para a problemática central do referido trabalho: definir o discurso de ódio proferido por parlamentares brasileiros e analisar através da perspectiva filosófica Habermasiana.

1.4 DISCURSO DE ÓDIO PARLAMENTAR: IMUNIDADE PARLAMENTAR X OUTROS BENS JURÍDICOS FUNDAMENTAIS

Em uma sociedade moderna, globalizada, informatizada, com cada vez mais mídias e circulação de informações, os entornos da liberdade de expressão, assim como do discurso de ódio ganham maior notoriedade no cenário público, de forma igualitária, pelas ciências que estudam os discursos e as circunscrição destes. Fato

(31)

este que, por vezes, tem sua relevância potencializada, assim como sua problemática, quando se trata de discursos parlamentares.

Isto pois, os parlamentares estão protegidos por um manto das imunidades, o que faz com que, na realidade brasileiras, eles ganhem uma proteção ao discursarem maior que dos cidadãos em geral. Podendo, inclusive, discursarem de forma excludente, ou desprezando parte da população, o que traz o tema uma relevância ímpar, em uma sociedade plural, porem excludente, como a brasileira.

Vale pontuar que assim são chamadas de imunidades “por tornarem o congressista excluído da incidência de certas normas gerais”. (MENDES, 2017, p 822).

Dessa forma, “A imunidade pode tornar o parlamentar insuscetível de ser punido por certos fatos (imunidade material) ou livre de certos constrangimentos previstos no ordenamento processual penal (imunidade formal)” (MENDES, 2017, p 822).

Justifica-se, também, a análise da problemática visto que de 2014 em diante os casos de judicialização de discurso de ódio protagonizados por parlamentar aumentaram consideravelmente14.

1.4.1 Breve contextualização:

As imunidades parlamentares são antigas e conhecidas por todo o mundo, aponta alguns teóricos que sua origem remontam a Inglaterra do século XVII. (STRECK, 2013, p. 2259)

Conforme aponta Streck (2013, p. 2260, a imunidade parlamenta, aplica-se no caso da Inglaterra, somente a opiniões e debates proferidos dentro do recinto do parlamento15.

14Exemplos claros disso são alguns inquéritos julgados pelo Supremo tribunal federal: Inquérito nº 3.590, em que é parte o deputado federal Marco Feliciano. Conforme aponta (SCHÄFER; LEIVAS; SANTOS, 2015, p. 150: “O Ministério Público Federal promoveu denúncia contra o pastor e parlamentar Marco Feliciano por declarações que indicam preconceito e discriminação, além de incitar o ódio entre grupos. São manifestações especialmente direcionadas para a comunidade LGBT. A principal declaração vinculada ao pastor evangélico foi inserida como mensagem em sua conta na rede social Twitter, com o seguinte conteúdo: “A podridão dos sentimentos dos homoafetivos levam (sic) ao ódio, ao crime, a (sic) rejeição.” Sendo este um claro exemplo de discurso de ódio proferido por parlamentar.

15 Argumenta Streck (2013, p. 2260) e diz que: “Nesse sentido, os Estados Unidos da América, em sua jurisprudência e doutrina, delimitaram que a freedom of speach (imunidade material) refere-se

Referências

Documentos relacionados

O relatório encontra-se dividido em 4 secções: a introdução, onde são explicitados os objetivos gerais; o corpo de trabalho, que consiste numa descrição sumária das

Por último, la Convención Americana sobre Derechos Humanos (en adelante CADH) en el art. Toda persona tiene derecho a la libertad de pensamiento y de expresión. Este

A FC tem como principal função a dispensa do medicamento e outros produtos e serviços de saúde, em função do bem-estar e melhoria na qualidade de vida do utente. Deste

Entretanto, nas relações de produção capitalista, diante do conflito entre o empregador que, como comprador, teria direito de estender a jornada de trabalho de seus empregados, e

A gestão vertical do currículo é uma área em que o Agrupamento mostra algum investimento, com expressão na abordagem transversal dos programas nos 1.º, 2.º e 3.º ciclos em

An optimized set of loading (tension), frequency and number of cycles was obtained. Concerning the method validation, using modified T-test samples in fresh and humidity-aging

Five new species of Rublaceae f rom Brazil, Psycho- tria isanae Kirkb., Palicourea vete rinariorum Kirkb., Pe- ra ma carajensis Kirkb.. and Sipaneopsis cururuensis